Brasileiros que estudam fora voltam ao país para os estágios de férias em grandes bancos
Se, para eles, o grande benefício é a possibilidade de ter uma “espécie de degustação” do mercado financeiro; para as empresas, a vantagem é entrar em contato com jovens com visão diferenciada e com uma formação mais baseada em cases
A carinha jovem, às vezes, até pode enganar, mas a fala segura e confiante jamais. Apesar de ter feito a graduação em economia na Universidade de Michigan nos Estados Unidos, os olhos de Suzana Luz, 21 anos, nunca se distanciaram do Brasil.
Quando soube que havia um programa de férias voltado para brasileiros que faziam faculdade fora, ela não pensou duas vezes. Entrou em contato com o pessoal da Brasa, - uma organização que faz a ponte entre brasileiros e empresas-, e se inscreveu.
Passou por uma rodada de entrevistas e foi uma das selecionadas para entrar no programa de férias de verão do grupo Brasil Plural, formado por várias empresas, inclusive a corretora Genial Investimentos.
Gostou tanto da primeira experiência na parte comercial que decidiu voltar neste ano, agora para trabalhar com análise de dados. Com as duas experiências, Luz chamou a atenção e recebeu da empresa uma proposta para ficar. O problema é que, ao mesmo tempo, foi aceita para começar o mestrado fora.
Mesmo com a carta de aceite nas mãos, a recém-formada não descarta a possibilidade de voltar para trabalhar como funcionária da companhia. E não é só ela. Outro que está de olho nas oportunidades que programas como esse podem abrir é João Márcio Braga, de 22 anos, que estudou economia na Universidade de Chicago e que está em seu primeiro estágio fora.
Ele me contou que os processos de seleção de grandes bancos estrangeiros costumam ser bem concorridos e que não conseguem oferecer a possibilidade de troca de conhecimento e parceria que é possível ter nos programas brasileiros. A expectativa de contratação não é à toa. Os grandes bancos estão de olho, especialmente nos talentos de brasileiros que estudam fora.
Como funciona
Apelidados carinhosamente de "summers", os estudantes selecionados são convidados a trabalhar durante as férias de verão nos países em que estudam e que ocorre entre os meses de junho e agosto.
Se, para eles, o grande benefício é a possibilidade de ter uma "espécie de degustação" do mercado financeiro; para as empresas, a vantagem é entrar em contato com jovens que apresentam uma visão analítica e de mundo diferenciadas.
O melhor: quem entra não precisa saber nada sobre mercado financeiro, corretoras ou sistema bancário. Há vagas para os mais variados perfis e o benefício é que a concorrência costuma ser menor do que nos demais processos das companhias como trainee e programas de estágio tradicionais.
O lema é aprender e de quebra, o estudante ainda recebe uma grana ao participar do programa, que pode chegar até R$ 2.800, isso sem contar os benefícios como vale-transporte e alimentação.
Para entender melhor como funcionam cada um dos programas, fui conversar com alguns dos maiores, como o do BTG Pactual e do Citi, além do grupo Brasil Plural.
De olho nos detalhes
Quem está disposto a perder as tradicionais férias de verão - que são as mais longas - para trabalhar tem como vantagem o fato de que não há um número limitado de vagas a serem preenchidas.
Mas o trabalho e o perfil buscados podem variar de uma empresa para a outra. De forma geral, as companhias não costumam divulgar as áreas das vagas, porém elas podem ir desde marketing, investment banking, business analytics (análise de dados voltada para o negócio) até research (análise de investimentos) e recursos humanos.
No Brasil Plural, por exemplo, os estudantes podem escolher a área em que desejam atuar e até mesmo mudar, se não for do seu agrado.
Já no BTG Pactual, o banco leva em consideração as preferências de cada um, mas costuma alocar nas áreas em que há maior demanda, como me contou Mateus Carneiro, sócio responsável pela seleção dos candidatos na instituição.
O Citi, por sua vez, me disse que os summers que vieram de universidades de fora são alocados em áreas específicas durante os três meses, como produtos, finanças, comercial, tesouraria, recursos humanos, research e investment banking.
O dia a dia
Ao longo das cinco ou seis horas diárias, os estudantes que decidem entrar nesses tipos de programa não têm vida mansa nem ficam apenas de ouvinte. No grupo Brasil Plural, por exemplo, os "summers" participam de reuniões, têm conversas com os CEOs e assistem duas aulas por semana voltadas para temas que podem ir desde transformação digital até criptomoedas.
Além da parte mais técnica, os jovens fazem um pequeno city tour por alguns locais importantes no mercado financeiro em São Paulo, como me conta Quitéria Machado, executiva de recursos humanos da Brasil Plural/Genial Investimentos.
"Conhecem a bolsa de valores (B3), a Bloomberg, empresa conhecida por oferecer dados para análise, e recebem um acompanhamento semanal da área de recursos humanos", destaca Machado.
E não é só lá. No Citi, por exemplo, os summers que vêm de universidades de fora também recebem um auxílio especial. Eles têm a oportunidade de ter um mentor durante o programa e assistir a uma série de treinamentos feitos por ex-trainees sobre os assuntos mais variados.
Assim como quem gosta de acompanhar aulas pela internet pode contar ainda com uma plataforma on-line de treinamentos do Citi, que é disponibilizada para que os jovens treinem as suas dificuldades.
Outra opção interessante que o banco oferece é a possibilidade de conversar com o pessoal de recursos humanos de outros países, caso o summer tenha vontade de ter uma experiência de trabalho fora.
Uni, duni, tê
Mas talvez a grande vantagem desses tipos de processos seja a questão da facilidade de entrada, especialmente porque os programas não exigem experiência prévia.
Para quem, como eu, já participou de várias processos grandes de estágio e até mesmo de trainees, as opções de férias oferecem o que a gente poderia chamar de uma "degustação" rápida de como funciona o mercado na prática.
Na hora de escolher os candidatos, as três companhias me contaram que dão maior ênfase à parte comportamental. Quitéria Machado do grupo Brasil Plural/Genial Investimentos, disse que analisa sempre se o perfil do estudante está alinhado com a cultura da empresa.
"Vemos se o jovem tem aquele brilho no olhar, se tem iniciativa, autonomia e se é inquieto. E olhamos se ele tem, principalmente capacidade de liderança. Analisamos muito mais as chamadas soft skills do que as competências técnicas, como Excel, por exemplo", destaca Machado.
Porém, há um critério que pode ser classificatório, em alguns casos. Segundo o co-presidente da Genial Investimentos, Claudio Pracownik, o grupo costuma buscar os jovens nas universidades mais bem ranqueadas no mundo.
"Estamos de olho nas melhores, especialmente naquelas da Ivy League, porque são de excelência. Mas o nosso foco ao chamar brasileiros que estudam lá fora é porque eles costumam se colocar em posições de liderança e têm uma educação mais baseada em cases, o que é bastante diferente do que vemos por aqui", destaca Pracownik.
Os processos
E para selecionar esses talentos, os processos podem variar de um banco para outro. No caso do Brasil Plural, o processo de seleção consiste em análise de currículo e uma bateria de entrevistas com os gestores em feiras organizadas em universidades estrangeiras.
Um dos diferenciais é que não há nenhum tipo de teste prévio. Neste ano, foram 150 aplicações para selecionar 11 estudantes para vir para cá.
Já no BTG, os avaliadores fazem uma triagem dos currículos, testes on-line, dinâmica de grupo e entrevistas com os sócios do banco. Geralmente, eles costumam selecionar entre 25 e 30 estudantes. A instituição costuma buscar os candidatos nas maiores feiras de estágio que ocorrem lá fora.
Outro que possui um processo parecido é o Citi. Antes de entrar, o candidato precisa passar em um teste de raciocínio lógico, além de dinâmicas em grupo e entrevista com os gestores que ocorre de forma on-line.
Para facilitar na hora do recrutamento, os recrutadores do Citi possuem uma parceria com a empresa de consultoria, que oferece uma espécie de feira on-line com vários programas do estágio.
Na opinião de Patricia Fris, responsável pela seleção de pessoas no Citi, a melhor dica para está afim de tentar processos como esse é pesquisar bastante sobre a empresa e se preparar para os testes on-line.
"O estudante precisa entender como a empresa se posiciona, entender como os programas estão conectados com o perfil dele e de que forma ele poderá aproveitar a experiência para retirar o máximo dela. É fundamental que o jovem compreenda qual é a sua marca pessoal e se prepare", afirma Fris.
Vendo na prática
Mas talvez a parte mais interessante do estágio de férias não esteja no trabalho do dia a dia. Lembro que quando eu estava na faculdade, a pior parte era o fato de que os projetos usavam casos não muito reais ou que eram pouco aplicáveis no ambiente de trabalho real.
Pois bem, nos programas de estágios de férias, os estudantes são convidados a apresentar uma solução real para a empresa e, às vezes, o projeto pode virar realidade.
Quitéria Machado, me conta que teve um ano em que os estudantes propuseram ideias muito interessantes para a "Genial Jovem", que como o próprio nome diz faz referência à uma parte da corretora focada no público mais novo.
Dentre as iniciativas apresentadas pelos summers estavam a presença maior em clubes de estudantes e projetos para melhorar a gestão de relacionamento com o cliente mais jovem, com algumas estratégias que são usadas até hoje pelo atendimento.
Outra que conta um caso parecido é Patricia Fris, responsável pelo recrutamento do Citi. "Certa vez um summer descobriu uma melhoria para reduzir o tempo da função que ele veio exercer. O pessoal da equipe adorou a ideia e ela foi colocada em prática".
Abrindo portas
E a estratégia de investir em um programa de estágio de férias vem rendendo bons frutos, tanto para a empresa como para os estudantes. Entre os summers que passaram pelo grupo Brasil Plural, a empresa fez duas propostas de contratação.
Além de Suzana Luz, o outro nome escolhido foi o de Pedro Alves, 23 anos, que se formou em administração com foco em finanças, empreendedorismo e economia na Universidade do Sul da Califórnia em Los Angeles.
Ao chegar em terras brasileiras, o estudante optou por se aventurar pela área de investment banking, que funciona como um serviço voltado para clientes institucionais ou de alto nível de bancos. Após trabalhar cerca de seis horas por dia, o jovem gostou do que viu.
E não foi só ele. Depois de terminar a faculdade nos Estados Unidos, ele foi chamado de volta um ano depois. Só que, desta vez, para ingressar como analista júnior do banco Brasil Plural. Agora atuando como efetivado, Alves diz que começou sem saber muito sobre investimentos, mas que aprendeu muito com a troca de experiências.
Sempre questionador, o jovem me disse que buscava entender todos os processos que aconteciam na empresa. Entre os dias mais engraçados de sua experiência está a vez em que o seu gestor teve que desenhar etapa por etapa do que iria acontecer com uma companhia para que ele entendesse todo o problema.
No radar
Mas não são apenas os brasileiros que estudam fora que estão no radar dos avaliadores. Os três bancos também possuem programas de férias para os brasileiros voltados para quem está fazendo faculdade por aqui.
Os processos funcionam mais ou menos da mesma forma. A diferença maior está no período de estágio. Como o nosso verão ocorre entre janeiro e fevereiro, os programas costumam ser durante esses meses.
Assim como nos processos de estágio internacional, não há restrições de curso. E nem mesmo o inglês é sempre obrigatório. Apenas o Citi é mais rigoroso e possui a língua estrangeira como pré-requisito para a seleção do estudante.
Bom pra você e pra mim
E cada vez mais os estágios se mostram como boas estratégias para criar uma relação mais próxima com aqueles que podem ser os próximos talentos da sua empresa e que possuem um diferencial único, que é a experiência de ter estudado fora.
Um exemplo disso é o que conta Claudio Pracownik, da Genial Investimentos, que mantém um grupo de whatsapp com os summers que já passaram por lá.
Afinal, é um ganha-ganha que parece estar valendo muito a pena tanto para a empresa quanto para quem decide "ter um gostinho" de como funciona o mercado financeiro.