O bilionário André Esteves e sua incrível capacidade de voltar ao jogo
Conheça a história do banqueiro que começou como garoto-prodígio, fez fortuna no mercado financeiro, já foi preso e está de volta
Se é verídica a história de que a sigla BTG, nome do banco de investimentos criado por André Esteves, surgiu das iniciais de Back to The Game (de volta ao jogo), ninguém sabe ao certo.
O próprio banqueiro nunca admitiu essa versão. Virou lenda, mas bem que podia ser verdade. O suposto acrônimo casa bem com as idas e vindas triunfantes de um dos homens mais ricos do Brasil - que figura desde 2011, ininterruptamente, na lista de bilionários brasileiros da revista Forbes. Hoje ele tem uma fortuna de US$ 3 bilhões - e é o oitavo mais rico.
O “retorno” mais recente de André Esteves se deu no fim do ano passado. Em 2015, sob suspeita de tentar obstruir as investigações da Lava Jato, ele ficou preso por 23 dias em Bangu, no Rio, e foi afastado do bloco de controle do banco.
Por três anos e meio, o BTG enfrentou uma crise de confiança que o obrigou a vender ativos e mudar o comando. Com a corrida de clientes para transferir aplicações após a prisão de Esteves, o banco passou adiante o suíço BSI, comprado cinco meses antes, se desfez de participações em empresas como Rede D’Ór, Recovery Consultoria, Equatorial Energia, e vendeu parte de sua carteira de crédito.
Em dezembro de 2018, depois de ser absolvido, a pedido do próprio Ministério Público Federal, por falta de provas, o bilionário voltou à condição de controlador do BTG. Hoje, ele detém 39,7% das ações ordinárias e 29% do capital total da BTG Pactual Holding, que controla o banco.
Mas na verdade, ele já vinha dando as cartas por ali desde 2016, quando se tornou consultor sênior da instituição financeira. A retomada do controle só coroou o “Back to The Game”. No início deste ano, Esteves voltou a ter uma agenda pública, marcando presença na posse do ministro da Economia Paulo Guedes, que foi um dos primeiros chefes do banqueiro, no antigo Pactual. Dias depois, viajou para o Fórum Econômico Mundial em Davos.
Uma reportagem do Valor Econômico de fevereiro deste ano mostra que o conservadorismo que prevaleceu no BTG durante os anos de crise já deu lugar à ousadia nata de André Esteves. O banco havia se comprometido com investidores a vender sua participação de 50% na PetroÁfrica, adquirida da Petrobras em 2013 e alvo de polêmicas na Lava Jato, mas Esteves decidiu não sair do negócio.
No fim do ano passado, também foi ideia dele participar da compra da Editora Abril, em recuperação judicial. O advogado Fábio Carvalho comprou o controle da editora com dinheiro do BTG.
Sob o comando de André Esteves, de janeiro até agosto deste ano, o banco viu seus papéis se valorizarem 170% na bolsa. Nos últimos dois meses, no entanto, as ações do BTG acumulam queda de 24% - primeiro por conta de mais uma fase da Operação Lava Jato, que apura supostos crimes de corrupção envolvendo o banco e a Petrobras na exploração do pré-sal.
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Mais recentemente, no início de outubro, uma nova operação foi deflagrada pela Polícia Federal para investigar informações obtidas na delação do ex-ministro Antonio Palocci de que Esteves teria recebido de forma antecipada informações confidenciais sobre a taxa básica de juros do país, a Selic, o que teria lhe rendido milhões. O banqueiro nega e diz que a delação de Palocci é “desacreditada”.
Durante os governos do PT, Esteves se aproximou do ex-ministro, agora delator, e de Guido Mantega. Sua habilidade para se relacionar com políticos e ao mesmo tempo atrair empresários para a órbita do BTG fizeram o banqueiro construir uma trajetória sem precedentes no mercado financeiro brasileiro. Ele sempre foi ambicioso e agressivo nos negócios.
A Disneylândia de Esteves
Filho único, André Esteves veio de uma família de classe média no bairro da Tijuca, na zona norte do Rio. Formado em Matemática, com especialização em informática, começou no mercado financeiro quando ainda era estudante. Em 1989, Esteves viu um anúncio do banco Pactual, que queria contratar jovens em início de carreira. “Para mim, aquilo era a Disneylândia”, disse em entrevista à revista Exame, em 2012 sobre o quanto se encantou com o modelo de gestão do banco.
O Pactual foi fundado em 1983 por Luiz Cezar Fernandes, Paulo Guedes e André Jakurski, seguindo a mesma linha do banco Garantia do bilionário Jorge Paulo Lemann. Iniciantes, como Esteves, começavam bem debaixo e tinham que seguir a cartilha da meritocracia para se dar bem ali dentro.
Em suas palestras, ao lembrar desse começo, o banqueiro diz que seu primeiro dia no mercado financeiro terminou com 100% de perda. Ele tinha acabado de comprar um Gol em 24 prestações, mas não tinha dinheiro para pagar o seguro. O veículo foi roubado em seu primeiro dia no Pactual. “Fiquei sem carro e ainda tive que pagar todas as prestações que faltavam”, conta. “Minha única opção era trabalhar para pagar a dívida.”
O estudante começou consertando computadores, mas logo chamou a atenção dos sócios e foi promovido para a operação da mesa de renda fixa do banco. Fernandes já relatou em entrevistas que gostou do novato porque, assim como ele próprio, Esteves não vinha de famílias tradicionais, nem tinha estudado para atuar no mercado financeiro.
Na primeira segunda-feira depois da promoção, Esteves já achou que seria demitido. Ao chegar para trabalhar, não havia dinheiro para investir, já que o Plano Collor havia sequestrado a dívida pública do País.
Ele começou a estudar o novo plano econômico e sugeriu aos diretores a criação de um fundo que investiria em Fundos de Aplicação Financeira (FAFs) de grandes instituições. Não demorou muito para que o analista de sistemas começasse a comandar a equipe de renda fixa do Pactual.
Aos poucos, com o dinheiro que ganhava (e ele sempre soube ganhar dinheiro), Esteves foi comprando participação no banco de Fernandes. Na década de 90, os três sócios começaram a divergir sobre o futuro da instituição financeira.
Guedes e Jakurski saíram do negócio por discordar dos planos de Luiz Cezar Fernandes, que queria transformar o Pactual em um banco de varejo, ao mesmo tempo em que começou a investir em outras empresas, principalmente do setor industrial. Foi um desastre e, em 1998, o banqueiro estava praticamente quebrado.
André Esteves e outros sócios mais jovens do Pactual - Eduardo Plass, Gilberto Sayão e Marcelo Serfaty - bolaram um plano para socorrer Fernandes e tomar o controle do banco. Em 1998, ele emprestaram dinheiro para o antigo chefe em troca de sua saída. “Sempre tive consciência de que ele venderia a mãe para ter o poder”, disse Fernandes à revista “Piauí” em 2006.
Com os novos sócios no comando, o Pactual virou uma potência como banco de investimentos, atraindo o interesse do UBS. Em 2006, André Esteves vendeu o Pactual para os suíços por US$ 2,6 bilhões e se tornou o mais jovem bilionário do Brasil a fazer sua própria fortuna.
Foi um dos maiores negócios feitos no País naquela época, dando origem ao UBS Pactual. No ano seguinte, o brasileiro se mudou para Londres para comandar a área de venda e trading global de renda fixa do banco suíço. Era pouco para André Esteves. Primeiro, ele tentou converter o pagamento que receberia pela venda do Pactual em ações do banco suíço, mas foi impedido pelo amigo Gilberto Sayão. Depois, tentou recomprar o Pactual por US$ 5 bilhões, mas a proposta foi recusada. Sorte dele.
Em 2008, Esteves deixou a operação suíça para criar o BTG - que significa oficialmente Banking and Trading Group, mas que também poderia ser a sigla para “Better than Goldman”, uma brincadeira que ele faz em referência ao Goldman Sachs. No mesmo ano, a crise financeira global derrubou o preço dos ativos e abriu caminho para que o brasileiro comprasse o Pactual de volta por US$ 2,5 bilhões. André Esteves estava de volta ao jogo, e em grande estilo.
À frente do BTG Pactual, o bilionário liderou uma série de aquisições, entre hospitais, postos de gasolina, farmácias, redes de estacionamento, academias de ginástica. Em 2012, a abertura de capital da instituição foi uma das maiores da bolsa brasileira até então. Hoje, seu banco vale R$ 51 bilhões - mesmo após a Lava Jato.
Entre os nomes que estiveram com ele desde o início dessa empreitada, está o economista Persio Arida, ex-presidente do Banco Central. Foi ele que assumiu o comando do banco em 2015 depois da prisão de André Esteves e evitou uma fuga de recursos que poderia ter quebrado a instituição. Arida vendeu suas ações em 2017 para se dedicar à vida acadêmica.
Um jeito peculiar de fazer negócio
André Esteves também se envolveu em polêmicas. Reportagem da revista Exame, de 2012, dá um exemplo interessante de como o banqueiro costuma fazer negócio. Depois de se aproximar da família Amaro, ele conseguiu o mandato para conduzir a fusão da aérea brasileira TAM com a chilena LAN e acertou que sua remuneração seria atrelada à valorização das ações da TAM.
Na mesma época, Esteves entrou para o conselho de administração da companhia. Os conselheiros viram conflito de interesses na jogada do banqueiro: era a raposa dentro do galinheiro. Um ano depois, com o anúncio da fusão, as ações da TAM dispararam, rendendo uma comissão milionária a Esteves, quase 20 vezes maior que a de outros assessores financeiros que participaram da mesma transação.
É natural que quem aposte tão alto no mercado também perca alguns milhões no meio do caminho. A Sete Brasil, fabricante de sondas para exploração de petróleo, foi criada em 2010, com aporte de R$ 8,3 bilhões dos sócios BTG, Petros, Previ, Funcef e Petrobras. Com a queda do preço do petróleo e a operação Lava Jato, a empresa entrou em recuperação judicial.
Esteves também teve prejuízo com o império X, do ex-bilionário Eike Batista. Quando a Eneva, empresa de energia do grupo, pediu recuperação em 2014, o BTG Pactual tinha R$ 860 milhões de créditos a receber.
Em suas palestras, André Esteves costuma dizer que problemas e dificuldades são apenas oportunidades para empreender.“Toda segunda-feira quando chego ao escritório sei que farei muitas besteiras naquela semana.” Ele gosta de citar um estudo da Universidade de Harvard que analisou 5 mil planos de negócios de países e de modelos diferentes. Apenas três, segundo o banqueiro, teriam seguido o plano à risca e obtido sucesso. “É preciso ter flexibilidade para se adaptar às realidades e às mudanças do mercado.”
Seu mais recente movimento nesse sentido chama-se BTG Pactual Digital, um banco de varejo digital voltado para as massas. O objetivo é chegar a uma participação de 10% no total de investimentos financeiros de clientes de varejo e private banking, que totalizaram R$ 2,8 trilhões em 2018. Alguma dúvida de que André Esteves vai tocar o terror no mercado para chegar lá?