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Eduardo Campos
Eduardo Campos
Jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo e Master In Business Economics (Ceabe) pela FGV. Cobre mercado financeiro desde 2003, com passagens pelo InvestNews/Gazeta Mercantil e Valor Econômico cobrindo mercados de juros, câmbio e bolsa de valores. Há 6 anos em Brasília, cobre Banco Central e Ministério da Fazenda.
Investimentos

Retorno de 10% ao ano é bom ou ruim? Depende da inflação

Conceito de juro real é importante para avaliar retorno de investimento e custo de empréstimos

Eduardo Campos
Eduardo Campos
20 de outubro de 2018
6:15 - atualizado às 10:14
Imagem: Shutterstock

Retomando a pergunta do título e viajando até a Argentina, você aceitaria fazer um investimento por lá com retorno de 10% ao ano? Nesse mesmo país, você tomaria um financiamento com juro de 30% ao ano?

Se você respondeu “aceito” para o investimento e um “nem pensar” para o financiamento, você se deu muito mal. O motivo é um só: a inflação portenha, que beira os 40% ao ano.

Tendo que o juro remunera o capital e a inflação consome o valor do dinheiro ao longo do tempo é sempre importante levar em consideração essas duas variáveis em conjunto ao fazer uma aplicação ou tomar um empréstimo no banco.

Esse é o conceito de juro real. Taxa nominal descontada da inflação. Para dar uma ideia, esse investimento a 10% na Argentina iria resultar em uma brutal perda de capital, pois considerando a inflação de cerca de 40%, o juro real é negativo em 21% ao ano. Já no caso do empréstimo, a proposta é interessante, pois o juro de 30% é menor que a inflação. Assim, o juro real que você está "pagando" é negativo em 7%. É como se o banco estive te pagando para você se endividar. Nosso BNDES fez empréstimos nessas condições pouco tempo atrás.

A conta não é simplesmente o juro nominal menos a inflação. Esse cálculo é um pouco mais complexo. Então, pegue o juro nominal divida por 100 e some 1, pegue a inflação e faça o mesmo procedimento. Divida um pelo outro, subtraia 1 e multiplique por 100. Você pode montar uma fórmula no “Excel” ou buscar calculadoras de juro real na internet. Vou deixar aqui um exemplo de fórmula de “Excel” ((juro nominal/100+1)/(inflação/100+1))*100-100

De volta ao Brasil

Deixando de lado esses exemplos extremos, que creio ajudam a entender o conceito, vamos olhar o juro real por aqui. No Tesouro Direto temos um título prefixado como vencimento em 2025 pagando esses 10% ao ano (9,99% para ser exato). Como não sabemos qual será a inflação em 2025, e esse é o risco do investimento, vamos trabalhar com a inflação projetada pelo mercado para os próximos 12 meses. Esse dado é atualizado pelo Banco Central (BC) no boletim Focus. Na sua última edição a mediana suavizada da projeção está na linha dos 4%.

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Com isso, temos um juro real de 5,74% ao ano. Esse é o conceito de juro real “ex-ante” que creio ser o mais útil para avaliar o que está por vir. Se utilizarmos a inflação passada, de 4,5% em 12 meses até setembro, o juro real cai para 5,26% ao ano. Esse é o juro real “ex-post”.

Fazer esse tipo de conta pode ser interessante para ajudar a decidir entre o prefixado e um título atrelado à inflação, como a Nota do Tesouro Nacional Série B (NTN-B). Por exemplo, de volta ao Tesouro Direto, temos uma NTN-B de prazo semelhante, 2024, pagando um juro real de 4,84%. Além desses 4,84% a NTN-B vai te pagar a inflação que ocorrer, por isso falamos que é um investimento que protege da inflação. Você garantiu rendimento de 4,84% ao ano até o vencimento. No caso do prefixado, quanto mais a inflação subir, pior será seu ganho real. Mas se a inflação cair você ganha mais.

O mesmo raciocínio vale para um empréstimo. Ou para decidir entre quitar o financiamento imobiliário ou investir o dinheiro e seguir pagando as parcelas.

Juro real e política monetária

Sempre damos grande atenção às decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a taxa Selic, o juro básico da economia. Mas o que conta mesmo é o juro real da economia brasileira. É esse balanço entre Selic e inflação que dita a decisão entre poupar e investir (ou consumir).

Podemos fazer diversos exercícios considerando a Selic atual e projetada menos a inflação passada ou futura para termos uma ideia da trajetória do juro real. Mas como a ideia aqui é falar de política monetária o que importa é olhar para frente, por isso o cálculo leva em conta outras variáveis.

Uma forma bastante aceita é o juro real “ex-ante” que leva em conta a taxa de juro esperada pelo mercado para os próximos 12 meses descontada da inflação também projetada 12 meses à frente.

O juro de mercado é dado pelo swap de 360 dias e a inflação é a mesma que já usamos, do boletim Focus. O mercado espera um juro de 7,3% para os próximos 12 meses e uma inflação de 4,03%. Disso resulta um juro real na casa de 3,1% ao ano.

Aqui que as tão faladas expectativas de mercado mostram sua importância. Recentemente tivemos uma piora no humor de mercado em função das eleições. No começo de setembro o swap de 360 dias se aproximou os 8,5%, taxa não vista desde meados de 2017. Como as projeções de inflação não andaram na mesma velocidade, o juro real bateu os 4,4%, também maior taxa desde meados de 2017.

Naquele momento, tivemos um aperto das condições monetárias mesmo com a Selic estacionada em 6,5% ao ano. Agora, estamos passando por uma volta à normalidade, com o juro real retornando à linha dos 3%.

Quando menor o juro real, mais estimulativa está a política monetária, ou seja, maior a contribuição da Selic para a retomada da atividade. Quanto maior o juro real, maior o incentivo à poupança.

É esse tipo de regulagem que o Banco Central faz. Para dar uma ideia, quando o BC começou a cortar a Selic em outubro de 2016, o juro real estava ao redor de 7,5% ao ano. No começo de 2016, quando o ambiente era cercado de incertezas políticas e econômicas, o juro de mercado se aproximou dos 16% e a inflação projetada rodava na linha dos 7%, resultado em juro real 8,3%.

Por isso, o BC fala tanto na ancoragem de expectativas e projeções. Se a inflação esperada se descola das metas, o BC tem que subir a taxa nominal para recompor o juro real.

Ponto de virada

Nos últimos dois anos, a queda da inflação e das expectativas permitiram que o BC reduzisse a taxa nominal dando estímulo à economia. Agora estamos nos aproximando de um ponto de mudança. A inflação deve começar a subir, seja por causa de uma esperada retomada da atividade ou pelo comportamento do dólar. Assim, o BC já avisou que pode começar a retirar estímulo monetário para manter a inflação e, principalmente, as expectativas ancoradas ao redor das metas de 4,25% para 2019, 4% para 2020 e 3,75% para 2021.

Nesse período eleitoral vimos uma disparada do câmbio a R$ 4,20, que levou o BC a endurecer seu discurso, e agora vemos o dólar voltar para a linha de R$ 3,70, o que leva o mercado a projetar estabilidade da Selic por mais algum tempo.

A taxa de juro neutra

Outro ponto bastante enfatizado pelo Banco Central é a importância de ajustes e reformas na economia “para a manutenção da inflação baixa no médio e longo prazos, para a queda da taxa de juros estrutural e para a recuperação sustentável da economia”.

Vamos centrar atenção na “taxa de juro estrutural”. Há uma taxa mágica na teoria econômica que permite o máximo crescimento com a inflação nas metas. É a taxa estrutural, neutra, de equilíbrio ou “r-star”. É uma variável não observável, que varia com o tempo e que depende de uma série de fatores como demografia, produtividade da economia, resultado fiscal entre outros.

Política monetária estimulativa é quando a taxa de juro real está abaixo dessa taxa ótima. Quando o BC diz que vai retirar estímulo é que o juro real vai subir, podendo ficar próximo dessa taxa (política menos estimulativa) ou acima dela (política restritiva).

O BC tem sua medida para a taxa estrutural, mas não conta a ninguém. A última vez que o BC consultou o mercado sobre o assunto foi em abril de 2017, a mediana da pesquisa foi de 4,5% para a taxa neutra de dois anos e 4% para cinco anos.

O ajuste política monetária pode acontecer tanto por um aumento da taxa nominal, a Selic, como pelo ajuste nas estimativas dessa taxa estrutural, ou ainda por uma combinação dos dois.

O que o BC quer dizer ao enfatizar a importância das reformas, notadamente as fiscais, é que a taxa estrutural pode ficar mais baixa, resultando em menor necessidade de se elevar a Selic para manter a inflação na meta.

Toda a briga em torno das reformas e ajustes é para reduzir o nível de juro estrutural da economia, dando previsibilidade para a tomada de decisões dos diferentes agentes econômicos.

Para dar uma ideia em que ponto dessa batalha nos estamos, o juro real nos anos 1990 rondava os 20% e desde então vem caindo. Mas foi só a partir do fim de 2006 que rompemos consistentemente a linha dos 10%. A mínima recente foi vista em junho de 2012, na casa de 1,39%, mas a experiência monetária da época não se mostrou sustentável, resultando em uma disparada da inflação nos anos posteriores, que obrigou o BC a fazer uma firme alta da Selic.

O Federal Reserve (Fed), banco central americano, também está em uma discussão aberta sobre deixar sua política monetária restritiva ou não. Vimos isso na ata da última reunião divulgada na quarta-feira. A questão é que um aperto monetário do Fed deixa as condições financeiras globais mais restritivas e é isso que tem gerado boa parte da instabilidade nas bolsas mundiais.

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