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Eduardo Campos
Eduardo Campos
Jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo e Master In Business Economics (Ceabe) pela FGV. Cobre mercado financeiro desde 2003, com passagens pelo InvestNews/Gazeta Mercantil e Valor Econômico cobrindo mercados de juros, câmbio e bolsa de valores. Há 6 anos em Brasília, cobre Banco Central e Ministério da Fazenda.
Será mesmo?

Moeda única entre Brasil e Argentina parece piada, mas na verdade é sonho antigo de Paulo Guedes

A criação do “peso real” foi jogada no ar em encontro na Argentina e virou assunto sério, principalmente por lá, onde o desespero imposto pela crise econômica faz os Hermanos se apegarem a qualquer coisa

Eduardo Campos
Eduardo Campos
7 de junho de 2019
11:41 - atualizado às 19:10
peso real
Imagem: Montagem Andrei Morais/Shutterstock

Ontem, às 22h43, recebi no grupo de jornalistas do Banco Central (BC) uma nota à imprensa surreal: “O Banco Central do Brasil não tem projetos ou estudos em andamento para uma união monetária com a Argentina”. Minha primeira reação: “mas que coisa é essa?”

Tinha passado o dia acompanhando as discussões no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre privatização e findo o julgamento, desliguei-me do noticiário (na verdade fui tomar um chope). Não sabia que o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes tinham falado sobre um plano envolvendo a criação de uma moeda única para Brasil e Argentina, que já tem até nome: “peso real”.

Enquanto buscava me inteirar do fato ainda ontem, dei de cara com notícias da imprensa portenha cotando empresários de lá falando que o assunto tinha sido tratado em uma reunião com o que seria a CNI dos argentinos. Logo pensei: “esse argentino está fazendo piada, isso é um chiste.”

Continuei lendo a imprensa argentina e depois a nacional até que constatei que não. Está se falando sério! Como assim? Se pensar em união monetária com uma economia que caminha para o rumo da Venezuela? Primeira analogia que me veio foi a zona do euro e a Alemanha carregando a Grécia e os demais PIGS.

Enfim, fui tentar tirar essa história a limpo e conversei com gente aqui de Brasília e de fora. Não é uma piada não. A criação do “peso real” é, de fato, um sonho antigo do ministro Guedes, que também batizou a nova moeda.

Em busca de evidências do que tinha ouvido, me deparei com o trabalho dos colegas da “Época”, que resgaram um artigo de abril de 2008, no qual Guedes falava em um “sonho ainda maior da integração latino-americana, em que o catalisador é a meta de uma moeda única – o peso-real”.

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Fui alertado por outro interlocutor que o “peso real” não é um devaneio do ministro, é uma ideia dele, mas que até o momento não tinha nenhum tipo de conversa firme dentro do governo.

As coisas podem mudar já que leio no “UOL” que Bolsonaro se disse favorável a estudos sobre o tema e usou a palavra “sonho” para caracterizar a ideia de “uma moeda única na região do Mercosul”.

Sempre que o governo quer se livrar de um assunto ou não sabe o que fazer, cria um grupo de trabalho ou de estudo, o famoso GT. Vamos ver se o peso real terá esse destino.

Também no “UOL”, vejo que Guedes fez uma avaliação mais ampla, afirmando que no futuro é possível que tenhamos apenas cinco moedas no mundo e que a integração na América Latina poderia, eventualmente, levar a essa moeda única, mas sem compromisso com prazos.

Temos de concordar que o ministro tem consistência em seus sonhos.

Por aqui, o assunto deve ficar zunindo no noticiário por mais alguns dias até desaparecer ante outras prioridades, como reforma da Previdência, regra de ouro, ou de alguma “crise” de articulação política.

Falando em política, um breve adendo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, usou o “Twitter” para comentar as notícias envolvendo o peso real.

https://twitter.com/RodrigoMaia/status/1136938834686631936?s=20

Mas lá na Argentina, pelo que pude acompanhar, a coisa está sendo levada bastante a sério. É como me disse um amigo, o país está afundando e quer uma boia, qualquer boia para tentar se agarrar.

Temos de lembrar, também, que Mauricio Macri, enfrenta as urnas em outubro e nosso governo não quer ver os Kirchner de volta. Acenar alguma saída, mesmo que seja sonho, pode dar algum capital político a Macri.

No fim, um amigo bem-humorado me perguntou: "será que foi isso que o Guedes quis dizer quando afirmou que o Brasil evitou virar uma Venezuela, mas não uma Argentina?". Recentemente, o ministro deu declarações de que a eleição de Bolsonaro teria evitado que o Brasil tomasse o caminho dos venezuelanos, mas não o dos argentinos.

Segundo ele, as reformas de agenda liberal por lá não foram profundas o suficiente, motivo pelo qual a inflação volta a assombrar o país.

De volta a 2011 e à crise do Euro

União monetária pressupõe uma série de requisitos, como contas fiscais em dia, coisa que os dois pretendentes estão sonhando em conseguir.

Antes de se pensar em moeda única as regiões envolvidas têm de desenhar um Tesouro Único, algo que falta até hoje na zona do euro e que explica a crise que tivemos por lá em 2011.

Enquanto escrevia esse texto, lembrei de algo que escrevi em 2011, justamente quando acompanhávamos a crise do euro e as ações do BCs para conter a sangria.

No fim dos anos 1990, dois ganhadores de prêmio Nobel fizeram previsões antagônicas sobre o euro.

Robert Mundell via sua teoria de moeda única se realizar e acreditava que a Europa tinha todas as condições necessárias para a formação do que ele chamava de “optimum currency area”.

Já Milton Friedman falou que o euro seria testado pela primeira grande recessão mundial (ele acertou). Em 2002, Friedman voltou à carga e falou de forma taxativa que o euro entraria em colapso dentro de cinco a 15 anos (foi por pouco).

O raciocínio de Friedman é simples. Quando um país abre mão de sua moeda, ele joga fora um dos principais mecanismos de ajuste a choques econômicos, a taxa de câmbio.

Não é por acaso que o nosso BC não gosta da ideia de moeda única. Em toda comunicação oficial, independentemente do presidente que está no comando, o BC diz que a taxa de câmbio é a primeira linha de defesa contra choques externos.

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