Solidão, futuro cancelado e as corridas de 10 km: o mundo visto pelas lentes do Instagram e do TikTok em 2024
Quem costuma ler meus textos por aqui, sabe que gosto de começar com algum detalhe sobre mim. Os livros que gosto, os que odeio, alguma experiência da minha vida, algo que ouvi falar…
Assim, vamos nos tornando mais íntimos um mês de cada vez. O texto de hoje é um desses.
Quero falar sobre sonhos… Mais especificamente os meus de quando eu tinha 5 ou 6 anos. Na época, o mundo parecia estar a alguns anos de se curvar diante de uma realidade qualquer que eu inventasse.
Eu queria ser uma atriz, uma dançarina, uma espiã e inventar a ‘cura’ para o… cabelo cacheado. À noite, sonhava com elefantes tendo aula de português comigo. Hoje eu sonho que estou atrasada para o trabalho, ou que deixei carne no balcão e estragou.
E não estou sozinha. É geracional.
O que me leva ao que quero falar hoje: o que as principais tendências das redes sociais em 2024 revelam sobre nós? Será que elas são uma prova de que temos sonhado menos (no sentido figurado)?
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O viralismo no TikTok e Instagram: a maior das tendências
Há algumas semanas a internet alavancou ao estrelato uma mulher que não precisou dizer sequer uma palavra para conquistar mais de 2 milhões de seguidores no Instagram: a moça que não deu lugar para uma criança na janela do avião, Jennifer Castro.
Uma pessoa que vivia uma vida normal até, sem mais nem menos, receber propostas de publi para marcas como Magazine Luiza. Ela faz parte da imensa lista de personalidades que saíram “do nada” para se tornarem estrelas de nicho — principalmente no TikTok.
Assim como a “menina que pintou a unha de branco pela enésima vez para ser pedida em casamento”, Mariana Dias.
Para citar alguém conhecido pelo nome (ou quase isso): Manu Cit, ex-estudante de medicina que largou tudo depois de bombar no TikTok com sua rotina heroica de corridas e exercícios físicos. Hoje ela está rica e é dona de vários negócios.
Elas são uma expressão de algo que tem povoado nosso imaginário desde que o TikTok veio com sua revolução algorítmica dando a promessa de fortuna a qualquer um que conseguisse engajar um público por uns segundos. O sucesso está logo ali.
É o fenômeno do Viralismo. Segundo os pesquisadores e psicanalistas Andre Alves e Lucas Liedke, isso pode ser descrito como:
"O empuxo que nos convoca a fazer parte de qualquer acontecimento e capitalizar em cima. É enxergar o novo ano como 365 oportunidades de hitar, lacrar, lotar caixas de comentários, chuva de likes — a premissa fundamental de que exposição é potencial de sucesso”.
Assim, vamos focando as nossas perspectivas em algo momentâneo, e a vida entre um viral e outro perde o apelo para os criadores de conteúdo, enquanto o público passa a viver ávido por encaixar a própria existência nas molduras que passamos o dia inteiro consumindo.
Os momentos difíceis e nada instagramáveis que nós passamos parecem uma “quase vida”, como se tudo que não é publicável fosse uma pausa da nossa experiência da Terra.
Tanto é que a palavra do ano do dicionário Oxford foi Brain Rot, algo como apodrecimento do cérebro. Como um reflexo dessa nossa tendência de passar horas nas redes com o cérebro desligado, permitindo que aquelas imagens colonizem nosso subjetivo.
“A experiência nas mídias sociais é tão avassaladora e tão rápida que vão se formando alguns ‘nódulos’ dentro do nosso psiquismo, muita coisa que vai ficando acumulada”, explica o psicanalista e pesquisador André Alves no episódio “Viralismo”, do podcast Vibes em análise.
Os sonhos ‘cancelados’
“Não são poucos os jovens que trocam sua capacidade de reflexão, de pensamento, de cifração do real, pela cifração imagética, pela cultura de narcisismos e pela sociedade do espetáculo”, explica Marcelo Ricardo Pereira, doutor em psicologia pela USP em um artigo para a revista Cult.
O contexto do artigo é um tema latente no nosso tempo: o desaparecimento do futuro, uma tese do pensador e escritor Mark Fisher — apontado como o Walter Benjamin do nosso tempo.
E é aqui que entram os sonhos.
O pensamento central de Fisher gira em torno do fato de estarmos cada vez mais incapazes de sonhar com um futuro coletivo e isso nos coloca em um marasmo social que tem tudo a ver com o que temos visto nas redes sociais, principalmente em 2024.
Tanto é que cerca de 75% dos jovens brasileiros sonham em virar ‘influencers’, segundo uma pesquisa da INFLR, startup especializada em marketing de influência.
Diante de condições econômicas cada vez mais incertas (tema que eu exploro melhor neste texto), uma profissão formada por segundos de sucesso aparece como o destino mais sólido.
“A solidez do futuro parece ter desmanchado no ar. Aceleramos cada vez mais, porém não saímos do lugar, como se vivêssemos em um presenteísmo sem fim no qual não se consegue produzir nenhuma mudança, tampouco alguma transformação social”, diz a psicanalista Rose Gurski também em um artigo para a revista Cult.
Não é de se estranhar que a frase “eu tenho TDAH” tenha virado meme entre os os jovens.
O mais interessante é que, agora, o futuro que nos é prometido carrega mais a jura de destruição do que de progresso — com a forte ideia de que a inteligência artificial vai tomar todos os empregos, a rápida deterioração do meio ambiente e assim por diante.
Será que na sociedade do ‘cancelamento’, o futuro é a maior vítima?
O novo hedonismo no TikTok e Instagram?
Historicamente, a desesperança cria gerações hedonistas — Carpe Diem!. Agora não é diferente, mas ao mesmo tempo é…
Minha teoria é que o hedonismo mudou um pouco de rosto. Se no Renascimento as pessoas queriam buscar um alento para a existência com experiências carnais pouco saudáveis, agora elas buscam experiências virtuais não muito mais saudáveis.
Se tudo está acabando…
- Por que não passar horas no TikTok?
- Por que não “se mimar” comprando mais um produto gastando todo seu dinheiro em um produto?
- Por que ficar até mais tarde no trabalho para cumprir um prazo?
Por que aceitar o convite para sair de um amigo, se ficar em casa é tão mais confortável? O que nos leva ao próximo ponto.
A solidão, a promessa de independência absoluta e a falácia do self improvement
Diante de tudo isso, três fenômenos latentes nesta geração se tornam cada vez mais recorrentes nas redes sociais e eles parecem estar interligados: a solidão, a promessa de independência absoluta e a obsessão pelo self improvement, ou auto-aprimoramento.
Estamos enfrentando uma crise de sociabilidade que nos empurra para uma valorização extrema do “eu”.
Basta passar alguns minutos nas redes sociais e você vai encontrar toneladas de conteúdos como:
- “Você não precisa do outro para ser feliz, corra 10 km, entre em uma academia e foque em você”;
- “Você não precisa de um amor, precisa de um salário de R$ 10 mil”;
- “Se você fica ocupado demais em você, nem vai notar a dor que o outro te causa”.
À medida que a escassez de lugares de sociabilidade gratuitos aumenta cada vez mais, o foco da geração se vai para o “self”, no que parece uma tentativa de suprir esse vazio. Como se só com a independência absoluta fosse possível atingir “nossa melhor versão”.
Segundo um relatório do Cirurgião-Geral dos EUA, Vivek Murthy, sobre a Epidemia de Solidão e Isolamento, as pessoas realmente estão ficando mais sozinhas.
O número de americanos que vivem sozinhos mais do que dobrou desde 1960.
O tempo que as pessoas passam sozinhas aumentou de 285 minutos por dia em 2003 para 333 minutos por dia em 2020. O tempo que as pessoas passam com amigos pessoalmente diminuiu de 60 minutos por dia em 2003 para 20 minutos por dia em 2020.
Além disso, a proporção de americanos que sentem que podem confiar em outros americanos caiu de cerca de 45% em 1972 para cerca de 30% em 2016.
“Mas essa é uma grande armadilha narcísica do nosso tempo, a de uma promessa de Independência absoluta. É como tentar negar uma das maiores verdades da existência humana, que é como a gente é dependente”, reflete o psicanalista Lucas Liedke no podcast Vibes em Análise.
Sobre 2024 é isso, mas a meta para 2025 é…
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Como não vamos nos falar até ano que vem. Boas festas e feliz ano novo!
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