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Eduardo Campos
Eduardo Campos
Jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo e Master In Business Economics (Ceabe) pela FGV. Cobre mercado financeiro desde 2003, com passagens pelo InvestNews/Gazeta Mercantil e Valor Econômico cobrindo mercados de juros, câmbio e bolsa de valores. Há 6 anos em Brasília, cobre Banco Central e Ministério da Fazenda.
Eleições 2018

Parece que acabou, mas está só começando

Eleição acaba hoje, mas política vai continuar no foco dos mercados já que eleito tem de dizer e mostrar a que veio

Eduardo Campos
Eduardo Campos
28 de outubro de 2018
6:02 - atualizado às 10:12
Se urna não relegar surpresa, Jair Bolsonaro sagrar-se-á presidente com expressiva votação - Imagem: Shutterstock

Eu não aguento mais! Quem diz isso não sou apenas eu, mas colegas de profissão, amigos de mercado e familiares sobre o segundo turno da eleição presidencial que se encerra hoje. Mas depois do desabafo coletivo sempre pondero: Calma que está só começando.

Escrevo considerando que a urna não relegará surpresa e Jair Bolsonaro sagrar-se-á presidente com expressiva votação. Fica a questão se a tal “onda vermelha” que ouvimos falar nos últimos dias se confirma ou foi apenas uma “marolinha”.

Sob a ótica do mercado, o que se espera é uma rápida apresentação de nomes e planos de ação para colocar em prática um almejada agenda de viés liberal, pautada por uma revisão do tamanho do Estado via privatizações, modernização da economia com simplificação burocrática e tributária e maior justiça social, com menos assistencialismo.

Podemos considerar que boa parte das expectativas já estaria no preço da bolsa, dólar e juros e que apenas surpresas poderiam alavancar novas ondas de otimismo. Por outro lado, se uma percepção de "mudança" se firmar ainda teria como fazer parte do "rali Bolsonaro". Se as falas e ações inaugurais forem mais do mesmo, poderemos assistir ao clássico “compra no boato e vende no fato”.

No último pregão antes da eleição, o que se viu foi um forte otimismo, com dólar a R$ 3,65, preço não visto desde maio e quase 10% mais barato que no começo do mês, e Ibovespa em alta, especialmente o índice futuro, acima dos 86 mil pontos.

Como muita gente "dormiu" comprada em bolsa e opções e vendida em dólar, um dia positivo na segunda está praticamente garantido. Por outra lado, uma surpresa ou "cisne negro" com Fernando Haddad presidente seria um clássico dia de "corrida da gente pelada" ou um pregão daqueles que faz acabar o estoque de uma famosa pomada contra assaduras.

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Decepções ao longo do caminho também não podem ser descartadas, já que nas últimas semanas foram usuais as tais “caneladas” de Bolsonaro e de uma equipe que se apresenta para um governo liberal, mas que ainda precisa de uma catequese intensiva com o professor Paulo Guedes. Ainda assim, o mercado parece aceitar o estilo. O colunista do Seu Dinheiro Ivan Sant’Anna escreveu magistralmente sobre isso.

A palavra de ordem é e será uma só: reformas. E como vimos ao longo da semana o desafio fiscal do eleito e sua equipe é divisor de águas entre o eterno Brasil do futuro e a chance de se concretizar a malfadada propaganda do MDB, de voltar 20 anos em dois, pois há uma hiperinflação hibernando ou em estado de latência sob o manto dos problemas fiscais.

A reconciliação social

No lado da sociedade, a acomodação pode ser um pouco mais complexa, já que dois sentimentos primitivos, o ódio e o medo, foram instigados de maneira ímpar, eclipsando o funcionamento do córtex pré-frontal.

A ideologia impera e ela satisfaz por justificar e absolver qualquer postura e nada melhor do que “se sentir do lado certo”, seja ele qual for. Essa sensação de conforto e missão cumprida é inebriante, porém perigosa em caso de contestação. São os dois fenômenos psicológicos que valem para a vida e para os mercados. O viés de confirmação – só enxergo o que reforça minha tese - e a dissonância cognitiva – tudo que contraria minha tese, reforça minha fé.

O ódio ao PT e ao que se chama de esquerda foi fermentando ao longo dos últimos anos após um grave estelionato eleitoral de Dilma Rousseff, que tombou junto com o tal “presidencialismo de coalizão”, que no fim se mostrou apenas a cooptação do Legislativo pelo Executivo por meio da corrupção direta, via compra de apoio, e indireta, deixando os partidos negociarem temas de interesse dos empresários amigos e corporações fieis. Tudo às expensas do Tesouro Nacional, essa forma impessoal de chamar o contribuinte.

Do outro lado, a revanche Lulista contra-atacou, tentando incutir “medo” de uma ameaça de “fascismo” e “nazismo” e, depois, com a possível manipulação da vontade popular pelo “WhatsApp”. Além de pouco inteligente, pois se taxa de “nazista” e depois de “burro manipulável” o eleitor que se quer conquistar, a desforra não foi suficiente para uma reconciliação depois do divórcio promovido pelo partido, justamente com a base eleitoral que foi cativada e tinha garantido nada menos que 16 anos de poder.

O partido deu as costas para grande parte de seu eleitorado, esquecendo que segurança, saúde e desemprego, são prioridades muito superiores a pautas de “minorias”, “identitárias”, projetos de união das esquerdas, governos amigos, experiências ideológicas e ensaios econômicos heterodoxos. O rapper Mano Brown resumiu bem a questão: “Se não está conseguindo falar a língua do povo, vai perder mesmo.”

A estratégia também transparece um certo desprezo pelas instituições, como se o eleito fosse um monarca absolutista. O Legislativo, o Judiciário, a imprensa e, principalmente, o povo seguirão modulando pesos e contrapesos. O povo “está na rua” desde junho de 2013 e não vai mais sair. Há uma consciência dessa força e se o eleito decepcionar certamente vai conhecer a “truculência da maioria”.

Novo Congresso, novas práticas?

A divisão do que seria a esquerda e um descrédito no “centro” e na social-democracia devem se refletir no funcionamento do Congresso, que sai mais fragmentado da eleição. A construção de consensos, ou da política como a arte do possível, será desafiada.

Bolsonaro chega sem “fatura em aberto” com os tradicionais partidos e quer fazer a negociação com as bancadas temáticas – pejorativamente chamadas de boi, bíblia e bala - e não com as tradicionais lideranças partidárias. Algo que pode se mostrar mais custoso em termos fiscais e/ou reforçar a troca de apoio por temas de interesses.

Como o fim da cooptação do Legislativo pelo Executivo, o que parece certo é que teremos uma curva de aprendizado, não só pelo número de novos entrantes, mas também pela saída de caciques históricos que dominavam não só o funcionamento político, como os regimentos das duas Casas. Parece besteira, mas o domínio dos regimentos opera milagres. Aliás, cabe aqui um parêntese, Renan Calheiros já articula sua eleição para presidente do Senado e está até formando a equipe para voltar ao gabinete.

Quem será a oposição?

É de se imaginar que o PT, que ainda tem a maior bancada, lidere a oposição, mas depois de todas as concessões e até reconhecimento de “erros” feitos por Fernando Haddad ao longo da campanha, não seria exagero dizer que o partido está mais parecido com o PSDB do que nunca. Toda essa movimentação pode ser vista mais como uma tentativa de salvar o partido do que ganhar a eleição.

Essa impressão de uma tentativa de afastamento do PT da “esquerda tradicional” foi reforçada pelo episódio envolvendo Cid Gomes, irmão do presidenciável Ciro Gomes, no vídeo que viralizou com o “#O Lula tá preso, babaca”.

O que virou motivo de chacota nacional transpareceu mais como um briga sobre quem vai liderar essa oposição. E os irmãos Gomes estão deixando claro que ser oposição será diferente de “ser de esquerda”, “ser petista” ou “ser lulista”.

O PSDB foi derrubado de seu eterno muro, não percebeu que o centro morreu. O partido perdeu a chance de canalizar esse “ódio ao PT” quando teve Aécio Neves envolvido em suspeitas de corrupção. Poderia ter feito ali uma “risca na areia”, afastando suspeitos e dando um apoio ainda mais seletivo ao governo Michel Temer. Talvez tivesse chance maior na eleição, mas o partido não soube medir o pulso da sociedade como fez Jair Bolsonaro. Ou nem isso tentou fazer, perdido nas brigas internas, tão ou mais distante do "povo" quanto o PT.

Por fim

Que não tenhamos nada parecido com a experiência Fernando Collor, que como nos mostrou Roberto Campos em seu livro de memórias “A Lanterna na Popa” – queria deixar e deixou a esquerda perplexa, a direita enraivecida e os liberais angustiados.

Depois de um discurso inaugural voltado ao redimensionamento do Estado, privatizações, abertura comercial e combate à corrupção, emendou um novo choque heterodoxo com congelamento de preços e confisco de recursos.

Não que haja espaço para esse tipo de medida atualmente, mas a tentativa de rezar uma missa liberal com sacerdotes estatais-desenvolvimentistas tem potencial para desagradar a todos dentro e fora da igreja.

Aliás, o nome de Paulo Guedes já andava pelos palácios de Brasília naquele longínquo 1989, sendo preterido por ter participado da campanha de Guilherme Afif Domingos. Campos tinha Guedes e Paulo Rabello de Castro como possíveis nomes para o BC de Collor, que, vejam só, também pensou em criar um Partido Social Liberal para chamar de seu na época.

Sobre outro tema caro nessa eleição, a corrupção, Campos lembra que Afif tinha o melhor diagnostico, que não por acaso, é algo bem próximo ao que advogou Paulo Guedes em suas palestras recentes.

“A corrupção é sobretudo o excesso de governo e a concentração de poder no triângulo de ferro – a tecnocracia, as empresas cartoriais e os políticos clientelescos. A corrupção é o salário suplementar do funcionário que tem poder demais e acha que tem salário de menos. Desregulamentação e privatizações são por isso a melhor receita de moralidade. Que o digam os regimes comunistas, onde a concentração de poder burocrático institucionalizou a corrupção”, escreveu Campos, sobre a definição dada por Afif.

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