Cannabis, monopólio do Estado: o plano da Suíça para legalizar o uso recreativo da erva
A aprovação de um parecer na última sexta-feira (14) dá um novo capítulo à política de Cannabis na Suíça; contra o comércio ilegal, texto propõe monopólio do Estado na venda e aplicação de lucros em políticas de combate à dependência
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A Suíça deu um importante passo em direção à legalização da Cannabis para uso recreativo no país. Na última semana, parecer que busca regulamentar o cultivo, produção, comércio e consumo da erva para fins não medicinais foi apresentado e aprovado pelo Comitê de Segurança Social e Saúde do Conselho Nacional Suíço (SGK-N).
Na prática, a proposta mira no mercado ilegal da Cannabis, estabelecendo um modelo sem fins lucrativos que afrouxa as restrições de produção, venda e consumo por adultos.
Ainda que mantenha a classificação da Cannabis como um narcótico com potencial risco à saúde, o texto reconhece a ineficácia do combate à substância, que continua sendo distribuída por canais ilegais no país, segundo o Comitê.
Aprovado na sexta-feira (14) com 14 votos a favor, 9 contra e 2 abstenções, o parecer ainda aponta para a restrição total de comércio a menores de 18 anos e para a aplicabilidade de medidas contra o fumo passivo.
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Monopólio do Estado
Diferente de modelos de livre-comércio, como acontece em países como os Estados Unidos ou o Canadá, o parecer suíço determina que o Estado deve deter o monopólio sobre a venda da Cannabis no país. Assim, as transações só seriam praticadas em lojas físicas licenciadas ou em plataformas de e-commerce aprovadas pelo governo.
O texto ainda determina que a taxação deve ser baseada no nível de Tetrahidrocanabinol (THC), o componente psicoativo da erva, dos produtos (mais altos conforme a concentração da substância). Também recomenda que a venda deve ocorrer em embalagens neutras, com avisos chamativos para os riscos do uso.
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Conforme o parecer, o lucro da venda da erva no país deve ser aplicado no em fundos de redução de danos, serviços contra a dependência e subsídios para planos de saúde.
O cultivo pessoal também é contemplado pelo texto, com recomendação de permissão de porte de até três mudas feminizadas de Cannabis por pessoa, com porte sujeito à regulação.
- Caso aprove um projeto de lei a respeito, a Suíça se tornará o quarto país europeu a regulamentar o uso recreativo da maconha. Malta se tornou o primeiro país a legalizar o uso pessoal, em 2021, seguido por Luxemburgo, em 2023, e pela Alemanha, em 2024.
A Cannabis na Suíça
Atualmente, a Cannabis movimenta 1 bilhão de francos suíços (aproximadamente R$ 6,3 bilhões) por ano, de acordo com um estudo publicado em 2020 pelo Departamento de Sociologia da Universidade de Genebra.
Hoje, a venda é liberada no país para uso medicinal. Em 2022, uma medida do governo tornou mais fácil o acesso, que hoje só requer uma prescrição médica para a obtenção da substância.
Em alguns locais e regiões, testes também vêm sendo aplicados para a comercialização para uso recreativo – mas com redução da concentração de THC a 1% do total.
Ainda assim, conforme o Comitê, a maior parte dos usuários no país obtém a Cannabis por vias ilegais. Hoje, a estimativa é de que 300 mil pessoas façam uso da substância na Suíça regularmente.
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"Cannabis é uma realidade social", apontou o parecer do Comitê, em referência a uma pesquisa de 2022 segundo a qual 4% das pessoas entre 15 e 64 anos tinham consumido Cannabis ao menos uma vez no mês anterior.
"A proibição de Cannabis, comparada a drogas legalizadas, não é baseada em evidências científicas, especialmente devido ao [fato de o] dano causado pelo tabaco e pelo álcool não ser menor", diz o parecer.
"Está cada vez mais difícil de justificar essa inconsistência moral e legal. Somente um mercado regulado estaria alinhado aos princípios da política suíça de dependência."
Reações e críticas
Com a aprovação do a proposta pelo comitê, o parecer viabiliza um estudo que deverá ser conduzido durante o verão, no qual acionistas e partes interessadas deverão ser consultadas. Só então, a partir de um relatório minucioso, um projeto formal de lei poderá ser apreciado e debatido nas duas casas do parlamento suíço.
A aprovação do parecer pelo Comitê de Segurança Social e Saúde do Conselho Nacional Suíço foi criticada pelo Partido Popular Suíço (SVP), maior partido do país, de orientação conservadora. A parlamentar Celine Amaudruz se comprometeu a "seguir lutando até o fim" contra a proposta que, segundo ela, "banaliza os perigos da droga".
Já o IG Hanf, ou o Grupo de Interesse Suíço para a Maconha, elogiou o parecer do comitê, declarando ser um "momento histórico para a política de Cannabis na Suíça".
*Com informações de AFP News, Forbes, Veja e MyScience