São tempos estranhos: tem muito líder coach solto por aí
Para quem conhece os conceitos de complexidade e interdependência, sabe que o discurso coach é recheado de lacunas e falta de profundidade
Ao longo da nossa carreira, é comum nos depararmos com diversos tipos de liderança: transformacional, autocrática, técnica, situacional, entre outros estilos que poderiam expandir bastante essa lista. Hoje, quero focar em um tipo que tem ganhado bastante destaque nas organizações: o líder coach.
Com alguns anos de experiência em RH, tenho visto tanto exemplos bem sucedidos quanto mal sucedidos desse estilo de gestão. João, na minha opinião, foi um líder bem-intencionado na adoção da liderança coaching, embora fosse inconsciente sobre suas próprias limitações.
Para começar a compartilhar sobre seu estilo, saiba que ele era muito admirado e ovacionado por sua equipe.
João incentivava o time a acreditar que a chave para a mudança estava nas mãos de cada um. Desafiava os colaboradores a pensar fora da caixa e a entender que o sucesso só chega para aqueles que assumem total responsabilidade pela sua própria realidade.
Para João, o desconforto e o risco eram partes do processo de crescimento. Ele fazia questão de deixar claro que apenas aqueles que adotam essa mentalidade podem alcançar o verdadeiro sucesso.
Em suas conversas, ele provocava e ajudava as pessoas a enxergarem que eram suas ações, e não fatores externos, que determinavam seus resultados. O estilo de liderança coach de João fazia a equipe acreditar que o sucesso dependia exclusivamente deles.
Ao observá-lo, percebia que João e seu time eram incapazes de reconhecer vieses na tomada de decisões, o que colocava em risco o funcionamento da equipe e, principalmente, da organização. Alguns me saltavam aos olhos. Listo a seguir.
Viés da História
O estilo de João podia ser visto como uma forma de narrativa, moldando uma história de transformação e superação.
As pessoas tendem a se conectar com histórias pessoais e inspiradoras. E esse viés aumentava a eficácia de sua abordagem, já que a equipe se identificava com a trajetória de mudança que ele compartilhava.
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Viés do Sobrevivente
João inadvertidamente apresentava uma visão distorcida do sucesso, focando apenas em exemplos de quem adota a mentalidade certa e ignorando os desafios e falhas ao longo do caminho.
Isso superestimava o sucesso daqueles que seguiam sua liderança, enquanto a narrativa excluía totalmente os fracassos.
Atalho de Fluência
A mensagem direta e simples de João, de que o sucesso estava em assumir responsabilidade e agir, era fácil de entender e replicar. O que ampliava ainda mais seu impacto.
O simplismo de sua abordagem se encaixava bem com esse viés, tornando a mensagem atraente para um grande público, inclusive outras pessoas dentro da organização.
Efeito Dunning-Kruger
O incentivo de João para que cada pessoa acreditasse que podia mudar sua realidade fazia com que alguns superestimassem suas capacidades iniciais, sem compreender a complexidade total dos desafios.
No entanto, à medida que as pessoas aprofundavam sua compreensão, podiam perceber as limitações dessa crença.
Viés de Confirmação
João e sua equipe eram influenciados a filtrar apenas as informações que reforçavam a narrativa de que “só depende de nós” para alcançar o sucesso, ignorando fatores externos e estruturais que poderiam interferir, o que criava uma visão simplificada da realidade.
Embora sedutor, o simplismo das narrativas dá conta da complexidade?
Para quem conhece os conceitos de complexidade e interdependência, sabe que o discurso de João é recheado de lacunas e falta de profundidade analítica e sistêmica.
Afinal, responsabilizar apenas os indivíduos pelo fracasso ou sucesso desconsidera outros fatores — como a dinâmica organizacional ou mesmo as circunstâncias pessoais de cada um.
João era simplista em sua abordagem: tudo se resumia à iniciativa individual.
É uma mentalidade que ignora a importância do suporte e recursos disponíveis na organização, da estrutura adequada e das condições externas que, muitas vezes, estão fora do controle de quem se esforça.
Embora o estilo coach tenha seu valor, precisa ser complementado por uma visão de liderança verdadeiramente transformacional. Ou seja, que reconheça a complexidade dos sistemas, equilibrando minimamente a responsabilização individual com a consciência de que o contexto, os recursos e o apoio também influenciam os resultados.
Até a próxima,
Thiago Veras
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