Felipe Miranda: Não estamos no México, nem no Dilma 2
Embora algumas analogias de fato possam ser feitas, sobretudo porque a direção guarda alguma semelhança, a comparação parece bastante imprecisa
“Voltamos ao Brasil de um passado não tão distante, onde uma postura fiscal excessivamente expansionista demandava uma política monetária mais rígida, gerando pressão sobre a dívida pública e custos maiores para alcançar o equilíbrio entre crescimento e inflação.”
“Com previsão de Selic a 13%, gestor vê risco de dinâmica parecida com a de 2013 e 2014.”
Retirei os dois trechos da Exame Insight, sob o comando da ótima Natalia Viri. Há uma tentação grande para traçar paralelos da atual situação brasileira com aquela vivida no Dilma 2.
Embora algumas analogias de fato possam ser feitas, sobretudo porque a direção guarda alguma semelhança, a comparação me parece bastante imprecisa. O resultado das eleições municipais corrobora o argumento.
- Ideias diárias de investimento direto no seu WhastApp? Faça parte da Comunidade do Clube de Investidores SD Select; clique aqui para fazer parte gratuitamente
Pacto fáustico brasileiro
Mais até do que isso, a dinâmica do pleito alinha-se com precisão àquilo que tenho chamado de “pacto fáustico brasileiro”. Caso os três leitores tenham perdido a edição passada desta newsletter ou tenham a memória prejudicada por substâncias nem sempre recomendadas para uma manhã de segunda-feira, retomo brevemente a proposta:
“Se não fizermos nos próximos meses o necessário ajuste fiscal, ainda haverá um consolo. Se formos pelo caminho negativo, teremos de conviver por mais um ano com a deterioração dos prêmios de risco e piora institucional. A partir daí, entraremos no grande debate de 2026, quando o sentimento anti-establishment e a migração da população mais para a direta devem fazer a sua parte. Um pacto desse tipo nunca é agradável. Mas a oferta envolveria mais um ano e três meses de sofrimento para posteriores nove anos potencialmente bons.
É bastante tentador.
No cenário bom, começamos a controlar os gastos agora e surfamos valuations muito baratos e um cenário internacional bastante favorável. O kit Brasil inicia imediatamente uma escalada vigorosa.
Já no cenário ruim, teríamos um para perder, nove para ganhar, num ciclo ditado pela migração do pêndulo político para a responsabilidade fiscal, o respeito aos contratos, a valorização do empreendedor, a obediência à sinalização do sistema de preços e um maior esforço institucional.
Pode estar aí um belo trade. Vai exigir paciência e sangue frio. Mas é um pacto que paga bem lá na frente.”
Avaliações econômicas e financeiras que se amparam em questões político-partidárias são costumeiramente acusadas de carregar vieses, ainda que o observador esteja ciente do risco e procure blindar-se dos próprios vícios e inclinações pessoais.
Viés é um negócio meio parecido com subsídio ou privilégio — todo mundo reconhece, mas sempre no outro.
Apelemos então à imprensa tradicional ou, melhor ainda, aos dados objetivos. Se você abrir o site do jornal Valor Econômico, do Grupo Globo, acusado pela direita dia-sim, dia-também, de estar à esquerda no espectro ideológico, vai ler a manchete: “força da reeleição e marcha para a direita marcam a disputa municipal deste ano”.
O quadro abaixo é um bom resumo:
Os partidos do chamado Centrão e mais alinhados à direita dominaram a disputa, tendo inclusive avançado sobre a eleição de 2020.
A força da direita fica mais nítida quando se destaca o contingente das capitais. Extraindo um trecho da própria reportagem:
Leia Também
"O PL reelegeu os prefeitos de Maceió (João Caldas) e Rio Branco (Tião Bocalom) e passou para o segundo turno em primeiro lugar em outras sete capitais. A sigla ainda disputa a rodada decisiva em João Pessoa e Belém. Caso reverta a desvantagem nessas duas cidades e confirme a dianteira nas demais, poderá ganhar a eleição em 11 capitais, resultado muito além das previsões mais otimistas do cacique da legenda, Valdemar Costa Neto.”
E se ainda resta dúvida sobre as dificuldades da esquerda, vale observar que o falecido PSDB obteve sucesso em 269 prefeituras, mais do que os 246 municípios de êxito do PT.
Chegamos a um oxímoro: qual seria a condição daquele com menos vitalidade ainda do que um morto?
Ganha forças para uma eventual disputa presidencial em 2026, sendo potencialmente o principal antagonista elegível ao lulopetismo.
As eleições municipais representam uma importante diminuição de risco para os mercados brasileiros (risco aqui entendido como chance de perda permanente do capital).
Numa perspectiva histórica, eleições municipais não são necessariamente boa proxy para os pleitos presidenciais subsequentes, mas costumam ser ótimos indicadores antecedentes para a composição seguinte do Parlamento.
Ou seja, há boa probabilidade de que o Congresso a ser formado em 2026 esteja mais à direita.
Com isso, explico o que quero dizer com a parte do título deste texto de “Não estamos no México”, onde a eleição de uma presidente de esquerda com um Legislativo também de esquerda trouxe forte pressão vendedora sobre o peso mexicano e sobre seus mercados em geral.
Por lá, investidores antecipam deterioração fiscal, maior intervencionismo na economia, queda da produtividade geral dos fatores e uma perversa reforma do Judiciário.
Já foi dito que se a Argentina tivesse um Centrão não teria ido por um caminho tão ruim. Talvez o mesmo paralelo sirva para o México.
No Brasil, o Centrão, que traz o malefício de impedir-nos um grande progresso, evita também rupturas, explosões, grandes desastres e aventuras não-testadas de revoluções cujo resultado sabe-se lá no que daria.
- Eleições municipais: como impacta nos investimentos? Confira guia completo
Lula 3 não é o Dilma 2
Ter um Congresso conservador (no sentido de que conserva as instituições e organizações correntes) representa a diminuição do risco de cauda, de uma grande deterioração de Brasil semelhante à observada no México ou mesmo na era Dilma.
Então chegamos à outra parte do título: Lula 3 não é o Dilma 2, embora, sejamos justos, possa haver certa semelhança. A primeira razão é simples: Lula não é Dilma. Essa é muito mais convicta e inflexível, aquele é macunaímico.
Fernando Haddad também não é Guido Mantega e tem se esforçado heroicamente para o cumprimento das metas fiscais, ainda que sob grande desconfiança sobre a credibilidade dessa meta e temores de liderar o Exército de um homem só num governo mais interessado no pé na tábua fiscal.
Já Marcos Pinto oferece boa analogia com a dupla Marcos Lisboa e Daniel Goldberg, secretários do Lula 1 com longa lista de reformas microeconômicas mais silenciosas, mas com impacto interessante sobre a produtividade brasileira.
Os interessados no assunto podem se atualizar a partir da reportagem “Microrreformas já têm efeitos na economia e podem elevar PIB”, diz secretário de Haddad, publicada na Folha em 27 de setembro.
Ainda que a política fiscal seja frouxa, haja certa elasticidade contábil excessiva e tenhamos uma espécie de restauracionismo estatista em curso, a modulação agora é diferente da anterior.
A diferença entre o remédio e o veneno muitas vezes é a dose. Não há hoje uma orientação desmedida da mesma intensidade da nova matriz econômica.
Mal ou bem, existe um arcabouço fiscal que limita grandes rompantes. O Congresso é conservador. E temos grande escrutínio das contas fiscais pela imprensa, pelo tecido empresarial e pela sociedade como um todo.
A crise brasileira
Existe ainda outra restrição importante para impedir que estejamos numa guinada semelhante à de 2014: o tempo. O livro “Uma certa ideia de Brasil: entre passado e futuro” faz uma bela coleção dos artigos de Pedro Malan entre 2003 e 2018.
Ali está claro como a deterioração da qualidade da política econômica brasileira, embora recaia muito sobre as costas da ex-presidente Dilma, tem sua origem já quando da substituição de Antonio Palocci por Guido Mantega.
O que vem a ser conhecido por nova matriz econômica pelos idos de 2011 teve suas sementes plantadas já em 2006. A crise brasileira vai eclodir mesmo em 2015. Foram nove anos (não nove meses!) de gestação.
Agora, se a alta probabilidade da “marcha à direita” se confirmar em 2026, teríamos um rali eleitoral contratado já para 15 meses à frente.
Até lá, por mais que as coisas se deteriorem, dado o cenário internacional favorável de corte de juros pelos principais Bancos Centrais e estímulos pronunciados na China, parece haver tempo suficiente para empurrarmos as coisas com a barriga e não explodirmos o fiscal, sobretudo porque o arcabouço fiscal e um Congresso conservador impedem grandes rupturas.
Talvez tenhamos contratado um ciclo construtivo longevo, sendo que as eleições de ontem oferecem um conforto de reduzir o downside, porque o cenário de cauda mais negativo perdeu probabilidade. A assimetria é bastante convidativa.
Acaba logo, pô! Ibovespa aguarda o fim da cúpula do G20 para conhecer detalhes do pacote fiscal do governo
Detalhes do pacote já estão definidos, mas divulgação foi postergada para não rivalizar com as atenções à cúpula do G20 no Rio
Felipe Miranda: O Brasil (ainda não) voltou — mas isso vai acontecer
Depois de anos alijados do interesse da comunidade internacional, voltamos a ser destaque na imprensa especializada. Para o lado negativo, claro
O primeiro dia do G20 no Rio: Biden, Xi e Lula falam de pobreza, fome e mudanças climáticas à sombra de Trump
As incertezas sobre a política dos EUA deixaram marcas nos primeiros debates do G20; avanços em acordos internacionais também são temas dos encontros
O tamanho do corte que o mercado espera para “acalmar” bolsa, dólar e juros — e por que arcabouço se tornou insustentável
Enquanto a bolsa acumula queda de 2,33% no mês, a moeda norte-americana sobe 1,61% no mesmo intervalo de tempo, e as taxas de depósito interbancário (DIs) avançam
O fim da temporada — ou quase: balanço da Nvidia ainda movimenta semana, que conta com novo feriado no Brasil
Enquanto isso, as bolsas internacionais operam sem um sinal único, sofrendo ajustes após o rali do Trump Trade dos últimos dias
Agenda econômica: balanço da Nvidia (NVDC34) e reunião do CMN são destaques em semana com feriado no Brasil
A agenda econômica também conta com divulgação da balança comercial na Zona do Euro e no Japão; confira o que mexe com os mercados nos próximos dias
No G20 Social, Lula defende que governos rompam “dissonância” entre as vozes do mercado e das ruas e pede a países ricos que financiem preservação ambiental
Comentários de Lula foram feitos no encerramento do G20 Social, derivação do evento criada pelo governo brasileiro e que antecede reunião de cúpula
Milei muda de posição na última hora e tenta travar debate sobre taxação de super-ricos no G20
Depois de bloquear discussões sobre igualdade de gênero e agenda da ONU, Milei agora se insurge contra principal iniciativa de Lula no G20
Azeite a peso de ouro: maior produtora do mundo diz que preços vão cair; saiba quando isso vai acontecer e quanto pode custar
A escassez de azeite de oliva, um alimento básico da dieta mediterrânea, empurrou o setor para o modo de crise, alimentou temores de insegurança alimentar e até mesmo provocou um aumento da criminalidade em supermercados na Europa
Está com pressa por quê? O recado do chefão do BC dos EUA sobre os juros que desanimou o mercado
As bolsas em Nova York aceleraram as perdas e, por aqui, o Ibovespa chegou a inverter o sinal e operar no vermelho depois das declarações de Jerome Powell; veja o que ele disse
A escalada sem fim da Selic: Campos Neto deixa pulga atrás da orelha sobre patamar dos juros; saiba tudo o que pensa o presidente do BC sobre esse e outros temas
As primeiras declarações públicas de RCN depois da divulgação da ata do Copom, na última terça-feira (12), dialogam com o teor do comunicado e do próprio resumo da reunião
Um passeio no Hotel California: Ibovespa tenta escapar do pesadelo após notícia sobre tamanho do pacote fiscal de Haddad
Mercado repercute pacote fiscal maior que o esperado enquanto mundo político reage a atentado suicida em Brasília
Você precisa fazer alguma coisa? Ibovespa acumula queda de 1,5% em novembro enquanto mercado aguarda números da inflação nos EUA
Enquanto Ibovespa tenta sair do vermelho, Banco Central programa leilão de linha para segurar a alta do dólar
Voltado para a aposentadoria, Tesouro RendA+ chega a cair 30% em 2024; investidor deve fazer algo a respeito?
Quem comprou esses títulos públicos no Tesouro Direto pode até estar pensando no longo prazo, mas deve estar incomodado com o desempenho vermelho da carteira
A Argentina dos sonhos está (ainda) mais perto? Dólar dá uma trégua e inflação de outubro é a menor em três anos
Por lá, a taxa seguiu em desaceleração em outubro, chegando a 2,7% em base mensal — essa não é apenas a variação mais baixa até agora em 2024, mas também é o menor patamar desde novembro de 2021
Tudo que você precisa saber — e o que está em jogo — sobre PEC que quer acabar com a escala 6×1
O movimento começou com o então tiktoker Rick Azevedo, em um post de desabafo nas redes sociais e ganhou força durante o fim de semana
Lula ainda vence a direita? Pesquisa CNT/MDA mostra se o petista saiu arranhado das eleições municipais ou se ainda tem lenha para queimar
Enquanto isso, a direita disputa o espólio de Bolsonaro com três figuras de peso: Tarcísio de Freitas, Michelle Bolsonaro e Pablo Marçal
Quantidade ou qualidade? Ibovespa repercute ata do Copom e mais balanços enquanto aguarda pacote fiscal
Além da expectativa em relação ao pacote fiscal, investidores estão de olho na pausa do rali do Trump trade
Pacote fiscal do governo vira novela mexicana e ameaça provocar um efeito colateral indesejado
Uma alta ainda maior dos juros seria um efeito colateral da demora para a divulgação dos detalhes do pacote fiscal pelo governo
Stuhlberger compra bitcoin (BTC) na véspera da eleição de Trump enquanto o lendário fundo Verde segue zerado na bolsa brasileira
O Verde se antecipou ao retorno do republicano à Casa Branca e construiu uma “pequena posição comprada” na maior criptomoeda do mundo antes das eleições norte-americanas