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Ana Paula Ragazzi
MAIS GOVERNANÇA

Por que a Riachuelo decidiu assumir um relacionamento sério com o mercado?

Empresa propôs conversão de ações preferenciais por ordinária para viabilizar migração para o novo mercado. Tema será votado em assembleia no próximo dia 20

Ana Paula Ragazzi
11 de dezembro de 2018
5:15 - atualizado às 16:50
Fachada de loja da Riachuelo no shopping Frei Caneca, em São Paulo - Imagem: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo

Demorou, mas chegou o dia em que a Guararapes, nome do grupo que concentra as lojas Riachuelo, a financeira  Midway e fábricas em Natal e em Fortaleza, parece estar disposta a assumir um relacionamento sério com o mercado.

A empresa convidou seus acionistas para no próximo dia 20 de dezembro aprovar a conversão de suas ações preferenciais em ordinárias, à razão de 1 para 1. Falou que deseja melhorar a liquidez dos papéis e proporcionar maior alinhamento entre todos os acionistas.

Essa já era uma demanda antiga dos investidores. Mas por que será que a empresa cedeu exatamente agora? Bom, uma medida dessas antes de indicar qualquer sinalização de melhora de governança, mostra que os donos estão é querendo que suas ações sejam melhor precificadas na bolsa. Hoje, manter ações preferenciais sem um motivo, significa negociar com desconto em relação aos concorrentes. No caso da Guararapes/Riachuelo, a grande rival é a Renner, nada mais, nada menos que a queridinha do mercado.

E por que querem valer mais na bolsa? Provavelmente, segundo meia dúzia de analistas e gestores que têm ou tiveram posições na empresa, porque planejam uma oferta pública de ações para colocar um pouco de dinheiro no bolso. Ou entrar num processo de fusão e aquisição.

A Guararapes é uma empresa familiar, daquelas que ninguém sabia muito bem porque mantinha ações na bolsa. Tem capital aberto desde 1958 - entrou no boom de companhias que receberam incentivos para isso. A estrutura societária antiquada faz com que mais de 83% do capital total esteja nas mãos da família Rocha, fundadora do negócio. Flavio Rocha ganhou os holofotes este ano ao deixar o comando da empresa para entrar na disputa pela presidência da República, mas sua candidatura não emplacou.

Hora de ficar quietinha

Num quadro assim, o dia a dia tem sido de pouquíssimo contato com acionistas e analistas - a empresa sequer respondeu a dois pedidos de entrevista para este artigo. Historicamente, resume um analista, a Guararapes sempre foi muito pouco preocupada em lidar com o mercado.

Mesmo assim, sempre foi bem acompanhada pelos investidores porque o segmento de varejo de vestuário esquentou na bolsa com o forte e praticamente estável desempenho da Renner - e em alguns momentos, boas performances de Marisa, Hering e até Restoque.

Durante um bom tempo, a Guararapes apresentava resultados instáveis, porque não conseguia se proteger adequadamente do principal risco desse negócio: os erros de coleção. Criar ou escolher roupas que caiam no gosto dos clientes – principalmente das consumidoras – é crucial para essas empresas.

Mas nos últimos três anos, assim como a Renner, a Guararapes, conseguiu viabilizar o que o jargão deste segmento chama de “push and pull”. Basicamente isso significa administrar melhor as coleções para que sejam menos impactadas por eventuais erros. Em vez de mandar as peças para todas as suas mais de 300 lojas, praticamente nas mesmas quantidades e esperar para ver o que acontece, agora o grupo consegue identificar o item que está vendendo bem ou que está encalhando em determinada loja. Então ele manda mais do produto que está com boa saída e interrompe a produção do outro.

A reposição de peças nas lojas tornou-se mais eficiente, o que evita que a empresa tenha de fazer grandes liquidações para se livrar do que não vendeu bem.

A Guararapes resolveu a questão com investimentos em tecnologia e a inauguração de um novo centro de distribuição de Guarulhos, totalmente automatizado. Em 2017, o resultado desse negócio mais afinado, inclusive agora com a presença de estilistas acompanhando a produção nas fábricas, já apareceu.

No primeiro semestre deste ano, as margens ficaram um pouco prejudicadas devido à pressão de despesas administrativas e ao aumento de orçamento para tocar a operação de perfumaria e celular, itens agora introduzidos nas lojas. Para o 2º semestre, as expectativas são melhores, seja pela retomada da economia como pela maior diluição das despesas mencionadas.

Esse negócio mais estável, acredita um gestor que prefere não se identificar, deixou claro para a família que chegou a hora de mergulhar no mercado. O fundador, Nevaldo Rocha, que sempre foi o mais reticente à ideia, está com idade avançada e já há alguns anos vem doando suas ações para os filhos.

Seu Nevaldo mantém hoje menos que 5% das ações e não está mais no dia a dia da empresa, tocada pelos filhos Flavio, Elvio e Lisiane - cada um têm cerca de 27,5% do capital total. Pode ser que eles estejam querendo transformar pelo menos uma parte disso em dinheiro e certamente conseguirão um preço melhor nos papéis se os venderem numa oferta que coloque a empresa no Novo Mercado, principal segmento de governança da bolsa.

O que precisa ser feito

Hoje, a quantidade de ações em circulação no mercado em ações preferenciais é de cerca de R$ 500 milhões; em ordinárias, de R$ 1,2 bilhão, de acordo com cálculos de investidores. Para se enquadrar no Novo Mercado, a empresa terá de fazer uma oferta de uns 8% do capital que daria mais de R$ 700 milhões.

Pedro Sauer, sócio da Studio Investimentos, diz que a conversão em si vai aumentar a liquidez da ação, “o que é bom”, por si só. Sauer concorda com a tese de que os controladores querem uma empresa mais bem avaliada no mercado. E acha possível tanto a listagem no principal nível de governança da bolsa, quanto uma negociação da empresa.

Carlos Eduardo Gomes, sócio e analista da Pacífico Gestão de Recursos, também acha que essas coisas poderão acontecer, só que não por agora. “Não acho que a conversão em si seja um sinal de que a empresa fará algum movimento iminente. Mas pode sinalizar que ela está sim se preparando para uma nova etapa”, afirma. Até mesmo porque, ele destaca, há a expectativa para a retomada da economia brasileira ano que vem com uma maior intensidade.

Por essa razão, diz Gomes, a Guararapes pode querer estar bem preparada e ter uma porta aberta no mercado. “Manter uma classe única classe de ações é um passo importante de alinhamento de governança para isso”, destaca.

Outro gestor que prefere não ser identificado acredita que a conversão sem a adesão imediata ao Novo Mercado sinaliza que uma ação mais vistosa deverá render mesmo é uma boa operação societária. E o palpite dele é que poderia envolver a Renner. “A Renner tem o capital pulverizado. Numa eventual associação, a família Rocha hoje com 85% da Guararapes, poderia manter-se no controle da nova empresa, que teria uma operação de muito maior”, disse. Alimenta ainda mais essa tese dele _ para ele _ o fato de José Galló já ter anunciado que deixa o comanda da Renner ano que vem. Galló é um dos executivos mais prestigiados do país.

Sauer, da Studio, também avalia que essa pode ser uma possibilidade.

As duas empresas são complementares em diversos aspectos. A Renner tem maior presença no Sul e a Guararapes, no Norte e Nordeste. Enquanto a primeira se dirige mais às classes A- e B+, a segunda tem mira nas B- e C.

Gomes, da Pacífico, vai com mais calma e acredita que essa complementariedade regional e social pode enfrentar uma dificuldade que é a diferença de culturas entre as empresas, uma familiar e a outra, uma "corporation", sem controlador definido.

“Mais do que isso, ambas têm hoje oportunidades muito interessantes de expansão dentro de casa antes de pensar em M&A (fusões e aquisições)”, diz o sócio da Pacífico. Para ele, a mesma análise se repete se pensarmos em combinar Riachuelo com Marisa ou Hering.

Uma financeira dentro de casa

A verdade é que a conversão de ações vai abrir para a empresa muitas oportunidades que hoje não parecem estar à mesa. E aparentemente é atrás disso que os filhos controladores estão. Além da modernização societária, o Grupo está transformando a financeira Midway em banco. Não há segredo para esse movimento.

Diferentemente de outras varejistas, a Guararapes sempre manteve a operação de financiamento de clientes dentro do grupo, sem fechar joint ventures com bancos. Agora que ser um banco está ficando cada vez mais barato, por conta de todo o progresso tecnológico criado pelas fintechs, estranho seria se ela não buscasse esse movimento, dizem os especialistas. O grupo tem uma carteira de mais de 8 milhões de clientes cadastrados para financiar e fidelizar. Outro baita negócio.

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