Uma conversa com o “pai” do COE
Sergio Odilon dos Anjos conta a história desse novo tipo de investimento que pode misturar renda fixa, renda variável, câmbio e derivativos
Certamente o leitor, assim como eu, já recebeu algumas ofertas do tipo “ganhe com a valorização do Dow Jones”, “invista nas ações da Apple, Amazon e Netflix”, “tenha retorno alavancado de até 430%” e tudo isso com o chamado capital principal garantido, o popular "satisfação garantida ou seu dinheiro de volta".
Essas são ofertas de um instrumento relativamente novo, o Certificado de Operações Estruturadas (COE), que tem se apresentado como uma forma de acessar o mercado externo, conferir proteção de carteiras e realizar apostas direcionais (com alta ou queda do dólar e da bolsa).
Meu primeiro contato com o COE foi em setembro de 2013, quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) editou a regulamentação do instrumento que tinha sido criado em 2010, junto com as Letras Financeiras. Como repórter setorista de Banco Central (BC) aqui em Brasília, fui chamado para uma pequena reunião que o próprio BC organiza, por vezes, para explicar as decisões aos repórteres especializados.
O COE foi então apresentado como um instrumento de captação dos bancos, algo como um CDB, pois a instituição está recebendo dinheiro do investidor e buscando aplicações que vão resultar em retorno para os dois em determinado intervalo de tempo. Mas a grande novidade era que por meio do COE o banco emissor poderia agregar diferentes tipos de investimento. Um mix entre a renda fixa, renda variável, câmbio e derivativos tanto no mercado local quanto no mercado externo. Além de oferecer retorno alavancado sobre o capital inicial.
O responsável pela criação do instrumento no Brasil foi Sergio Odilon dos Anjos, que por mais de 35 anos trabalhou no Banco Central e atualmente tem sua consultoria, a Comportamental, e atua como conselheiro da BSM – braço da B3 que realiza a supervisão e fiscalização dos mercados.
Fui tomar um café com o Sergio, conhecido como “pai do COE”. Mas ele fez questão de destacar que ninguém faz nada sozinho quando se trata da criação de novos instrumentos, ainda mais quando se tem de convencer além do BC, os ministros da Fazenda e do Planejamento, que compõem o CMN.
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O COE nasce junto com a Letra Financeira atendendo a uma demanda de mercado por novos instrumentos de captação. Aliás, diz Sergio, captação é a palavra-chave desse tipo de instrumento, que só pode ser emitido por bancos. Até por isso é que sua criação e regulamentação ficaram a cargo do BC, cabendo à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) dar a palavra sobre o modelo de oferta ao público.
Novidade por aqui, no mercado internacional o COE é conhecido como nota estruturada e tem volume que ultrapassa o trilhão de dólar. Até a formalização desse instrumento, quem buscava fazer uma operação que combinasse a variação dos juros com dólar ou ações tinha de pedir para o banco montar um “pacote” personalizado que atendesse a essas necessidades. E havia demanda do mercado para esse produto, pois cerca de R$ 3 bilhões em COEs potenciais já haviam sido estruturados até então.
Vencidas algumas resistências que existiam dentro do governo, principalmente pelo COE poder envolver derivativos – ainda era remanescente o trauma da crise de 2008/2009 – Sergio batalhou pela inclusão do COE na lei que criou a Letra Financeira e posteriormente coordenou a regulamentação.
Segundo ele, ao contar com denominação em lei havia conforto para tratar do assunto e uma das prioridades era garantir que essas operações estruturadas passassem a ser registradas em central de negociação autorizada pelo BC. Os registros são feitos na Cetip e passados quase cinco anos, o estoque está na casa dos R$ 16 bilhões. Quase a totalidade está com o investidor pessoa física.
Outras batalhas foram a criação de um modelo de contabilização do COE e a estrutura de tributação. Para a Receita, o COE é instrumento de renda fixa e segue a tabela de tributação decrescente de acordo com o prazo.
Sergio explicou que a previsão em lei, a regulamentação e o registro tornam o COE um produto muito confiável. E fez questão de destacar a exigência de “suitability” aos emissores do produto. Esse é um conceito internacional que vem ganhando cada vez mais força desde a crise financeira e que recomenda a adequação dos produtos e serviços ofertados ou recomendados às necessidades, interesses e objetivos dos clientes. A ideia, de acordo com Sergio, é que o investidor entenda o que comprou.
Há um código de conduta a ser seguido acertado com a Anbima e, além disso, os emissores têm de apresentar o Documento de Informações Essenciais (DIE), que explicita o objetivo, data de emissão, data de vencimento, cenários de remuneração, fluxos de pagamentos, riscos e tributação.
Por envolver certa complexidade e, claro, riscos, Sergio avalia que o COE é um produto direcionado para clientes mais especializados.
Garantia do capital investido
Além da diversificação e oportunidade de investimento em ativos que estão fora do país ou pouco acessíveis ao investidor de varejo, o sucesso do COE pode ser explicado pela modalidade chamada de capital protegido.
Se a estratégia proposta pela instituição financeira não der resultado no prazo estipulado, o investidor tem de volta o valor do principal. Há a também a possibilidade de COE com risco de capital principal, com o investidor podendo receber menos, mas esse tipo de produto parece não ter apelo comercial.
A oferta é tentadora, mas há de se considerar o custo de oportunidade. No caso do pior cenário possível tenho meu capital de volta, mas deixei de ganhar, no mínimo, a Selic acumulada no período. Algumas modalidades tentam sanar isso oferecendo, também, algum tipo de correção do principal.
Aliás, uma vez dentro do COE não é possível fazer o resgate antes do tempo estipulado. Isso acontece, segundo Sergio, pois as operações do COE estão todas “amarradas” e não teria como fazer alterações tributárias e contábeis antes do vencimento. O COE tem uma espécie de “trava” no seu registro.
Esse tipo de aporte requer programação por parte do investidor, que tem de ter a ciência de que não vai poder dispor do recurso empenhado durante o prazo de vigência do COE.
Mas e o risco?
O principal risco a ser avaliado é o do banco emissor. Se ele quebrar no meio do caminho, não há proteção do Fundo Garantidor de Créditos (FGC). Dada a sua complexidade e exigências do BC, que estipulou diversas regras a serem seguidas, como testes periódicos de estresse e sensibilidade, o produto deve ficar restrito a grandes bancos ou instituições especializadas. Entre os atuais emissores temos Bradesco, BTG Pactual, Credit Suisse, Itaú Unibanco e Safra.
Outro ponto ainda opaco, mas que pode ser melhorado, é quanto o emissor está ganhando. Como no CDB, principal instrumento de captação dos bancos, o investidor não sabe qual a taxa de retorno da instituição financeira – algo que fica claro em fundos de investimento que cobram um percentual de administração e/ou taxa de performance. No exterior já existem iniciativas que explicitam a estrutura de remuneração do emissor.
O COE, segundo Sergio, funciona em um ambiente de juro baixo, como o atual. Mesmo não sendo relevante em termos de captação (CDBs movimentam mais de R$ 750 bilhões) é uma alternativa que dá previsibilidade para o caixa dos bancos, fator primordial na atividade bancária, e oferece alternativa de rentabilidade ao investidor.
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