Eduardo Bolsonaro sugere criação de ‘um novo AI-5’ e várias autoridades reagem contra o deputado; oposição quer cassação
O filho do presidente Jair Bolsonaro já havia afirmado em discurso no plenário da Câmara que a polícia deveria ser acionada em caso de protestos semelhantes ao do Chile
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) defendeu em entrevista à jornalista Leda Nagle a possibilidade de "um novo AI-5" para conter manifestações de rua como as que ocorrem no Chile atualmente.
O filho do presidente Jair Bolsonaro já havia afirmado em discurso no plenário da Câmara na última terça-feira (29) que a polícia deveria ser acionada em caso de protestos semelhantes e o País poderia ver a "história se repetir". Na ocasião, ele não se referiu a que período se referia.
"Se a esquerda radicalizar a esse ponto, vamos precisar dar uma resposta. E essa resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada via plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada", afirmou.
História
O Ato Institucional nº 5 foi o mais duro instituído pela ditadura militar, em 1968, ao revogar direitos fundamentais e delegar ao presidente da República o direito de cassar mandatos de parlamentares, intervir nos municípios e Estados.
Também suspendeu quaisquer garantias constitucionais, como o direito a habeas corpus. A partir da medida, a repressão do regime militar tornou-se mais dura.
A Constituição de 1988 rejeita instrumentos de exceção e destaca, em seu primeiro artigo, como um de seus princípios fundamentais, que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito.
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Entrevista
A declaração de Eduardo Bolsonaro ocorreu em resposta a uma pergunta sobre a participação do Foro de São Paulo nas manifestações chilenas. Eduardo disse que dinheiro do BNDES foi usado por Cuba e Venezuela para financiar movimentos de esquerda na América Latina.
"Nós desconfiamos que esse dinheiro vem muito por conta do BNDES que, no tempo de Dilma e Lula (...)", diz Eduardo, sem concluir a frase. "Por que não achar que esse dinheiro vai voltar 'pra' cá para fazer essas revoluções?", questionou de forma retórica. "Agora eles têm condições de financiar, de bancar isso num nível muito maior aqui na América Latina", complementou.
"A gente, em algum momento, tem que encarar de frente isso daí. Vai chegar um momento em que a situação vai ser igual ao final dos anos 1960 no Brasil, quando sequestravam aeronaves, quando executavam, sequestravam grandes autoridades como cônsules, embaixadores, execução de policiais, de militares", disse.
"É uma guerra assimétrica, não uma guerra onde você está vendo seu inimigo do outro lado e você tem que aniquilá-lo, como acontece nas guerras militares. É um inimigo interno, de difícil identificação aqui dentro do País. Espero que não chegue a esse ponto, mas a gente tem que estar atento."
Durante a campanha eleitoral, um vídeo em que Eduardo afirma ser necessário apenas "um cabo e um soldado" para fechar o Supremo Tribunal Federal causou polêmica. Na entrevista à Leda Nagle, ele diz que apenas citou uma brincadeira que ouviu na rua.
Marco Aurélio: 'Estão solapando a democracia'
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), considerou uma "impropriedade" o comentário de Eduardo Bolsonaro. A fala do filho do presidente da República foi recebida com indignação por integrantes do Supremo.
"Quanta impropriedade. Estão solapando a democracia. E é geral. Exemplo: o inquérito natimorto: sigiloso ao extremo e nele tudo cabe. Aonde vamos parar?", disse Marco Aurélio à reportagem.
O ministro fez referência ao inquérito sigiloso, instaurado por determinação do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que apura ameaças, ofensas e fake news disparadas contra integrantes da Corte e seus familiares.
A investigação tem sido contestada por ter ocorrido à revelia do Ministério Público e ter levado à censura de reportagens publicadas no site O Antagonista e na revista digital Crusoé.
O jornal O Estado de S. Paulo procurou a assessoria de Toffoli para comentar as declarações de Marco Aurélio Mello, mas não havia obtido resposta até a publicação deste texto.
OAB chama fala de 'afronta à Constituição'
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, disse que a fala de Eduardo Bolsonaro é uma "afronta à Constituição" e um "flerte inaceitável com exemplos fascistas".
Para Santa Cruz, a manifestação do deputado é "gravíssima". "É uma afronta à Constituição, ao Estado democrático de direito e um flerte inaceitável com exemplos fascistas e com um passado de arbítrio, censura à imprensa, tortura e falta de liberdade", criticou Santa Cruz.
Maia fala em punição
Também em resposta às declarações do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que a apologia à ditadura é passível de punição. Maia disse que as declarações do filho do presidente de um "novo AI-5" se a esquerda radicalizar são "repugnantes" e "têm de ser repelidas como toda a indignação possível pelas instituições brasileiras".
"Manifestações como a do senhor Eduardo Bolsonaro são repugnantes, do ponto de vista democrático, e têm de ser repelidas como toda a indignação possível pelas instituições brasileiras. A apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras. Ninguém está imune a isso. O Brasil jamais regressará aos anos de chumbo", afirmou Maia em nota divulgada nesta quinta-feira, 31.
De acordo com o presidente da Câmara, uma "nação só é forte quando suas instituições são fortes". "O Brasil é um Estado Democrático de Direito e retornou à normalidade institucional desde 15 de março de 1985, quando a ditadura militar foi encerrada com a posse de um governo civil", disse.
Maia lembrou que Eduardo Bolsonaro "jurou respeitar a Constituição de 1988". "Foi essa Constituição, a mais longeva Carta Magna brasileira, que fez o país reencontrar sua normalidade institucional e democrática. A Carta de 88 abomina, criminaliza e tem instrumentos para punir quaisquer grupos ou cidadãos que atentem contra seus princípios - e atos institucionais atentam contra os princípios e os fundamentos de nossa Constituição".
Alcolumbre classifica declaração como 'absurda'
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também reagiu à declaração de Eduardo, classificando a fala do filho do presidente Jair Bolsonaro como um "absurdo" e uma "inadmissível afronta à Constituição".
"É lamentável que um agente político, eleito com o voto popular, instrumento fundamental do Estado democrático de Direito, possa insinuar contra a ferramenta que lhe outorgou o próprio mandato", diz nota assinada por Alcolumbre, que, como presidente do Senado, preside o Congresso Nacional.
"Mais do que isso: é um absurdo ver um agente político, fruto do sistema democrático, fazer qualquer tipo de incitação antidemocrática. E é inadmissível esse afronta à Constituição", afirmou.
Alcolumbre declarou ainda não fazer espaço para "retrocesso autoritário".
Bolsonaro fala em "sonho"
O presidente Jair Bolsonaro fez uma tentativa de contornar a fala do filho. "Quem está falando sobre AI-5 está sonhando", disse ao ser questionado por jornalistas na saída do Alvorada nesta quinta-feira. "Não existe. AI-5 é no passado, existia outra Constituição, não existe mais. Esquece. Vai acabar a entrevista aqui", afirmou.
Bolsonaro, sugeriu que o próprio filho fosse cobrado. "Cobrem dele (Eduardo). Quem quer que seja que fale em AI-5, está sonhando. Tá sonhando! Tá sonhando! Não quero nem ver notícia nesse sentido aí", disse o presidente.
"Olha, cobre você dele. Ele é independente. Tem 35 anos se eu não me engano. Mas tudo bem. Lamento... Se ele falou isso, que eu não estou sabendo, lamento, lamento muito", afirmou.
Bivar divulga nota de repúdio
O presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), em nome do partido, afirmou que as declarações do deputado são inaceitáveis. Em nota divulgada nesta quinta-feira, 31, Bivar repudia o que chamou de "tentativa de golpe ao povo brasileiro".
"O PSL é contra qualquer iniciativa que resulte em retirada de direitos e garantias constitucionais. Em nosso partido, a democracia não é negociável. Fica aqui nossa manifestação de repúdio a esta tentativa de golpe ao povo brasileiro", afirma Bivar na nota.
De acordo com o comunicado, o Diretório Nacional do PSL, "com veemência", "repudia integralmente qualquer manifestação antidemocrática que considere a reedição de atos autoritários". "A simples lembrança de um período de restrição de liberdades é inaceitável", diz a nota.
Bivar defendeu na nota ainda a importância da imprensa livre. "Não podemos permitir que sejam abalados pilares democráticos caros, como a tolerância, a prática de aceitar o contraditório, as críticas e o trabalho importante da imprensa, que deve ser livre, sem amarras de qualquer tipo".
"Bivaristas" do PSL criticam fala
Deputados do PSL ligados a Bivar também divulgaram declarações criticando a fala de Eduardo Bolsonaro.
"O filho do presidente calado é um poeta", disse o principal porta-voz de Bivar, Junior Bozzella (PSL-SP), em nota. "Repudiamos qualquer tentativa de golpe. O primeiro golpe foi tentar tomar o PSL, o segundo foi usar o Palácio do Planalto para tomar a liderança do partido e agora flerta com um novo AI-5 para instaurar uma ditadura no País", afirmou Bozzella. "É espantoso para não falar repugnante. Nós representamos a democracia e a valorização da liberdade de expressão do cidadão brasileiro qualquer que seja a sua ideologia", afirmou.
"Eu não entendo como um deputado federal pode sequer cogitar algo assim", disse.
Forte crítico da chamada "filhocracia" do governo do presidente Jair Bolsonaro, o senador Major Olimpio (PSL-SP) divulgou um vídeo. "Acho lamentável no dia de hoje discutir ato semelhante ao AI-5 de 1968", afirmou. "Como um parlamentar vai defender o fechamento do Congresso?", completou.
Para outro deputado do PSL, o Coronel Tadeu, também da ala 'bivarista', falar em ato institucional na época atual "é algo inimaginável".
Joice Hasselmann: "inadmissível"
A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), que é ex-líder do governo no Congresso, foi ao Twitter para criticar o deputado.
"Atentar contra a democracia é crime! Está no artigo 5º da Constituição Federal. É inadmissível o flerte escancarado com o autoritarismo, em especial vindo de um deputado federal e filho do presidente da República", tuitou Joice, que trava com Eduardo uma batalha interna no diretório paulista do PSL.
Segundo Joice, a fala de Eduardo deixa "claro o que essa gente quer". "O AI-5 cassou mandatos, suspendeu direitos, e instituiu censura: o sonho dos autoritários. O sonho do clã. Não podemos permitir esse grave ataque à democracia", escreveu a parlamentar.
Para a deputada, o discurso levado adiante por Eduardo segue um caminho já percorrido pela Ditadura Militar. "Sigam as pistas: radicalização do discurso, ataque desenfreado a qualquer um que defenda a democracia, interferência em outros Poderes, construção da narrativa de que é preciso impedir o inimigo a tomar o poder". Segundo Joice, o inimigo seria "qualquer um de esquerda, direita, ou centro que defenda as liberdades".
Apesar das críticas, Joice já mostrou, no passado recente, simpatia pelo regime militar. Em 25 de março, publicou no Twitter uma foto na qual aparece ao lado de integrantes das Forças Armadas, comentando a decisão do presidente Bolsonaro de comemorar o aniversário do golpe de 31 de março.
"A partir deste ano, o Brasil irá comemorar o aniversário do 31 de março de 1964. A data foi incluída na ordem do dia das FFAA e cada comandante decidirá como deve ser feita. É a retomada da narrativa verdadeira de nossa história. Orgulho", escreveu. Respondendo a seguidores que a criticaram na ocasião, escreveu: "O choro é livre e graças aos militares, o Brasil também!"
Simone Tebet: "estarrecedor"
Já a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), classificou como "estarrecedor e inaceitável" o comentário de Eduardo Bolsonaro.
"Estarrecedor e inaceitável. Qualquer um que tenha vivido, ou tenha conhecimento mínimo, do que foram os atos institucionais, em especial o AI 5, não pode aceitar uma declaração como esta, não importa se de filho de presidente da República ou não", afirmou a senadora por meio do Twitter.
Em outra postagem, a senadora destacou que de um parlamentar se espera o cumprimento do juramento constitucional. "Mas, especialmente de um integrante do Congresso, de quem se espera o cumprimento do juramento constitucional, feito no momento da posse, de defender a democracia e respeitar a Constituição brasileira. Crises da democracia só podem ser resolvidas no bojo da própria democracia."
Presidente do PSDB fala em "intenções autoritárias"
O presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, também reagiu nas redes sociais à fala de Eduardo Bolsonaro. O partido condenou a declaração do filho do presidente Jair Bolsonaro e viu nela "intenções autoritárias".
"Ameaçar a democracia é jogar o Brasil novamente nas trevas", diz a nota publicada em redes sociais. O partido, declara o dirigente da sigla, "condena de maneira veemente as declarações do filho do presidente da República".
O presidente do PSDB também relacionou a declaração a "intenções autoritárias". "Parece que não restam mais dúvidas sobre as intenções autoritárias de quem não suporta viver em uma sociedade livre. Preferem a coerção ao livre debate de ideias. Escolhem a intolerância ao diálogo", diz a nota.
MDB classifica como inaceitável
O MDB emitiu uma nota classificando como "inaceitável" qualquer menção a atos contra liberdade. A declaração foi assinada pelo presidente nacional da sigla, Baleia Rossi.
"Como Movimento Democrático Brasileiro que nasceu e cresceu na defesa da Constituição, consideramos inaceitável qualquer menção a atos que possam colocar em risco, de novo, a liberdade do cidadão brasileiro", diz a nota.
O MDB fez referência ao AI-5 como o "pior mal" da ditadura militar. "O Brasil espera que não percamos o equilíbrio e o foco no que mais precisamos: empregos e renda para as pessoas", diz o partido.
DEM também critica
O presidente nacional do DEM, ACM Neto, foi mais um dirigente partidário que criticou as declarações.
"As declarações do deputado Eduardo Bolsonaro são uma inaceitável afronta à democracia", diz nota de ACM Neto divulgada pelas redes sociais. "Nesse momento o País precisa de equilíbrio e responsabilidade, não de ameaças e radicalizações como as defendidas pelo parlamentar."
O prefeito de Salvador afirmou ainda que o partido "condena" e "combate" qualquer tentativa de ameaça à liberdade política e ao funcionamento das instituições do País.
Republicanos emitem nota de repúdio
Integrante do Centrão, o Republicanos emitiu uma nota de repúdio à declaração. Pelo Twitter, o presidente do partido, Marcos Pereira (PR-SP), disse que "é hora de investir no bom senso, no equilíbrio, na moderação e no diálogo".
Na nota, o Republicanos lembra que "o AI-5 foi o mais severo dos chamados Atos Institucionais no período do governo militar" e que "o texto autorizou o chefe do Executivo a fechar o Congresso Nacional e as assembleias legislativas estaduais, a perseguir ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e instituiu a censura prévia à imprensa e a manifestações culturais".
"Ressalta-se, ainda, que atentar contra a democracia é crime, como prescreve o artigo 5º da Constituição Federal", continua a nota. "Infelizmente não é a primeira vez que Eduardo Bolsonaro, o deputado mais votado da nossa democracia, dá indícios de que flerta com o autoritarismo", diz o partido.
A legenda destaca que tem "colaborado com o governo do presidente Jair Bolsonaro em tudo aquilo que é bom para o País", e que continuará a trabalhar com o governo "desde que qualquer simples menção aos momentos obscuros da nossa história fiquem para trás".
Bancada do Novo prega combate à ameaças
A bancada do partido Novo na Câmara dos Deputados também rebateu as declarações do deputado. "Ameaças à democracia, venham de onde vierem, devem sim ser combatidas, mas sempre dentro do Estado de Direito e com respeito à própria democracia", disseram os oito deputados do Novo.
A nota diz que tais declarações "desviam o foco dos reais problemas do Brasil, além de tumultuar, mais uma vez, o ambiente político no momento em que reformas urgentes precisam ser aprovadas democraticamente pelo Congresso Nacional."
Doria repudia fala
O governador do Estado de São Paulo, João Doria (PSDB), disse "repudiar a tentação autoritária e o silêncio de quem as patrocina", além de afirmar ser inaceitável a "ruptura do modelo democrático".
Doria acrescentou que "a democracia brasileira não tem medo de bravatas" e que "o País quer distância dos radicais que pregam medidas de exceção e atentam contra a Constituição". Para Doria, "o Brasil estará unido para manter as liberdades civis, a imprensa livre e as garantias fundamentais".
Renan Calheiros também se manifesta
Ainda sobre as declarações, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) afirmou que "a democracia não comporta comichões autoritárias, retrocessos e enxovalhamento institucional. Os ataques são inconsequentes, não irrelevantes. A democracia se encarrega de punir abusos", escreveu o senador em sua conta no Twitter.
Para Renan, "o #AI5 foi a expressão mais aterradora, opressiva e fascista da história. #Ditaduranuncamais", tuitou.
Frente Nacional dos prefeitos engrossa o coro
A Frente Nacional de Prefeitos (FNP) afirmou, em nota divulgada nesta quinta-feira, repudiar com veemência a manifestação do deputado.
"A ação mais dura do longo período de ditadura militar fechou o Congresso Nacional, assembleias estaduais e representou um 'salvo conduto' para que o Estado assassinasse aqueles que discordavam do regime militar. Instituiu a censura prévia das artes e da imprensa. Também permitiu ao governo federal, sob pretexto de 'segurança nacional', destituir sumariamente juízes e intervir em estados e municípios, cassando mandatos de governadores e prefeitos", diz o presidente da FNP, Jonas Donizette, prefeito de Campinas (SP).
Na avaliação da entidade, flertar com o AI-5 é inaceitável e um afronta à democracia. "É crime previsto na Lei de Segurança Nacional. É lamentável e muito preocupante que um parlamentar cogite reeditar o pior período da história do Brasil republicano. Propor tamanho retrocesso é uma afronta à Constituição."
Na nota, é destacado ainda que defender o Estado Democrático de Direito é dever de todos os brasileiros, especialmente por aqueles eleitos pelo voto direto. "Por isso, é indispensável que a Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, a Casa do povo, tome urgentemente as providências cabíveis e necessárias para defender a democracia brasileira."
Oposição fala em cassar mandato
Após a fala de Eduardo Bolsonaro, o PSOL e PT afirmam que vão representar contra o filho do presidente no Conselho de Ética da Câmara e no STF.
"Em menos de uma semana, Eduardo Bolsonaro volta a defender regime de exceção e ameaça a esquerda", afirmou a presidente nacional do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR).
O líder do PSOL na Câmara, deputado Ivan Valente (SP) anunciou duas representações contra o filho do presidente. "Vamos representar no Conselho de Ética e entrar no Supremo Tribunal Federal (STF) por quebra da ordem constitucional", afirmou Valente.
"Ao fazer apologia de um novo AI-5, Eduardo Bolsonaro está defendendo o fechamento do Congresso Nacional e a perseguição, tortura e extermínio de opositores. Cada vez mais a família do presidente da República ameaça criminosamente as instituições democráticas", afirmou o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
"As hienas estão mostrando os dentes, mas nós não deixaremos que elas destruam a democracia brasileira", completou Freixo em referência ao vídeo publicado nas redes sociais do presidente da República, Jair Bolsonaro.
Já o líder da Oposição na Câmara dos Deputados, Alessandro Molon (PSB-RJ), afirmou que a ala pedirá a cassação do mandato do deputado. Segundo Molon, que fez o anúncio a jornalistas na Câmara, o pedido será apresentado na próxima semana no Conselho de Ética da Casa.
"Declaração extremamente grave, inaceitável, fere o decoro parlamentar, e por isso nós da oposição vamos pedir a cassação do mandato do deputado Eduardo Bolsonaro", afirmou o líder da oposição.
Para Molon, Eduardo "abusa" das prerrogativas de parlamentar, "em especial a imunidade parlamentar". "Ele está usando a imunidade parlamentar para defender o fim da democracia, para ameaçar o Parlamento", disse Molon.
O ex-ministro da Fazenda e candidato à Presidência em 2018, Ciro Gomes (PDT), também reagiu ao comentário e afirmou que vai pedir para o PDT entrar com uma representação no Conselho de Ética da Câmara pela cassação do mandato do deputado por quebra de decoro.
"Este bando de lunáticos está ultrapassando qualquer limite! Este tolete de esterco é mais perigoso com a mão suja do que exercendo um poder que pensa ter em seu deslumbramento de boçal", atacou o pedetista em uma série de publicações em sua conta no Twitter.
"Vê aí na internet, seu m***, qual foi o destino do ditador italiano Benito Mussolini e recolhe tua viola!", continuou Ciro. "E seguiremos exigindo das autoridades que esclareçam o envolvimento de vocês com as milícias e com dinheiro público desviado de seus gabinetes para o próprio bolso."
Presidente do Conselho de Ética vê gravidade na fala
O presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, Juscelino Filho (DEM-MA), afirmou na tarde desta quinta-feira que qualquer pedido de cassação contra Eduardo seguirá o rito "normal". Juscelino Filho classificou as declarações como "graves".
"Eu vejo essas declarações como muito grave assim como qualquer brasileiro, como qualquer homem público. Nós representantes do Congresso, vemos essa fala como algo grave", afirmou o parlamentar.
O parlamentar afirmou que vai tratar qualquer representação contra Eduardo Bolsonaro de maneira "normal", seguindo o rito do Conselho de Ética. Pelo regimento da Câmara, as representações são protocoladas na Mesa Diretora que analisa e manda para o colegiado. Após isso, são sorteados três deputados para analisar o caso e o presidente escolhe um relator entre o trio.
"Se chegar (a representação), vamos seguir o rito normal. Vai ser aberto um processo. Seja o caso de Eduardo ou qualquer outro, vamos seguir o curso normal dos trabalhos", afirmou.
Este ano, o Conselho de Ética recebeu 10 representações. Em nenhuma delas foi aberto um processo de cassação.
Questionado se a fala do filho do presidente Jair Bolsonaro pode significar uma quebra do decoro parlamentar ou outro tipo de infração que possa levar à sua cassação, Juscelino evitou emitir opinião.
"Eu, como presidente do Conselho de Ética não vou me manifestar sobre isso (a possibilidade de cassação do deputado Eduardo Bolsonaro). Meu papel é conduzir os trabalhos com o máximo de isenção possível", afirmou o deputado do DEM.
Cúpula da PGR vê proteção de deputado pela lei
A cúpula da Procuradoria-Geral da República (PGR) avalia que a fala de Eduardo está protegida pela imunidade parlamentar. A polêmica declaração reacendeu dentro da PGR, do Supremo Tribunal Federal (STF) e de tribunais superiores o debate sobre a extensão da imunidade parlamentar e a possibilidade de o parlamentar responder na Justiça pelo seu posicionamento.
Segundo a Constituição, os congressistas são "invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos". Isso não significa, porém, que tudo é permitido pela Justiça. Em junho de 2016, por exemplo, a Primeira Turma do STF aceitou denúncia contra o então deputado federal Jair Bolsonaro por dizer, nos corredores da Câmara, que a petista Maria do Rosário (RS) não "merecia ser estuprada" por ser "muito feia" e porque ela "não faz seu tipo".
A avaliação do colegiado na época foi a de que as declarações não guardam relação com a função de deputado, não devendo ser protegidas pela imunidade parlamentar. A ação foi suspensa depois que Bolsonaro assumiu o Palácio do Planalto, já que o presidente não pode ser responsabilizado por ato anterior ao mandato.
Dois integrantes da cúpula da PGR ouvidos reservadamente pelo Estado/Broadcast Político avaliam que a declaração de Eduardo Bolsonaro está protegida pela imunidade parlamentar. Um deles define o posicionamento do filho do presidente da República como "simples opinião". Um outro membro da cúpula da PGR diz que acionar, hoje, a Justiça contra Eduardo Bolsonaro equivale a reprimir quem falava contra o AI-5 nos anos de chumbo. "Quem fala o que quer, ouve o que não quer. Essa é a regra da liberdade", afirmou.
Dentro do STF, no entanto, um ministro acredita que a fala representa um ataque à democracia, representa uma ameaça ao Estado de Direito e pode ser enquadrada até na lei de segurança nacional. Sancionada em 1983, em plena ditadura militar, a lei prevê detenção de um a quatro anos para quem fazer, em público, propaganda de "processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social".
Em entrevista ao Estado/Broadcast Político, o ministro Marco Aurélio Mello considerou o comentário de Eduardo Bolsonaro uma "impropriedade". "Estão solapando a democracia. E é geral. Exemplo: o inquérito natimorto: sigiloso ao extremo e nele tudo cabe. Aonde vamos parar?", disse Marco Aurélio à reportagem, ao criticar o inquérito sigiloso instaurado pelo próprio STF para apurar ameaças, ofensas e fake news contra integrantes da Corte.
Um outro integrante do Supremo, que também pediu para não ser identificado, concorda com a posição da cúpula PGR de que as falas estão protegidas pela liberdade de expressão e a imunidade parlamentar. Para esse integrante, muitas pessoas defendem o regime militar, e "não há como enquadrar ideias".
Precedentes
A extensão da imunidade parlamentar é um tema recorrente em julgamentos no STF. Em 2014, a Primeira Turma do STF recebeu denúncia contra o então deputado Abelardo Camarinha (PSB-SP) por injúria, depois que ele deu entrevista em que acusava um vereador de ter adquirido bens com dinheiro de origem ilícita. "A atividade parlamentar tem no uso da palavra sua expressão mais significativa, mas o abuso da palavra pode ter, sim, implicações criminais civis e criminais", disse a ministra Rosa Weber na ocasião.
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde também atua, Rosa ainda não se manifestou sobre a controversa declaração de Eduardo Bolsonaro. Para um ministro do TSE, Eduardo não infringiu nem ofendeu ninguém e nenhuma instituição, e sim "falou bobagem".
Já um ministro do Superior Tribunal e Justiça (STJ) respondeu ao questionamento da reportagem com outra pergunta: "A questão é: pode um parlamentar usar a imunidade parlamentar, atributo da democracia, para defender a ditadura?"
*Com Estadão Conteúdo.
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