O problema dos 3%: como a desancoragem das expectativas atrapalha a queda dos juros no Brasil
O ministro Fernando Haddad considera a meta de inflação de 3% praticamente inalcançável, o que eleva ansiedade quanto a uma possível revisão
Desde a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o Brasil tem enfrentado uma deterioração marcante das expectativas econômicas.
As incertezas acerca dos cortes nas taxas de juros internacionais, juntamente com desafios fiscais internos, têm impedido a redução das taxas de juros locais e colocado em xeque a continuidade da política de relaxamento monetário.
A despeito da alta notável na arrecadação federal, essas preocupações persistem. Em abril, a arrecadação alcançou R$ 228,9 bilhões, um aumento de 8,26% em relação ao ano anterior, o maior crescimento registrado na série histórica.
Até abril deste ano, a arrecadação acumulada foi de R$ 886,6 bilhões, um crescimento de 8,33% em comparação com o mesmo período de 2023.
No entanto, esse avanço ainda é eclipsado por um crescente risco fiscal que continua a afetar as expectativas do mercado de forma negativa.
- Empiricus Research libera relatório gratuito com 5 ações para buscar dividendos. Clique aqui para receber em seu e-mail.
Foco segue nas finanças públicas
O foco nas finanças públicas foi intensificado com a divulgação do segundo Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas.
Neste contexto, o governo anunciou a reversão de um bloqueio de R$ 2,9 bilhões no orçamento de março e aumentou a estimativa do déficit primário de R$ 9,3 bilhões para R$ 14,5 bilhões.
Apesar de o secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, afirmar que a remoção do bloqueio não implica em excedente de recursos, o cenário não parece promissor.
Depender somente do aumento da arrecadação para o ajuste fiscal é uma abordagem limitada. É vital manter o foco na agenda fiscal e estar receptivo à revisão dos gastos, não apenas à elevação da receita. A falta de ação para ajustar as políticas pode desancorar ainda mais as expectativas.
Tudo isso sem considerar a tragédia no RS
Ademais, a economia sentirá impactos de curto prazo devido à tragédia no Rio Grande do Sul, embora se espere que esses efeitos sejam compensados ao longo do ano.
Até agora, o governo calculou que as despesas relacionadas à calamidade no estado somam R$ 12,9 bilhões.
Se esses valores fossem contabilizados na meta fiscal, o déficit em 2024 alcançaria R$ 27,5 bilhões. Prevê-se que serão necessários recursos adicionais substanciais para o estado, que ainda enfrenta desafios significativos.
Observa-se um desleixo com relação aos fundamentos econômicos tradicionais, refletido em uma estrutura fiscal já fragilizada antes mesmo de seu primeiro aniversário.
As metas fiscais são ajustadas frequentemente, respondendo prontamente a quaisquer novos desafios ou ao calendário eleitoral, particularmente com as eleições de 2026 à vista, sugerindo a possibilidade de recurso a medidas extremas para assegurar sucesso eleitoral.
É notória a ausência de um compromisso sólido com o corte de despesas públicas, sendo os ajustes realizados predominantemente no lado da receita, o que naturalmente vem com suas próprias limitações e complicações.
Um problema mais amplo
Esse quadro fiscal problemático exacerba um dilema estrutural mais amplo, que transcende governos e se apresenta como um desafio de Estado.
Anualmente, começamos com um déficit orçamentário na casa dos R$ 200 bilhões, uma cifra inflada por práticas governamentais imprudentes.
Essa volatilidade fiscal afeta diretamente as políticas monetárias, que tendem a se tornar mais restritivas a curto prazo.
Este contexto é ilustrado pela recente demissão de Jean Paul Prates da presidência da Petrobras, evento que reacendeu preocupações com interferências políticas e possíveis cortes de dividendos, afetando negativamente o Ibovespa.
A troca de comando na Petrobras, embora vista negativamente, salienta problemas estruturais de gestão em corporações de capital misto, refletidos na alta rotatividade de seus presidentes, mais do que em influências ideológicas diretas do governo.
Atualmente, a Petrobras apresenta uma robusta geração de caixa e uma gestão eficiente de sua alavancagem, além de avanços notáveis em governança, com diretores assumindo responsabilidades individuais.
O escrutínio por parte da mídia, da sociedade civil e dos órgãos reguladores é intenso, especialmente numa era dominada pela informação digital.
Leia também
- Divididos entre o conservadorismo salutar e a cautela exagerada, Copom e Campos Neto enfrentam um dilema
- Vai piorar antes de melhorar? Milei começa a arrumar uma Argentina economicamente destruída
Como tudo isso afeta a taxa de juros
De volta ao ponto inicial, a piora nas expectativas econômicas, destacada no mais recente Boletim Focus, reforça as preocupações com a indefinição do panorama econômico futuro.
Com as projeções para a taxa Selic de 2024 sendo revistas para cima repetidamente, acompanhadas de expectativas inflacionárias também em alta, o cenário se mostra cada vez mais complexo e incerto.
Diante da instabilidade econômica, o Banco Central do Brasil mantém uma postura conservadora em sua política monetária.
Gabriel Galípolo, o diretor de Política Monetária, afirmou que o banco está preparado para intervir se a volatilidade nas expectativas inflacionárias se mantiver.
Considerado um possível sucessor de Roberto Campos Neto, Galípolo defende enfaticamente a independência do Banco Central de pressões políticas.
As contradições de Haddad
A situação é complicada pelos comentários do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que caracterizou uma meta de inflação de 3% como extremamente desafiadora e praticamente inalcançável, provocando temores de risco e ansiedade quanto a uma revisão dessa meta.
Apesar da expectativa de um novo regime de metas contínuas, a proposta de alterar a meta atual parece excessiva.
Isso levanta a questão: qual a necessidade de se iniciar tal debate neste momento?
Essa discussão apenas piora as já instáveis expectativas. Existe um argumento lógico para um objetivo inflacionário mais alto no Brasil se comparado aos 3% dos EUA, mas tal debate deve ser conduzido tecnicamente.
Haddad endossou anteriormente uma meta de 3% para 2026, com uma banda de variação de 1,5%, adotando assim uma abordagem de meta contínua.
Portanto, suas recentes declarações são importantes, embora pareçam agora contraditórias.
As declarações de Haddad podem não ter um impacto prático imediato, mas certamente aumentam a incerteza.
Para onde irá a taxa de juros
O próximo evento monetário relevante está marcado para 19 de junho, quando o Copom votará pela manutenção da taxa ou por uma redução de 25 pontos-base, a depender dos dados até lá.
Pragmaticamente, a meta oficial de inflação pode continuar sendo 3%, mesmo que a inflação efetiva chegue a 4%, funcionando como uma meta informal. Importante notar que, durante os governos do PT, raramente a inflação atingiu o centro da meta.
Nos próximos dias, Haddad pretende anunciar medidas para compensar a renúncia fiscal e introduzir o segundo projeto de lei complementar que normatiza a reforma tributária. A agenda política em Brasília será intensa.
- Mesmo com a queda dos juros “atrasada”, ainda é possível buscar lucro + proteção na bolsa brasileira. A Empiricus Research selecionou as 10 melhores ações para ter no seu portfólio nesse momento. Clique AQUI e confira gratuitamente.
Pago pensão alimentícia para o meu filho de 21 anos, mas ele saiu do país; posso parar de pagar e pedir reembolso?
É possível pedir reembolso de pensão alimentícia? O filho deste leitor cortou laços com a família, e rendimentos não estão mais chegando até ele
De volta em grande estilo: Ibovespa tenta emplacar quinta alta seguida com bolsas internacionais no azul antes do payroll
Mercados financeiros retornam à normalidade depois de feriado nos EUA; Ibovespa acumula alta de 1,8% nesses primeiros dias de julho
A ação do agronegócio que disparou nesta semana e tem potencial para ir muito além
O papel em questão valorizou 7% no início da semana após uma avaliação muito positiva do valor de suas terras
O arcabouço ganha uma perna: Ibovespa repercute promessa de corte de despesas em dia de feriado nos EUA
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou na noite de ontem que Lula autorizou corte de R$ 25,9 bilhões no Orçamento de 2025
Não seja seu pior inimigo: real sofre ataque especulativo? As reflexões de Rodolfo Amstalden sobre a alta do dólar
Se a moeda norte-americana foi de R$ 5,00 para R$ 5,70 em três meses, deve ter alguma razão. Se você não enxerga a razão, há uma boa chance de que você mesmo seja a razão.
Onde o câmbio vai parar? Depois de ver o dólar chegar a R$ 5,70, Lula chama reunião com ministros da área econômica
Lula vê o real sob ataque especulativo, mas há outros motivos para a alta do dólar, inclusive falas do próprio presidente
Hora de saber escolher: Bolsas internacionais no vermelho pesam hoje, mas analistas veem espaço para alta do Ibovespa
Além do exterior negativo, disparada do dólar pesa sobre a curva de juros, o que pode atrapalhar o Ibovespa hoje
Eleições na França: Macron continua, mas ‘macronismo’ pode estar perto do fim
Resultado do primeiro turno das eleições legislativas na França aponta para o risco de paralisia política no país
Bruno Mérola: Como ter máximo retorno e evitar grandes perdas
Confiamos exageradamente em nossa versão futura, nossa atenção de curto prazo é capturada por estímulos infinitos e somos, na maioria, imperfeitos em adequar a execução cotidiana à estratégia bem definida de longo prazo
Agora vai? Ibovespa acumula queda de 7,66% no ano e dólar começa o semestre perto de R$ 5,60, mas gestor acha que nem tudo está perdido em 2024
O Seu Dinheiro inicia hoje a série sobre onde investir no segundo semestre com as projeções do CEO da Bradesco Asset, Bruno Funchal, para o período