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Julia Wiltgen
Julia Wiltgen
Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com pós-graduação em Finanças Corporativas e Investment Banking pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Trabalhou com produção de reportagem na TV Globo e foi editora de finanças pessoais de Exame.com, na Editora Abril.
Em busca da isenção perdida

Debêntures incentivadas viraram o porto seguro da isenção de IR, mas ainda valem a pena?

Títulos de dívida emitidos por empresas estão entre os melhores investimentos do ano, com alta de mais de 3,50%; em 12 meses, ganhos ultrapassam 18,50%. Mas depois de toda essa valorização, taxas continuam atrativas?

Julia Wiltgen
Julia Wiltgen
4 de abril de 2024
6:36 - atualizado às 18:47
Leão observa do litoral uma ilha com um porto e navios
Investidores buscaram nas debêntures incentivadas um porto seguro contra o imposto de renda. Imagem: Seu Dinheiro/ChatGPT

Enquanto a Selic cai e os títulos públicos prefixados e indexados à inflação se desvalorizam, um segmento do mercado de renda fixa tem observado forte alta neste início de ano, figurando entre os melhores investimentos de 2024: as debêntures.

No ranking dos investimentos do Seu Dinheiro, esses títulos de dívida emitidos por empresas aparecem em terceiro lugar no pódio das maiores altas do primeiro trimestre, atrás apenas do bitcoin e do ouro.

O IDA-Geral – índice de debêntures calculado pela Anbima, entidade que reúne as empresas do mercado de capitais – subiu 3,70% no acumulado dos três primeiros meses do ano, puxado sobretudo pelos títulos indexados ao CDI, que tiveram alta de 3,76% no período.

Isentas de imposto de renda, as debêntures incentivadas de infraestrutura, por sua vez, se valorizaram 3,67% no primeiro trimestre. Em 12 meses, tanto as debêntures incentivadas quanto o IDA-Geral avançam mais de 18,50%.

Foram vários os fatores que puxaram para cima os preços das debêntures (entraremos neles no próximo tópico desta reportagem), mas neste início de ano o fator decisivo foi a mudança de regulação que restringiu a emissão ou aumentou os prazos de carência de outros títulos de renda fixa isentos de IR.

Na sede por ativos isentos, os investidores migraram em peso para as debêntures incentivadas, ocasionando um aumento na demanda e, consequentemente, no preços.

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Porém, é preciso lembrar que, no caso das debêntures prefixadas e indexadas à inflação, o aumento dos preços representa uma queda nas taxas de remuneração, o que significa que esses papéis estão agora com remunerações bem menores para quem os adquirir agora.

Assim, as dúvidas que ficam são: esse movimento de alta das debêntures deve continuar? As taxas ainda estão atrativas e vale a pena entrar? Ou é melhor ficar de fora e esperar a situação se normalizar, talvez com um aumento da oferta, que puxe novamente os preços para baixo? E para quem tem esses ativos na carteira, é hora de vender?

5 motivos para as debêntures terem se valorizado tanto

A alta recente nos preços das debêntures pode ser explicada por uma série de fatores, como:

1. Recuperação dos efeitos Americanas e Light

A descoberta da fraude contábil nas Americanas e a recuperação judicial da Light no início do ano passado derrubaram os preços não só das debêntures dessas duas companhias, pelo aumento do risco de calote, como do mercado como um todo, dada a crença de que a crise nas duas empresas contaminaria fornecedores, clientes, credores e concorrentes.

Na ocasião, abriram-se muitas oportunidades de compra de papéis de bons emissores com taxas elevadas, e eventualmente esses títulos se recuperaram. “Compramos um monte de papéis de emissores triplo A [os melhores pagadores] pagando uma taxa de IPCA + 8% ao ano em 2023”, conta Artur Nehmi, gestor da Sparta, casa especializada em renda fixa.

2. Mudança na tributação dos fundos exclusivos

Recentemente, os fundos exclusivos, veículos de investimento destinados a famílias mais abastadas, deixaram de ser tributados apenas no resgate e passaram a ter come-cotas, tributação semestral incidente sobre fundos como os de renda fixa e os multimercados.

Com isso, tem havido forte migração de recursos para alternativas com tributação mais amigável, como as debêntures isentas de IR. Houve a criação de novos fundos para investir nesse tipo de papel, até mesmo fundos exclusivos de debêntures incentivadas, que contam com uma vantagem: flexibilidade de alocação nos primeiros seis meses, podendo investir mais em títulos tributados sem perder a isenção, o que turbina o retorno.

3. Mudança na regulação de LCI, LCA, CRI e CRA

Em fevereiro, o Conselho Monetário Nacional (CMN) anunciou mudanças nas regulações de títulos de renda fixa isentos de imposto de renda, como restrições aos tipos de emissores e garantias de CRIs e CRAs e aumentos nos prazos de carência para resgate ou vencimento de LCIs e LCAs – de três para 12 e nove meses, respectivamente.

As novas regras ocasionaram uma redução nas emissões desses títulos e uma migração em massa das pessoas físicas para debêntures isentas e fundos de debêntures incentivadas. Não só pela busca por ativos de renda fixa isentos alternativos como por um temor de que as próprias debêntures incentivadas sofressem mudança em algum momento.

4. Apetite dos fundos de investimento em crédito privado

A alta da demanda por debêntures não veio apenas de pessoas físicas em busca da isenção de IR das incentivadas. Este início de ano também tem sido marcado pela volta na captação de fundos de renda fixa de grandes bancos, não só de crédito privado, como também os fundos DI, mais tradicionais, que também podem alocar em títulos privados.

Esses investidores institucionais têm apetite sobretudo pelas debêntures de menor risco de crédito, emitidas por empresas com bom rating, o chamado crédito high grade. A boa performance dos fundos de crédito, isentos ou não, do ano passado para cá, por si só já tem atraído mais cotistas e recursos.

5. Incerteza regulatória levou mercado a ‘segurar’ emissões

Embora as taxas estejam mais baixas agora, o que é um estímulo para as emissões de dívida a um custo menor para as empresas, a falta de clareza quanto a possíveis mudanças nas debêntures incentivadas e o atraso na regulamentação das novas debêntures de infraestrutura estão “segurando” um pouco a oferta.

Este último ponto impede que as empresas consigam calcular se é mais vantajoso emitir debêntures incentivadas ou de infraestrutura (que têm isenção de imposto apenas para o emissor). “A empresa que consegue esperar alguns meses [para emitir] está esperando”, diz o gestor da Sparta.

O mercado exagerou na busca desenfreada pela isenção de IR?

Sejam debêntures incentivadas ou não, compradas diretamente ou por meio de fundos, fato é que os títulos de crédito privado emitidos por empresas se valorizaram um bocado no último ano e estão com taxas bem mais baixas agora.

Apenas neste início de ano, o prêmio (spread) desses papéis no mercado secundário – remuneração acima da rentabilidade do título público de prazo equivalente – caiu de 0,30 a 0,50 ponto percentual.

Há quem acredite, no mercado, que houve até um certo exagero nessa busca desenfreada pela isenção de imposto de renda, o que tem feito alguns investidores darem menos importância para o risco dos papéis e aceitarem remunerações baixas demais.

Afinal, debêntures são emitidas por empresas ou financiam projetos específicos de infraestrutura, sendo mais arriscadas, por exemplo, que títulos públicos, que são garantidos pelo governo. O investidor fica exposto ao risco da empresa ou do projeto, e não há proteção do Fundo Garantidor de Créditos (FGC).

“Está havendo uma demanda até irracional. Teve gente comprando debênture incentivada no mercado secundário que pagava até menos que o título público equivalente. O investidor prefere não pagar IR do que ganhar mais num título público”, diz Lais Costa, analista de renda fixa da Empiricus, que lembra que chegou a haver emissões com remunerações sem prêmio em relação ao título público equivalente.

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Diante de toda essa valorização, debêntures ainda valem a pena?

Por um lado, existe uma visão de que a força compradora no mercado de crédito privado vai permanecer pelo menos ao longo deste ano, uma vez que mais recursos devem migrar para as debêntures à medida que LCIs, LCAs, CRIs e CRAs vencerem.

Além disso, as debêntures incentivadas e os fundos que investem nesses papéis podem ainda fazer sentido para a pessoa física mesmo com remunerações baixas. A isenção de IR pode manter seus retornos atrativos, dado que os títulos públicos são tributados – desde que estejamos falando de emissores de baixo risco, claro.

Finalmente, é preciso lembrar que, mesmo com a Selic em queda, o juro real (acima da inflação) no país ainda está elevado, o que deve manter por um bom tempo a atratividade da renda fixa – mesmo a de menor risco.

Esses são alguns dos argumentos do Santander, que divulgou nesta semana um relatório afirmando que debêntures incentivadas continuam atrativas. O banco fez um levantamento com os spreads desses papéis nos últimos anos e concluiu que eles ainda estão acima dos níveis de 2021 e boa parte de 2022.

Segundo o estudo, hoje os títulos Tesouro IPCA+ de prazo médio de 5 anos pagam 5,10% + IPCA ao ano, enquanto os títulos de crédito privado equivalentes pagam em média 5,67% + IPCA, o que o banco ainda considera atrativo com a isenção de IR das incentivadas.

“Dadas as projeções de mercado para esse período, esse retorno é equivalente a aproximadamente 120% do CDI bruto”, escreve Samuel Ferrarezi, estrategista de investimentos do Santander, que acrescenta que uma queda nos juros reais brasileiros pode ainda puxar uma valorização desses papéis.

“Enquanto tivermos esses níveis de juros, com CDI em torno de 9% ao ano ou acima e juro real elevado, vai ter demanda por crédito privado, o que traz uma dinâmica positiva de preços. Não é como em 2020, quando os juros caíram para 2%. Não vemos o dinheiro migrando em peso para o risco nos próximos 12 meses”, diz Daniel Borini, analista senior de crédito privado da AZ Quest.

Ele admite, porém, que um fundo de crédito privado que esteja captando agora para alocar em debêntures com as taxas atuais realmente não terá um trabalho fácil.

Para Vivian Lee, sócia, co-CIO e gestora da estratégia de crédito da Ibiuna Investimentos, o investidor deveria sempre ter crédito privado na carteira, respeitando-se o seu perfil, mas para quem for entrar agora, é preciso ter cuidado.

“Deve-se olhar caso a caso. Os fatores técnicos ainda sao favoráveis, pois o fluxo de recursos para esse mercado no ano tende a ser positivo. Com a perspectiva de que a Selic chegue a 9% ao fim do ciclo de cortes, as taxas ainda fazem sentido para a pessoa física”, diz.

Ela ressalva, no entanto, que há um risco maior ao se apostar em papéis de prazos mais longos em um momento em que as taxas estão próximas das mínimas. Além disso, a oferta de debêntures tende a aumentar, o que deve, em algum momento, normalizar o mercado, podendo ocasionar uma queda nos preços e aumento nas taxas.

“Tem muita emissão para ser feita em infraestrutura. O país vai precisar de financiamento para R$ 150 bilhões em investimentos, saneamento básico tem muita demanda de recursos”, observa Lee, que acrescenta que o momento é propício para novas emissões, pelas taxas baixas. “É só ter cautela e não investir por investir.”

Pode ser hora de vender

Gilberto Paim, sócio e gestor dos fundos de crédito da Galapagos Capital, acredita, por outro lado, que há muito risco agora no mercado de crédito privado.

Ele considera que os prazos dos títulos estão longos demais para taxas tão pequenas e diz que, embora o risco de calote dos emissores geralmente seja baixo, os spreads achatados não compensam. Mesmo o risco fiscal do país, acrescenta ele, pode acabar levando as taxas a aumentarem – e os preços a caírem – eventualmente.

“Há um certo exagero nessa busca do investidor por isenção. O único aspecto que estão olhando é a isenção, mas há outras coisas para olhar, como o risco de crédito e a volatilidade dos papéis. Se você só vai ganhar algo como 0,5% acima da remuneração de um Tesouro IPCA+, não remunera nem o risco de crédito do papel. E no longo prazo é bem possível que o preço do título tenha solavancos”, alerta.

Assim como os títulos públicos, as debêntures levadas ao vencimento pagam a remuneração contratada. Mas, com prazos longos, o risco de o investidor não querer ou não poder ficar com o papel até o vencimento é alto, e na venda antecipada paga-se o preço de mercado, que sobe e desce dia a dia.

Até por isso, Paim acredita que, para quem já tinha debêntures na carteira e se beneficiou da valorização recente, é um bom momento para vender uma parte e realizar um pouco desse lucro.

“A gente entende que essa tendência não se mantém no médio prazo, deve haver um retorno ao nível anterior de taxas históricas, e tudo isso vai ser apimentado pela liquidez restrita do mercado”, conclui.

Lais Costa, da Empiricus, também não considera atrativas neste momento as taxas das debêntures, mesmo as incentivadas. Levando em consideração os riscos de crédito e liquidez, ela inclusive prefere os títulos públicos indexados à inflação, os Tesouro IPCA+, mesmo com a cobrança de imposto de renda.

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Prefira investir em debêntures incentivadas via fundos

Se para quem já tem debêntures ou fundos de crédito privado na carteira hoje pode não ser o caso de investir mais – e pode-se até resgatar uma parte para realizar os ganhos recentes –, para quem ainda não tem esse tipo de investimento na carteira, há risco em comprar diretamente agora.

Assim, o mais indicado é se posicionar por meio de fundos, uma vez que gestores profissionais têm melhores condições de avaliar o risco-retorno de cada papel. Além disso, o custo de investir em debêntures diretamente, bem como o sacrifício na rentabilidade na venda antecipada, podem ser muito grandes e comer boa parte do retorno do investidor.

Isso fora a dificuldade de acesso à informação. “É diferente da negociação de ações em bolsa de valores. A negociação de debêntures é feita no mercado de balcão, onde a desigualdade informacional é gigantesca”, diz Artur Nehmi, da Sparta.

O gestor recomenda às pessoas físicas se expor a crédito privado por meio de fundos de debêntures incentivadas, que mantêm a isenção de imposto de renda dos títulos que compõem a sua carteira. Os fundos de crédito privado tributados, explica, são mais indicados para investidores institucionais, para quem a isenção não faria diferença.

Lais Costa, da Empiricus, gosta dos fundos de debêntures incentivadas listados em bolsa, que em momentos como o atual, de taxas achatadas, conseguem fazer novas emissões de cotas, abrindo um novo fundo master e aproveitando aquela flexibilidade dos primeiros seis meses.

Dentre os que fizeram emissões recentemente, ela gosta do BDIF11, do BTG Pactual. Outro fundo que não chegou a fazer captação recente, mas que ela também recomenda, é o JURO11, da Sparta.

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