Mesmo com a Selic em queda, taxas do Tesouro Direto subiram e voltaram aos níveis de outubro de 2023; vale a pena investir agora?
Títulos públicos mais longos acumulam queda neste início de ano; no caso do Tesouro IPCA+ remuneração voltou a se aproximar dos 6% ao ano mais inflação
Desde meados do ano passado, a taxa básica de juros vem passando um ciclo de cortes que ganhou um novo capítulo na última quarta-feira (20). O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) fez uma nova redução de 0,50 ponto percentual na Selic, derrubando-a a 10,75% ao ano.
Bem antes do início do afrouxamento monetário, porém, as taxas de remuneração dos títulos públicos prefixados e indexados à inflação, sobretudo os de prazos mais longos, já vinham passando por uma forte redução, embutindo a expectativa de queda da Selic.
Afinal, elas guardam relação com os contratos de juros futuros, ativos que representam as expectativas do mercado para a taxa de juros e que geralmente se antecipam aos movimentos do Banco Central.
Assim, se em março de 2023 os títulos Tesouro IPCA+ estavam pagando acima de 6% ao ano mais IPCA, ao final do ano passado, quem comprasse esses papéis no Tesouro Direto só conseguiria contratar um retorno mais próximo de 5% ao ano mais IPCA.
Como resultado, vimos títulos de diversos vencimentos se valorizarem por volta de 20% ou mais no ano passado – lembre-se de que quando as taxas dos prefixados e indexados à inflação caem, os papéis se valorizam e vice-versa.
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Acontece que, neste início de ano, enquanto a Selic já passou por dois cortes de 0,50 ponto percentual, os retornos dos títulos prefixados e indexados à inflação do Tesouro Direto subiram, num movimento que pode parecer contraintuitivo para o investidor não profissional.
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Quem comprar esses papéis atualmente vai contratar, para o vencimento, taxas próximas das remunerações vistas em outubro do ano passado, quando os juros futuros tiveram um repique, levando a uma forte desvalorização dos títulos públicos. Estes porém, se recuperaram de novembro em diante, quando houve uma descompressão nas taxas.
Taxas dos títulos prefixados e indexados à inflação disponíveis para compra no Tesouro Direto
Título público | Rentabilidade anual |
Tesouro Prefixado 2027 | 10,10% |
Tesouro Prefixado 2031 | 10,93% |
Tesouro Prefixado com juros semestrais 2035 | 10,94% |
Tesouro IPCA+ 2029 | IPCA + 5,66% |
Tesouro IPCA+ 2035 | IPCA + 5,77% |
Tesouro IPCA+ 2045 | IPCA + 5,88% |
Tesouro IPCA+ com juros semestrais 2035 | IPCA + 5,76% |
Tesouro IPCA+ com juros semestrais 2040 | IPCA + 5,77% |
Tesouro IPCA+ com juros semestrais 2055 | IPCA + 5,82% |
O que está acontecendo com os títulos do Tesouro Direto?
O motivo para a alta das rentabilidades dos títulos públicos agora é parecido com aquele que levou as taxas a dispararem em setembro e outubro do ano passado: a política monetária americana.
“A movimentação da nossa curva de juros é 100% ligada ao que está acontecendo nos Estados Unidos”, diz Lais Costa, analista de renda fixa da Empiricus.
Em setembro de 2023, o comunicado que acompanhou a decisão de juros do Federal Reserve, o banco central americano, veio mais duro que o esperado, levando o mercado a acreditar que os juros permaneceriam elevados por mais tempo que o previsto inicialmente.
Isso provocou uma disparada nos juros dos Treasurys, os títulos do Tesouro americano, afetando também as taxas dos títulos públicos brasileiros. Com os juros nos EUA na faixa de 5,25% a 5,50% ao ano, os bancos centrais de países emergentes, como o Brasil, ficam sem muito espaço para baixar seus juros básicos – até porque juros americanos e dólar elevados são fatores que pressionam a inflação no mundo todo.
Neste início de ano, o mercado vem novamente levando baldes de água fria dos dados econômicos americanos, que ainda mostram uma atividade forte e inflação persistente.
As falas do presidente do Fed, Jerome Powell, e dos diretores da instituição têm mantido o tom cauteloso, embora ontem o BC americano tenha confirmado a expectativa do mercado de três cortes de juros ainda neste ano, o que foi bem recebido pelos investidores.
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No final do ano passado, contudo, os investidores esperavam que o BC americano iniciasse o ciclo de cortes de juros ainda em março de 2024, mas essa expectativa veio se mostrando excessivamente otimista.
À medida que o tempo foi passando, os investidores foram jogando para frente suas expectativas para o primeiro corte de juros nos EUA, que passou para maio e agora já está em junho ou além.
Essas frustrações de expectativas impulsionaram os juros dos Treasurys e dos títulos públicos brasileiros novamente para cima – consequentemente, nossos papéis acumulam desvalorização no ano.
Retorno dos títulos prefixados e indexados à inflação em 2024
Títulos públicos | Rentabilidade em 2024 |
Tesouro IPCA+ com juros semestrais 2024 | 2,76% |
Tesouro IPCA+ 2024 | 2,74% |
Tesouro prefixado 2024 | 2,35% |
Tesouro prefixado 2025 | 2,11% |
Tesouro prefixado com juros semestrais 2025 | 2,10% |
Tesouro prefixado 2026 | 1,41% |
Tesouro IPCA+ com juros semestrais 2026 | 1,30% |
Tesouro IPCA+ 2026 | 1,13% |
Tesouro prefixado com juros semestrais 2027 | 1,03% |
Tesouro prefixado com juros semestrais 2029 | -0,05% |
Tesouro IPCA+ com juros semestrais 2030 | -0,22% |
Tesouro IPCA+ 2029 | -0,36% |
Tesouro prefixado 2029 | -0,83% |
Tesouro IPCA+ com juros semestrais 2032 | -0,94% |
Tesouro prefixado com juros semestrais 2031 | -1,04% |
Tesouro prefixado com juros semestrais 2033 | -1,46% |
Tesouro IPCA+ com juros semestrais 2035 | -1,72% |
Tesouro IPCA+ com juros semestrais 2040 | -2,36% |
Tesouro IPCA+ com juros semestrais 2045 | -2,98% |
Tesouro IPCA+ 2035 | -3,20% |
Tesouro IPCA+ com juros semestrais 2050 | -3,54% |
Tesouro IPCA+ com juros semestrais 2055 | -4,08% |
Mas há também um fator local para esse fenômeno: o fato de o Brasil já estar se aproximando do fim do ciclo de cortes de juros. Com a perspectiva de início dos cortes nos EUA empurrada para frente, o mercado já começou a temer que o BC afinal não terá muito espaço para um afrouxamento monetário maior.
Os investidores passaram a temer também um endurecimento do discurso do Banco Central na decisão de juros, o que realmente aconteceu ontem, quando o Copom passou a prever somente mais uma redução de 0,50 ponto percentual, para a próxima reunião.
Não se sabe ainda se os cortes parariam por aí ou se poderia haver cortes menores ou maiores nas próximas reuniões.
A expectativa dos economistas ouvidos pelo último Boletim Focus do Banco Central é de que a Selic termine o ano em 9,00% ao ano. Essa perspectiva pode mudar agora, com a alteração das previsões do Banco Central, mas pelo menos as notícias que vieram dos Estados Unidos na tarde de ontem animaram os mercados e derrubaram os juros futuros.
Vale a pena comprar títulos públicos agora?
Dito isto, é possível dizer que as taxas dos títulos do Tesouro Direto estão atrativas? A resposta é sim. Taxas próximas dos 6% ao ano mais inflação para Tesouro IPCA+, por exemplo, são historicamente elevadas, marcando em geral um bom ponto de entrada para o investidor.
“Os títulos Tesouro IPCA+ estão com taxas nos níveis de quando o Brasil tinha muito mais risco fiscal, que é o parâmetro para os títulos mais longos. Então nesses títulos eu acho que tem ‘gordura’”, diz Lais Costa, da Empiricus.
Ela lembra que o CDS do Brasil – derivativo que funciona como um “seguro” contra o risco-país – está hoje em um dos seus menores níveis históricos, mostrando que a percepção de risco fiscal do país por parte dos investidores está baixa.
Para a analista, os títulos Tesouro IPCA+ mais longos se mostram neste momento mais interessantes até mesmo que as debêntures incentivadas, que também são indexadas à inflação, porém emitidas por empresas.
Mesmo com a isenção de imposto de renda para a pessoa física, os retornos desses papéis foram achatados pela forte demanda recente, diante de mudanças em títulos incentivados implementadas pelo CMN neste início de ano.
Quem investir em Tesouro IPCA+ por agora, assim, tem a chance de garantir uma remuneração elevada até o vencimento do papel ou lucrar com a possível valorização do título quando os juros futuros caírem novamente.
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