Liberdade ou censura? Até que ponto as redes sociais devem “deixar rolar”: uma discussão sobre Tigrinho, ódio e mentiras
Até que ponto o discurso em nome da liberdade de expressão se tornou uma forma das big techs tirarem as responsabilidades de si mesmas?

Já adianto que este texto terá mais perguntas do que respostas. Afinal, quem é que consegue responder pela liberdade ou falta dela? Certamente não eu.
Talvez seja por isso que muitos tentam se eximir de responsabilidades evocando esse nome — alô, Mark Zuckerberg e Elon Musk.
E o tema de hoje é exatamente esse: até que ponto o discurso em nome da liberdade de expressão se tornou uma forma de as empresas donas das redes sociais “tirarem o corpo fora” das grandes discussões do nosso tempo, jogando a responsabilidade no colo dos usuários?
E mais: por que essa parece ser a estratégia mais certeira para as grandes redes sociais agora, se alguns anos atrás as coisas pareciam caminhar justamente para o sentido contrário, de cada vez mais moderação?
Se nem os Estados-Nação encontraram um jeito eficiente para administrar o que acontece dentro dos seus territórios, como uma empresa pode conseguir? Qual é o real papel dessas grandes figuras — Zuckerberg, Musk, Dorsey etc. — no cenário geopolítico global hoje?
O maior usuário inexistente da história do Twitter
Para começar, trago o caso mais emblemático sobre o tema: o banimento do então quase-ex-presidente dos Estados Unidos do Twitter (agora, X) por instigar uma multidão violenta a invadir o Capitólio, em 6 de janeiro de 2021.
Eu não preciso te contar os detalhes, você sabe o que aconteceu.
O que quero contar são os bastidores: como a rede social tomou a decisão sem precedentes de bloquear a conta de Donald Trump? Quais foram os impactos disso para a rede?
O que cito a seguir, bem resumidamente, faz parte do livro “Limite de Caracteres: como Elon Musk Destruiu o Twitter”, de Kate Conger e Ryan Mac, jornalistas do New York Times.
Quando as eleições de 2020 deram vitória a Joe Biden sobre Trump, altos executivos do Twitter largaram tudo para acompanhar de perto a conta do republicano, que já vinha infringindo as regras da comunidade.
Começa a invasão.
Enquanto os apoiadores saqueavam a sede do poder legislativo federal dos EUA, Trump colocava lenha na fogueira, primeiro com um discurso, depois pelo Twitter.
A intervenção da empresa começou com a rotulagem dos tweets. Quando ficou claro que isso não iria adiantar nada, alguns executivos seniores decidiram que seria a hora de bani-lo.
Coube à Vijaya Gadde — então consultora geral e chefe de assuntos jurídicos, políticos e de confiança no Twitter — falar com o CEO à época: Jack Dorsey, que resistia à ideia de restringir Trump. Ele, um esotérico que acompanhava a violência de um chalé particular de luxo em uma ilha distante, aquiesceu.
A sensação descrita por um dos executivos envolvidos foi: “como se eu tivesse construído um robô de brinquedo, que depois destruiu o mundo”.
Logo depois, a conta @realDonaldTrump aparecia como usuário inexistente a quem a buscasse. Conta suspensa.
Liberdade ou censura
Hoje Trump está de volta, e o Twitter agora responde por outro nome e a outro dono. Desde então, as coisas mudaram na plataforma, e a cena da decisão do banimento do presidente dos EUA parece até ficção de tão improvável hoje em dia.
No X, Donald Trump não precisa de papas na língua — nem ele, nem ninguém. Mas isso é realmente liberdade?
“Liberdade de expressão, nesse contexto, é um eufemismo para liberdade de engajamento”, defendem uma série de especialistas em redes sociais em um artigo na página Contente.Vc.
Tanto é que, quando Trump foi banido do Twitter, uma das maiores preocupações dos executivos foi justamente o impacto disso nos números de usuários ativos na rede social, que já enfrentava pressão de Wall Street por ser considerada praticamente obsoleta.
Remover Trump significava remover todo o gráfico de interações dele, que era parte significativa do gráfico total do Twitter.
Ou seja, ao empregar o discurso de liberdade total e se esquivar das responsabilidades sobre isso, as big techs criam o ambiente dos sonhos para uma rede social de sucesso em números. E por isso o discurso de liberdade de expressão parece uma boa forma de legitimar isso.
Até porque, nada mais perfeito para legitimar uma “causa”, em um momento no qual o discurso parece cada vez mais a representação de opostos políticos.
“Liberdade de expressão. Até mesmo a expressão em si ganhou, tristemente, um teor partidário tribal. A discussão se resume a ‘diga o que você quiser’ contra ‘leve em consideração o que os outros sentem’”, argumenta a consagrada autora nigeriana, Chimamanda Ngozi Adichie.
Para ela, o único remédio para o mau discurso, é mais discurso. Mas isso não significa que qualquer pessoa deveria poder sair dizendo o que quiser por aí.
“O absolutismo na liberdade de expressão só seria adequado em um mundo teórico habitado por ideias animadas, não seres humanos”, escreve em um artigo para a revista Quatro Cinco Um.
Tigrinho e o que fazemos com o resto?
Enquanto as coisas caminham para rolarem cada vez mais soltas no ambiente das redes sociais, não apenas os discursos de ódio e mentiras ganham espaço para florescer, mas também outros fenômenos, como as apostas online, englobadas em um único termo: Tigrinho.
Há algumas semanas, uma reportagem da Piauí viralizou ao mostrar a relação entre os influenciadores digitais e as casas de apostas pela internet.
O que mais revoltou os internautas foi a revelação sobre a influenciadora Virgínia, que ganha 30% do dinheiro que as pessoas influenciadas por ela a jogar perdem nessas plataformas.
Minha questão sobre isso é: até que ponto as plataformas de redes sociais devem permitir essas práticas? Seria o momento de regulamentar a profissão de influenciador digital?
Afinal, essas pessoas acumulam milhões de seguidores fazendo/dizendo qualquer coisa. Quem pode limitar a Virgínia propagando o Tigrinho dançando uma música que exalta as apostas na letra?
Enquanto isso, a responsabilidade está mesmo com você
O ambiente das redes caminha cada vez mais para jogar a responsabilidade pela moderação do conteúdo no colo dos usuários. Por isso, cresce também a necessidade de debatermos o nosso papel enquanto usuários das redes.
De que adianta reclamar da Virgínia se continuamos dando palco para ela e tantos outros influenciadores que adotam práticas semelhantes? Também cabe a nós selecionar quem seguir, a quem dar ouvidos e com quem engajar.
Por isso, fica o convite para você seguir o Seu Dinheiro nas redes, onde diariamente publicamos uma série de conteúdos responsáveis sobre o universo dos investimentos.
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Bom domingo e até a próxima!
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