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Eduardo Campos
Eduardo Campos
Jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo e Master In Business Economics (Ceabe) pela FGV. Cobre mercado financeiro desde 2003, com passagens pelo InvestNews/Gazeta Mercantil e Valor Econômico cobrindo mercados de juros, câmbio e bolsa de valores. Há 6 anos em Brasília, cobre Banco Central e Ministério da Fazenda.
Quando o dinheiro morre

O novo paradigma de Ray Dalio e um apelo para a compra de ouro

Gestor da Bridgewater compartilha sua avaliação sobre como a atuação dos BCs, juros negativos e endividamento crescente vão mudar a cara do mercado

Eduardo Campos
Eduardo Campos
18 de julho de 2019
5:41 - atualizado às 10:58
Ray Dalio, gestor da Bridgewater
O megainvestidor Ray Dalio, diretor de investimentos da gestora Bridgewater. - Imagem: Bridgewater Associates / Reprodução

Quando um cara responsável por uns US$ 160 bilhões e cinco décadas de experiência no mercado fala alguma coisa é no mínimo de bom tom parar para ouvir (ou ler no caso). O que esse cara está dizendo é para ter cuidado com ações, imóveis e títulos e olhar com mais carinho para o investimento, ou reserva de valor, mais tradicional que se tem notícia: o ouro.

O cara em questão é Ray Dalio, da Bridgewater Associates, e o que ele está falando é que estamos para assistir a uma mudança de paradigma nos mercados. Algo como a crise financeira de 2008/2009, ou se quiser voltar mais um pouco no tempo, a crise de 1929.

Ray Dalio é um grande especialista em crises de dívida e já estudou a ocorrência desses fenômenos ao longo dos séculos. Se você ainda não leu, coloque na sua lista a obra “Big Debt Crises”, que você pode achar na Amazon ou baixar um PDF de graça no site da Bridgewater. A parte sobre crises inflacionárias tem um gostinho de Brasil incrível!

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Tentando resumir a tese que Dalio apresentou no artigo “Paradigm Shifts”: estamos prestes a ter uma “morte por afogamento” em dinheiro. Cortes de juros pelo Federal Reserve (Fed), banco central americano, Banco Central Europeu (BCE) e outros, além dos “quantitative easings”, que são os BCs ligando a impressora de dinheiro na velocidade máxima para monetizar dívida, estão jogando e vão jogar o valor do dinheiro que conhecemos para zero.

A ideia é simples se tivermos em mente que a dívida de um é o ativo de outro. O que está para acontecer é que para salvar os devedores, os BCs terão de sacrificar os credores. Isso funcionou bem depois da crise de 2008/2009, mas o modelo se esgotou, gerando efeitos colaterais que nos trouxeram até aqui com implicações na briga entre “capitalistas” e “socialistas” e mesmo entre nações via desvalorizações cambiais explícitas ou não.

Se paramos para pensar que há mais de US$ 13 trilhões em títulos pagando juro zero ou negativo, essa perda de valor já está acontecendo. Isso quer dizer, segundo Dalio, que essa montanha de dinheiro não está produzindo retorno algum (a não ser que tenham sido captados a taxas ainda mais negativas). Pode ser uma boa forma de “proteger” o principal, mas essa tese também não se sustenta.

A mudança que está por vir

Antes de apresentar os pontos de Dalio, vai uma breve explicação sobre o que ele tem por paradigma. Em períodos relativamente longos de tempo, coisa de 10 anos, os mercados operam de uma forma que todos se adaptam e acabam acreditando que esse formato vai durar para sempre. Só que nada dura para sempre e essa forma de funcionamento acaba sendo extrapolada, levando a um novo paradigma, quase sempre oposto ao até então vigente.

É algo parecido como o famoso “desta vez é diferente”, que foi tratado por outra lenda do mercado, Howard Marks, em seu mais recente “memo” de investimentos.

Dalio faz menção a um adágio de mercado para dizer que não sabe o momento exato dessa mudança de paradigma: “Aquele que vive pela bola de cristal está fadado a comer vidro moído.” Mas acredita que algumas coisas devem acontecer nos próximos anos:

  1. Os bancos centrais vão ficar sem capacidade de estimular a economia e os mercados.
  2.  Haverá uma quantidade enorme de dívida e outros compromissos (como pensões, aposentadorias e planos assistenciais) que vão começar a vencer e não conseguirão ser custeados com a emissão de novos ativos.

Colocando de outra forma, Dalio acredita que nosso atual paradigma vai acabar quando a taxa real de retorno (descontada da inflação) vai ficar tão baixa que os credores simplesmente não vão mais querer manter esses “investimentos” e vão procurar algo que julgarem melhor.

Simultaneamente a esse despertar dos credores, a enorme quantidade de dinheiro necessária para fazer frente a esse endividamento vai gerar um “grande aperto” no mercado de crédito.

Nesse ponto, não haverá dinheiro disponível. Veremos, então, uma combinação de grandes déficits que serão monetizados (lembra da impressora do BC?), depreciações cambiais e grandes aumentos de impostos.

Para Dalio, tal cenário vai aumentar o já existente conflito entre os capitalistas (que se beneficiaram do paradigma atual) com os socialistas (que estão pedindo uma maior fatia do bolo financeiro que cresceu exponencialmente no pós-crise).

O mais provável, segundo o gestor, é que os credores terão retornos nominais muito baixos ou próximos a zero e retornos reais em moedas que passarão por desvalorização, o que de fato é uma espécie de “imposto sobre a riqueza”.

O conflito

Como teremos compromissos vencendo e pouca gente disposta a financiar nas condições que estarão postas, Dalio acredita que teremos uma batalha entre:

  1. Quantas dessas promessas de pagamento não serão honradas - o que deixará os credores espumando.
  2. Quanto disso será pago com maiores impostos - o que deixa os ricos mais pobres e putos.
  3.  Quanto será pago com aumento de déficits e subsequente monetização - o que vai derrubar o valor do dinheiro e o retorno real dos investimentos, prejudicando aqueles que possuem investimentos, especialmente dívida.

“A história nos mostrou e a lógica nos diz que não há limite para a capacidade dos bancos centrais em manter taxas reais e nominais baixas inundando o mundo com mais dinheiro e que é o credor que sofre com menores retornos”, escreve Dalio.

Essa falta de gente disposta a financiar a dívida dos outros vai acontecer junto com outros conflitos, segundo Dalio, entre capitalistas e socialistas e entre nações (sobre como dividir o bolo de riqueza global e influência).

“Em tal mundo, guardar dinheiro em espécie ou em títulos não será mais seguro”, diz Dalio.

Um título é uma "promessa de dinheiro" e os governos devem continuar imprimindo dinheiro para pagar suas dívidas com uma moeda desvalorizada. Essa é a forma mais fácil e menos controversa de reduzir dívida sem aumento de impostos. É algo como transformar o dólar em um papel pintado de verde.

“Meu palpite é que os títulos terão retornos reais e nominais ruins, mas não veremos queda de preços e maiores taxas de juros, pois os bancos centrais vão comprar mais e mais títulos, sustentando preços para cima e taxas para baixo. Suspeito que o novo paradigma será caracterizado por grandes monetizações de dívida, similares as que ocorreram nos anos de guerra, em 1940”, explica.

O que resta?

A pergunta que fica é que tipo de investimento ou reserva de valor resta dentro desse novo cenário e que tipo de moeda de reserva sobra, já que todos os BCs parecem dispostos a desvalorizar as suas.

A resposta comum, é ir para ativos reais, ações, private-equity, imóveis. Mas Dalio acredita que essas não seriam as melhores opções. É aqui que ele fala que o ouro é a melhor opção. Tanto para redução de risco quanto para melhorar a taxa de retorno do seu portfólio.

“Em breve vou enviar uma explicação do motivo que me faz acreditar que o ouro é uma eficiente diversificação de portfólio.”

Sim, acaba assim mesmo, para sua e para minha frustração. Aguardemos a próxima manifestação.

Ainda assim, a tese de Dalio lembra algo que Kyle Bass, um dos poucos que ganharam fortuna e fama com a crise de 2008 e foram retratados por Michael Lewis no livro "The Big Short", falou desde então algo como: Compre ouro e armas, pois o subprime foi um sintoma de um problema maior de endividamento nunca visto na história da humanidade e que ninguém sabe como vai acabar. Ah, ouro aqui é físico, nada de contratos ou fundos.

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