Rodolfo Amstalden: Esta história não vai acabar assim
Se o Fed não tivesse elevado os juros, a inflação teria caído? Se Trump não fosse favorito à reeleição, a bolsa americana estaria subindo? Se a Arezzo tivesse levado a Hering lá atrás, existiria espaço para a fusão com Soma?
Todo torcedor de futebol desapontado imagina como as coisas poderiam ter acontecido de forma diferente.
E se o Casemiro tivesse feito aquela falta no Modric, mesmo às custas de um cartão vermelho?
E se o Piquerez estivesse um pouco mais concentrado na batida do pênalti?
Por um lado, fato é que nunca saberemos.
Por outro, esses exercícios imaginativos tendem a ser bastante úteis para desvendar o futuro, pois revelam a absurda fragilidade das premissas passadas.
O papel do historiador
Isso tudo remete a uma discussão pesada em Filosofia da História (não confundir com História da Filosofia) sobre qual é o genuíno papel do historiador.
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A vertente mais tradicionalista entende que os historiadores devem buscar o máximo de objetividade em seus relatos, de modo a não desvirtuar a preciosa trajetória dos acontecimentos.
Para esse grupo, o passado deve ser guardado a sete chaves em um museu. A realidade é soberana, e cabe a nós sermos observadores humildes e precisos do desenrolar dos fatos.
Há um outro grupo, entretanto, que defende uma visão mais crítica e plural da História, capaz de abarcar condicionantes que não se manifestaram, mas que carregavam probabilidades bem maiores que as de seus concorrentes.
Nesse novo contexto, a ideia é tentar tirar o máximo de insight dos exercícios contrafactuais.
Por exemplo: se Hitler tivesse nascido mulher, teríamos a 2ª Guerra Mundial?
Ou seja, o quanto tem a ver com Mein Kampf e o quanto tem a ver com a hiperinflação que tomou conta da República de Weimar?
É claro que não existe uma resposta definitiva para perguntas desse tipo. Exatamente por isso, o grau de provocação que elas proporcionam permite um enorme potencial de aprendizado.
A história contemporânea e os "e se" dos mercados
Essas dúvidas contrafactuais podem ser suscitadas mesmo séculos após o período analisado, mas creio que são ainda mais interessantes quando flertam com a história contemporânea.
- Dado que o mercado de trabalho americano segue praticamente ileso, sem sintomas diretos de transmissão monetária, resta-nos o dever de cogitar: se o Fed não tivesse elevado os juros, a inflação americana teria cedido? Isto é, será que a inflação não era mesmo transitória, fruto de choques na oferta global?
- Se Donald Trump não fosse candidato favorito à eleição, a Bolsa americana estaria subindo tanto quanto sobe nos últimos meses? Será que é mesmo o caso das Sete Magníficas, ou seria Trump o Oitavo Magnífico de uma Wall Street majoritariamente republicana?
- Se a Arezzo tivesse levado a Hering lá atrás, existiria espaço para a fusão com Soma hoje? O quanto as decisões corporativas são conduzidas por cálculos racionais de sinergias, e o quanto são motivadas pelo impulso freudiano de reconquistar aquilo que se perdeu?
- Se Lula não tivesse sido preso, Júnior teria comprado a Amil por R$ 11 bilhões, concorrendo sozinho contra outras propostas talvez até maiores?
The answers are blowin' in the wind.
Confesso que eu não gostava muito de estudar História no colegial, muita decoreba a ser lembrada para passar no vestibular.
Mas agora eu gosto.
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