Trump vai recuar e mesmo assim cantar vitória?
Existe um cenário onde essa bagunça inicial pode evoluir para algo mais racional. Caso a Casa Branca decida abandonar o tarifaço indiscriminado e concentrar esforços em setores estratégicos surgirão oportunidades reais de investimento.

Como era de se esperar, a guerra comercial desencadeada por Donald Trump segue ditando o ritmo dos mercados globais. Nos últimos dias, porém, alguns recuos da Casa Branca permitiram uma recuperação parcial dos ativos, depois do verdadeiro massacre que se seguiu ao anúncio das tarifas supostamente “recíprocas”.
A retomada dos mercados, contudo, tem sido lenta e desconfiada. Afinal, o pano de fundo segue inalterado: o consenso de menor crescimento para os EUA se consolida, enquanto o risco de choques inflacionários derivados das tarifas permanece no radar. Em outras palavras: os investidores até respiram, mas não largam o colete salva-vidas.
A grande dúvida, evidentemente, é se o protecionismo mais agressivo dos EUA veio para ficar — um novo regime estrutural — ou se tudo não passa de mais um capítulo caótico da já tradição trumpista de negociação.
Por ora, o mercado parece ter feito sua aposta: o excepcionalismo americano, que ancorou carteiras globais especialmente nos últimos anos, está sendo corroído em câmera lenta — mas de forma consistente.
- VEJA MAIS: ‘Efeito Trump’ na bolsa pode gerar oportunidades de investimento: conheça as melhores ações internacionais para comprar agora, segundo analista
Não à toa, o dólar escorregou para a mínima em seis meses, os Treasuries perderam sua aura de porto seguro, e os índices de ações dos EUA derreteram. Nada mais lógico: credibilidade, uma vez colocada em xeque, não se recompõe do dia para noite.
Trump começou sua guerra comercial acreditando que travaria uma disputa de fluxo comercial. Acabou criando um problema de crescimento econômico. E, no meio do caminho, produziu um dano reputacional considerável — uma crise de confiança.
Leia Também
É dentro desse cenário que novos recuos da Casa Branca funcionam muito mais como tentativas de contenção de danos do que propriamente como viradas de jogo. O problema, como sempre, é que a destruição de reputação é rápida.
Trump e o dano reputacional
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os EUA não foram apenas a maior economia do planeta — foram o fiador institucional da ordem econômica global. Eram eles que seguravam as pontas do comércio internacional, da estabilidade financeira e, principalmente, da previsibilidade geopolítica. Era uma questão de confiança.
Foram décadas construindo instituições multilaterais, fomentando a redução de tarifas, defendendo o livre fluxo de capitais e a resolução de conflitos dentro de um sistema de regras — regras que, vale lembrar, os próprios EUA ajudaram a escrever.
Pois bem. O problema central da crise atual não é só a tarifa de 145% sobre produtos chineses. O problema maior — e muito mais difícil de reverter — é o dano reputacional.
O que acontece com a arquitetura do comércio global quando justamente o arquiteto original resolve jogar fora o manual que ele próprio criou? Essa dúvida é o que está alimentando a desconfiança dos mercados — e explica o mau humor do mercado.
Ainda assim, nos últimos dias, vimos algum alívio. A decisão da Casa Branca de adiar por 90 dias a implementação das tarifas mais duras — estabelecendo uma alíquota padrão de 10% para quase todos os parceiros (com exceção óbvia da China) — trouxe ao menos um simulacro de previsibilidade para um cenário que beirava o descontrole.
Além disso, na sexta-feira à noite, o governo americano apresentou, em um memorando tardio, “esclarecimentos” sobre as exceções ao tarifaço — não por espírito conciliador, mas por pura necessidade política, já que havia cutucado o setor mais barulhento e influente da economia americana: o de tecnologia.
Na prática, o documento livra temporariamente da tarifa recíproca de 125% cerca de 20 categorias de produtos eletrônicos — justamente os itens mais sensíveis para o consumidor americano e para as grandes empresas.
Semicondutores, smartphones, computadores, cartões SD, TVs de tela plana. Estamos falando de algo próximo a US$ 390 bilhões em importações por ano — sendo mais de US$ 100 bilhões só da China.
Não parou por aí. Em mais um recuo, Trump também resolveu aliviar tarifas de 25% sobre peças automotivas.
O padrão, no entanto, permanece o mesmo: recuar quando necessário, mas vender isso como vitória. Trump não tem problema algum em dar dois passos para trás — desde que consiga gritar que, na verdade, avançou três.
Mas é bom não se enganar: o alívio das gigantes de tecnologia está longe de ser definitivo. Os produtos eletrônicos podem até ter escapado da tarifa recíproca de 145%, mas permanecem sujeitos à tarifa geral de 10% sobre todas as importações para os EUA e, se fabricados na China, enfrentam um adicional de 20%.
- VEJA MAIS: Vai declarar o Imposto de Renda pela primeira vez? GUIA GRATUITO ensina passo a passo para acertar as contas com o fisco
O veneno de Trump
Ocorre que, mais do que o nível das tarifas em si, o verdadeiro veneno está na natureza errática da política comercial.
Anuncia-se um tarifaço, depois recua-se em parte, depois volta-se a ameaçar, depois concede-se exceção, depois insinua-se que a exceção será retirada. Não é só sobre o custo das tarifas. É sobre a impossibilidade de se planejar diante de um governo que opera no improviso e na base da chantagem.
E aí reside o maior pecado econômico da atual política americana: não é só o protecionismo em si que assusta — é a completa imprevisibilidade.
O custo adicional de uma tarifa pode até ser absorvido ou repassado. Já o custo da incerteza é estrutural: corrói investimentos, desorganiza cadeias produtivas e mina a confiança no país que, ironicamente, sempre vendeu previsibilidade como principal ativo.
Fica cada vez mais claro o desenho por trás da estratégia de Trump: dissociar (decoupling), à força, os Estados Unidos de parte relevante do comércio global. Forçar uma redução dos déficits bilaterais e, de quebra, financiar cortes de impostos.
O problema? É uma visão romântica e anacrônica da economia americana. Não estamos em 1950. Os Estados Unidos não serão, de novo, a nação das fábricas de sapatos, torradeiras ou camisetas. A realidade logística, econômica e social de 2025 é outra.
Não há escala viável, não há custo competitivo e, convenhamos, não há trabalhador americano disposto a trocar um emprego de alto valor agregado, ar-condicionado e benefícios, por uma linha de montagem de baixa qualificação.
Claro que há espaço — e até necessidade — para uma rediscussão das cadeias globais de suprimentos, na questão do comércio internacional, sobretudo em setores críticos como tecnologia e defesa. Há argumentos sólidos para políticas industriais bem desenhadas em áreas estratégicas. Mas não é isso que estamos vendo.
O que temos hoje é muito menos um plano industrial — e muito mais um tarifaço improvisado, indiscriminado e, em muitos casos, contraproducente. Um protecionismo que não aponta para reindustrialização real, mas para inflação, incerteza e isolamento.
- VEJA TAMBÉM: Empresa brasileira que pode ‘surpreender positivamente’ é uma das 10 melhores ações para comprar agora – confira recomendação
O plano original?
Se há um exemplo do que deveria estar no centro da estratégia comercial americana, ele certamente passa longe de tarifas indiscriminadas sobre qualquer bem que cruze a fronteira.
Um caso emblemático dessa lógica correta foi o anúncio de que a Nvidia irá projetar e fabricar, pela primeira vez, supercomputadores de inteligência artificial inteiramente nos Estados Unidos. A gigante da tecnologia vai instalar unidades de produção de chips no Arizona e montar seus supercomputadores no Texas. Ótimo!
É exatamente esse o tipo de movimento — tecnologia de ponta, com alto valor agregado e relevância estratégica — que justificaria o esforço da Casa Branca.
A estratégia de Donald Trump, entretanto, parece ter sido pensada para tornar produtos importados artificialmente caros para, assim, empurrar os consumidores a comprarem produtos "Made in USA".
Na prática, o resultado penaliza as famílias americanas, encarece insumos para as próprias empresas locais, reduz a diversidade de produtos disponíveis e, ironicamente, dificulta ainda mais a vida da indústria doméstica.
Ainda assim, sejamos justos: existe, sim, um cenário onde essa bagunça inicial pode evoluir para algo mais racional. Caso a Casa Branca decida abandonar o tarifaço indiscriminado e concentrar esforços em setores estratégicos — tecnologia, semicondutores, infraestrutura crítica — surgirão oportunidades reais de investimento.
Mas para chegar lá, Trump precisará recuar em mais algumas frentes, sentar à mesa, negociar, ajustar o discurso e, acima de tudo, tentar recuperar parte da credibilidade perdida no início de seu segundo mandato.
Tudo isso, claro, sem jamais admitir que errou — porque, bem, sabemos com quem estamos lidando. Resta a dúvida: o mundo vai comprar essa reviravolta silenciosa como se fosse parte do plano original?
Com chuva de incertezas, nova stablecoin atrelada ao CPI dos EUA busca oferecer proteção inflacionária
A USDi acompanha o poder de compra do dólar, ajustando-se pela variação do Índice de Preços ao Consumidor (CPI) dos EUA a partir de dezembro de 2024
Ação da Embraer (EMBR3) sobe mais de 3% após China dar o troco nos EUA e vetar aviões da Boeing
Proibição abre espaço para a companhia brasileira, cujas ações vêm sofrendo com a guerra comercial travada por Donald Trump
Mais de 55% em dividendos: veja as empresas que pagaram mais que a Petrobras (PETR4) em 12 meses e saiba se elas podem repetir a dose
Ranking da Quantum Finance destaca empresas que não aparecem tanto no noticiário financeiro, mas que pagaram bons proventos entre abril de 2024 e março de 2025
O mundo vai pagar um preço pela guerra de Trump — a bolsa já dá sinais de quando e como isso pode acontecer
Cálculos feitos pela equipe do Bradesco mostram o tamanho do tombo da economia global caso o presidente norte-americano não recue em definitivo das tarifas
As empresas não querem mais saber da bolsa? Puxada por debêntures, renda fixa domina o mercado com apetite por títulos isentos de IR
Com Selic elevada e incertezas no horizonte, emissões de ações vão de mal a pior, e companhias preferem captar recursos via dívida — no Brasil e no exterior; CRIs e CRAs, no entanto, veem emissões caírem
Hermès ultrapassa LVMH e assume a liderança no topo do luxo mundial
Após um trimestre com resultado decepcionante, a LVMH de Bernard Arnault perde a liderança como marca mais valiosa no luxo global para a rival das bolsas Birkin
Dividendos da Petrobras (PETR4) podem cair junto com o preço do petróleo; é hora de trocar as ações pelos títulos de dívida da estatal?
Dívida da empresa emitida no exterior oferece juros na faixa dos 6%, em dólar, com opções que podem ser adquiridas em contas internacionais locais
Península de saída do Atacadão: Família Diniz deixa quadro de acionistas do Carrefour (CRFB3) dias antes de votação sobre OPA
Após reduzir a fatia que detinha na varejista alimentar ao longo dos últimos meses, a Península decidiu vender de vez toda a participação restante no Atacadão
Respira, mas não larga o salva-vidas: Trump continua mexendo com os humores do mercado nesta terça
Além da guerra comercial, investidores também acompanham balanços nos EUA, PIB da China e, por aqui, relatório de produção da Vale (VALE3) no 1T25
Como declarar financiamentos e empréstimos no imposto de renda 2025
Dívidas de valor superior a R$ 5 mil também devem ser informadas na declaração, mas empréstimos e financiamentos são declarados de formas distintas, o que exige atenção
Temporada de balanços 1T25: Confira as datas e horários das divulgações e das teleconferências
De volta ao seu ritmo acelerado, a temporada de balanços do 1T25 começa em abril e revela como as empresas brasileiras têm desempenhado na nova era de Donald Trump
Felipe Miranda: Do excepcionalismo ao repúdio
Citando Michael Hartnett, o excepcionalismo norte-americano se transformou em repúdio. O antagonismo nos vocábulos tem sido uma constante: a Goldman Sachs já havia rebatizado as Magníficas Sete, chamando-as de Malévolas Sete
Dá com uma mão e tira com a outra: o próximo alvo das tarifas de Donald Trump já foi escolhido
Mesmo tendo anunciado a suspensão das tarifas por 90 dias por conta do caos nos mercados, o republicano diz que as taxas são positivas e não vai parar
Vai dar para ir para a Argentina de novo? Peso desaba 12% ante o dólar no primeiro dia da liberação das amarras no câmbio
A suspensão parcial do cepo só foi possível depois que o governo de Javier Milei anunciou um novo acordo com o FMI no valor de US$ 20 bilhões
Um novo dono para o Instagram e WhatsApp: o que está em jogo no julgamento histórico da empresa de Zuckerberg
A Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos alega que a Meta, que já era dona do Facebook, comprou o Instagram e o WhatsApp para eliminar a concorrência, obtendo um monopólio
Bitcoin (BTC) sustenta recuperação acima de US$ 84 mil — mercado cripto resiste à pressão, mas token Mantra despenca 90% sob suspeita de ‘rug pull’
Trégua nas tarifas de Trump e isenção para eletrônicos aliviam tensões e trazem respiro ao mercado cripto no início da semana
Nvidia (NVDC34), queridinha da IA, produzirá supercomputadores inteiramente nos Estados Unidos
As “super fábricas” da Nvidia começarão a produção em escala industrial nos próximos 12 a 15 meses, divididas em 92 mil metros quadrados
Tabela progressiva do IR é atualizada para manter isento quem ganha até 2 salários mínimos; veja como fica e quando passa a valer
Governo editou Medida Provisória que aumenta limite de isenção para R$ 2.428,80 a partir de maio deste ano
Bolsas perdem US$ 4 trilhões com Trump — e ninguém está a salvo
Presidente norte-americano insiste em dizer que não concedeu exceções na sexta-feira (11), quando “colocou em um balde diferente” as tarifas sobre produtos tecnológicos
Alívio na guerra comercial injeta ânimo em Wall Street e ações da Apple disparam; Ibovespa acompanha a alta
Bolsas globais reagem ao anúncio de isenção de tarifas recíprocas para smartphones, computadores e outros eletrônicos