Como a Embraer (EMBR3) passou de ameaçada pela Boeing a rival de peso — e o que esperar das ações daqui para frente
Mesmo com a disparada dos papéis em 2024, a perspectiva majoritária do mercado ainda é positiva para a Embraer, diante das avenidas potenciais de crescimento de margens e rentabilidade

A Embraer (EMBR3) deu uma verdadeira guinada na trajetória nos últimos anos. Numa reviravolta digna dos clássicos, a fabricante de aeronaves passou de uma empresa ameaçada antes da pandemia para se tornar um dos maiores nomes da indústria de aviação global e detentora do título de maior alta do Ibovespa em 2024.
As ações EMBR3 mais do que dobraram de preço desde o início do ano, com valorização acumulada de 143% na bolsa brasileira. Já os ADRs (recibos de ações) negociados em Wall Street sob o ticker ERJ subiram 107% desde janeiro.
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Nos últimos anos, a Embraer entrou para o pódio de principais players do mercado mundial de aviação, ao lado da estadunidense Boeing — em crise — e da francesa Airbus — que também enfrenta dificuldades operacionais.
Apesar da “pernada” dos papéis neste ano, a fabricante brasileira de aeronaves ainda vale cerca de 30% menos do que as suas maiores concorrentes globais em termos de múltiplos.
O valuation da Embraer é estimado em um múltiplo de 9 vezes o valor de firma sobre Ebitda (EV/Ebitda) para 2025, segundo o consenso Bloomberg, enquanto a Boeing hoje é avaliada a 29 vezes e a Airbus é negociada a 10 vezes o EV/Ebitda para o ano que vem.
Na avaliação de analistas, não há motivos que justifiquem tamanho desconto, já que a empresa brasileira de aviação hoje encontra-se em uma situação mais favorável que suas concorrentes.
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“É comum pensar que a Embraer deveria negociar com múltiplos menores simplesmente por ser uma empresa brasileira. Mas por que ela não deveria estar em um patamar parecido com a Boeing, que tem tido uma série de problemas nos produtos, enquanto a qualidade da engenharia da Embraer é reconhecida mundialmente? Ela não deveria ter desconto em termos de múltiplos, porque nem de longe passou por questões parecidas com as da rival norte-americana. A Embraer opera superbem, e quando você une o crescimento de margem e a rentabilidade que ela terá com a boa reputação, isso deveria se traduzir em um múltiplo justo maior”, afirmou João Victor Parente, analista de ações da AZ Quest.
De alvo de compra a rival direta
A Embraer (EMBR3) é um caso clássico de reviravolta operacional e financeira. Antes da pandemia de covid-19, a companhia enfrentava desafios significativos no mercado de aviação — e chegou a registrar em 2018 o primeiro prejuízo em 21 anos.
Na época, a fabricante de aeronaves chegou a entrar na mira da Boeing, que fez uma oferta de US$ 5 bilhões para comprar a maior parte da operação de aviação comercial em 2018.
No entanto, dois anos depois, veio a crise do novo coronavírus. A pandemia resultou numa derrocada na demanda por viagens e fez com que empresas aéreas pelo mundo inteiro suspendessem os planos de renovar ou expandir as frotas.
A fraca demanda do setor bateu diretamente nas fabricantes de aeronaves, como a Boeing, que enfrentava ainda problemas com os jatos 737 MAX, e a própria Embraer.
Em 2020, a Boeing desistiu do negócio. A Embraer então deu início a uma longa disputa extrajudicial sobre os custos de separação nos quais incorreu na preparação para a venda na sua divisão comercial, imbróglio este que teve fim apenas neste ano, com um acordo no processo de arbitragem para o pagamento de US$ 150 milhões pela Boeing.
Depois da frustração com a finada fusão com a Boeing e de inúmeros balanços no vermelho, nos últimos anos, a Embraer decidiu iniciar um processo de reinvenção, com foco em rentabilidade e eficiência operacional sob a nova gestão.
Uma das beneficiadas pela retomada do setor aéreo no pós-pandemia, a brasileira conseguiu deixar para trás o prejuízo e consolidar sua posição no mercado global nos anos que se passaram, elevando margens e expandindo a carteira de pedidos.
A fase atual da Embraer continua com foco em crescimento de rentabilidade, com todas as quatro divisões de negócios — comercial, executiva, defesa e suporte — apresentando bom desempenho e expectativa de aumento nas margens.
A crise nas principais rivais
A Embraer também se beneficia da atual crise enfrentada pelas rivais Boeing e Airbus, que vivenciam problemas de produção e não estão conseguindo entregar aviões para os clientes em prazos razoáveis.
Para Mariana Campos, analista de equity research da Kinea, a fabricante brasileira hoje tem capacidade de entregar seu jato comercial (o modelo E2) mais rapidamente que as concorrentes, o que a torna uma opção atraente para as companhias aéreas.
“Se só tem três players no mercado e dois deles estão com problemas, o mercado inevitavelmente vai dar mais atenção para a Embraer”, afirmou a analista.
Além de enfrentar uma crise reputacional desde janeiro, quando vivenciou problemas com um de seus principais jatos, a Boeing ainda teve que atravessar uma greve de funcionários de quase dois meses, que adicionou pressão às finanças e teve um impacto econômico estimado em cerca de US$ 10 bilhões.
Já a Airbus, que recebeu muitos pedidos após a pandemia, hoje enfrenta problemas de capacidade de produção para entregá-los rapidamente.
Para se ter ideia, uma encomenda do modelo A220, que compete com o E2 da Embraer, demora entre seis a oito anos para ser entregue, enquanto a brasileira tem prazo médio de três anos.
Recentemente, a fabricante francesa inclusive cortou o guidance de entregas para 2024 em meio a fortes pressões operacionais no segundo trimestre.
Enquanto isso, a Embraer se beneficia da maior verticalização em comparação com os principais concorrentes, o que reduz a vulnerabilidade a gargalos na cadeia de suprimentos.
A companhia ainda está entrando em um período de “colheita” dos frutos — e do caixa — dos investimentos feitos na produção do E2. A brasileira havia interrompido a produção de vários aviões executivos antes da pandemia, focando nas linhas que mais vendem, o que se mostrou uma estratégia eficaz no longo prazo.
A diretoria da Embraer destacou na última segunda-feira (18) que vê oportunidades atraentes de expansão na Ásia, especialmente do lado do E2. O avião é considerado adequado para operação em aeroportos asiáticos, capaz de decolar em distâncias mais curtas com custo por assento cerca de 35% menor que jatos similares.
Na visão do Itaú BBA, os E2s são vistos como uma adição valiosa à frota existente na China. “A presença local da Embraer em Cingapura, Pequim e, em breve, na Índia deve atrair novos pedidos”, disseram os analistas.
É preciso destacar que, ainda que a crise nas rivais possa servir de impulso, a Embraer ainda não possui um avião que concorra diretamente com os principais modelos de grande porte das concorrentes, o que limita seu ganho potencial de participação de mercado.
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O potencial do mercado de defesa
Mas ainda que a aviação comercial e executiva chamem a atenção positivamente, um dos principais brilhos da operação da Embraer vem do segmento militar.
A área de defesa e segurança se beneficia da demanda crescente, devido ao envelhecimento das frotas das forças armadas mundiais e diante dos atuais conflitos geopolíticos globais.
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A aeronave de transporte tático militar mais moderna da Embraer, o C-390, continua a empilhar pedidos de países por todo o mundo, o que pode aumentar a participação de mercado da empresa.
Na avaliação dos especialistas do setor, o C-390 é “incomparável em todos os sentidos” e melhor do que o único competidor direto, o modelo C-130K Hércules, fabricado pela empresa norte-americana Lockheed Martin.
Apesar dos atributos, inicialmente os clientes relutavam em comprar o avião da Embraer, que ainda não havia se provado diante do já consolidado modelo norte-americano.
Entretanto, após cinco anos de operação, o jato da Embraer continua a conquistar novos clientes de peso e tem repetidamente demonstrado a qualidade superior, com maior vida útil e capacidade de transporte de carga. Isso sustenta a expectativa do mercado de que esse avião possa crescer ainda mais no longo prazo.
“O mercado para esse avião é bem grande. Nos próximos 20 anos, as forças militares mundiais precisarão renovar a frota, porque o avião que tem hoje é o Hércules, que já está se aproximando da idade limite. A expectativa é que cerca de 450 jatos de defesa deverão ser comprados. Ou seja, centenas de aeronaves deverão ser escolhidas entre o Hércules ou o C-390, que tem se provado melhor”, disse a analista da Kinea.
Não que a Embraer vá desbancar a hegemonia do Hércules, afinal, existe toda uma questão geopolítica de se manter boas relações com os EUA.
No entanto, vários países que antes só utilizavam o jato norte-americano estão migrando para o C-390, o que sustenta a visão dos analistas de que há um potencial de ganho de mercado.
A Embraer ainda sinalizou que está prestes a construir uma nova fábrica para o C-390 nos EUA, o que poderia ajudar no sucesso das campanhas de venda de seu principal produto de defesa aos Estados Unidos.
“Acreditamos que uma possível venda do C-390 Millennium para os Estados Unidos representaria um forte catalisador para a Embraer, pois expandiria materialmente o mercado endereçável total da aeronave”, projetou o Santander.
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O dilema do investimento na Embraer (EMBR3)
Investir ou não investir na Embraer (EMBR3)? Eis a questão. Com tantos atributos, mas um rali tão robusto no ano, bate a dúvida: a ação já subiu o que tinha de subir, ou ainda tem espaço para se valorizar mais?
Mesmo com a disparada dos papéis, a perspectiva majoritária do mercado ainda é positiva para a Embraer. Atualmente, as ações contam com cinco recomendações de compra e três de manutenção (neutro), de acordo com dados da plataforma TradeMap.
O consenso dos analistas é que a Embraer ainda não teve a precificação adequada e possui boas opções que podem ser exploradas no futuro.
“Diante das curvas de crescimento e de melhoria de margens previstas para a Embraer, faz sentido precificar o múltiplo que está hoje e até mais. Não consigo avaliar a ação como cara, considerando o potencial futuro”, disse Mariana Campos, da Kinea.
Para um gestor com posição comprada nas ações EMBR3, a Embraer é um ativo irreplicável, que se beneficia hoje da melhora “dentro de casa” e do setor como um todo.
Outro motivo que sustenta a visão otimista para a Embraer é uma proteção ao momento macroeconômico mais desafiador no Brasil, com taxas de juros elevadas e desvalorização do real.
Por ser uma empresa exportadora, ela é uma das empresas que consegue performar bem em cenários de dólar forte. Afinal, atualmente em torno de 93% de suas receitas são dolarizadas, enquanto apenas 83% de seus custos são atrelados ao dólar.
O “tchan” da Embraer (EMBR3)
Além dos pilares da visão otimista dos analistas para a Embraer, há ainda outros fatores que podem destravar ainda mais valor para as ações EMBR3 nos próximos meses e anos, mas que não estão na conta dos analistas por serem vistos como o “algo a mais” dos papéis.
Na visão de Mariana Campos, da Kinea, um “tchan” à tese de investimentos em EMBR3 é a perspectiva de que a Embraer possa começar a competir no principal segmento de Boeing e Airbus, de jatos de grande porte, visto como uma “opcionalidade” de médio a longo prazo.
“Um eventual anúncio da fabricação de um avião concorrente mudaria totalmente a história para as ações. Por um lado, a empresa gastaria cerca de US$ 10 bilhões para construir uma aeronave dessas em cerca de oito anos, é um investimento enorme. Mas se ela conseguisse capital externo para isso, seria positivo, porque começaria a competir de igual para igual com o Boeing e Airbus em um mercado muito maior do que tem hoje na aviação regional”, disse a analista.
Outra rota alternativa que pode agregar valor à empresa é a divisão de serviços e suporte, vista como uma nova fonte de receita em um segmento rentável, margens maiores e mais estáveis ao longo do tempo e em crescimento.
“No ambiente em que estamos, com players como Airbus e Boeing não conseguindo entregar os aviões, é tendência para o setor de aviação a maior necessidade de manutenção de aviões antigos, e a Embraer pode se beneficiar disso”, projetou a Kinea.
O carro voador da Embraer vai decolar ou terá pouso forçado?
O último caminho adicional que poderia incrementar o valor da Embraer são os eVTOLs. Uma das grandes apostas da fabricante de aeronaves, os “carros voadores” da Eve Air Mobility ainda não começaram a dar resultados.
O objetivo da nova aeronave — que é movida a bateria e pode decolar e pousar verticalmente — é o transporte de passageiros numa espécie de “táxi voador”, com viagens curtas pela cidade, evitando o trânsito.
As ações da Eve já perderam mais da metade do valor em Wall Street desde o início do ano, com perdas acumuladas da ordem de 57% na bolsa de valores de Nova York (NYSE) em 2024.
O desempenho negativo da Eve até então levanta a dúvida se os “carros voadores” serão capazes de decolar ou serão obrigados a realizar um pouso forçado — afinal, a avaliação do mercado é que se trata de um setor difícil, tanto pela parte tecnológica quanto regulatória e de concorrência.
A Eve espera pilotar o protótipo até o final deste ano ou início de 2025. A expectativa é que o eVTOL chegue ao mercado em 2026, somente após a conclusão do processo de certificação.
Além disso, como o eVTOL é basicamente um avião movido a energia elétrica, as baterias estão em frequente processo de evolução. Mas, diferente dos carros elétricos, é complicado instalar uma nova bateria a cada vez que chegar ao mercado uma versão nova e melhorada, já que a troca depende de novas certificações pelos reguladores.
Mas mesmo que tudo dê errado para a Eve — o que é improvável —, a Embraer conseguiu mitigar a maior parte dos impactos com a listagem da subsidiária em Nova York há dois anos.
Isso significa que, apesar de ainda deter mais de 80% das ações da companhia de táxis voadores, os riscos para a Embraer são menores do que os potenciais ganhos futuros com o negócio, de acordo com analistas.
“Ainda vemos a Eve como uma ‘opcionalidade gratuita’ para a Embraer, a ser gradualmente desonerada à medida que as campanhas de certificação e produção evoluírem”, afirmou o BTG Pactual.
Os riscos no radar
Atualmente, o principal risco de curto prazo identificado para a Embraer (EMBR3) é a disponibilidade de motores, devido a problemas enfrentados pela fornecedora Pratt & Whitney.
Em 2023, a Pratt & Whitney teve um problema mecânico com um dos motores que criou para a Airbus — e precisou parar todos os aviões A320s e reparar o equipamento. O conserto derrubou a capacidade de fornecimento para outros clientes como a Embraer, por exemplo.
A expectativa é que essa questão de atraso dos motores ainda perdure por alguns meses, o que pode limitar a entrega de aviões da Embraer.
Além dos desafios na cadeia de suprimentos, que afetam toda a indústria de aeronaves, a Embraer ainda precisa de um esforço significativo em engenharia e comercialização para novos produtos.
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