UM GIGANTE SE FOI
No dia seguinte ao falecimento de Daniel Kahneman, pioneiro da economia comportamental, os mercados financeiros permanecem atentos às próximas divulgações de dados sobre a economia e a inflação nos Estados Unidos.
Recentemente, um integrante do Federal Reserve expressou ceticismo quanto à possibilidade de reduções nas taxas de juros ainda este ano, ecoando sentimentos já manifestados por outras autoridades desde a última reunião de política monetária.
Esta expectativa será testada hoje com a divulgação dos dados finais do PIB do quarto trimestre dos EUA, antecipando-se à divulgação específica do índice de despesas de consumo pessoal (PCE).
Em resposta, os mercados norte-americanos iniciam o dia com tendências de baixa, contrastando com a atmosfera mais otimista na Europa.
No cenário asiático, o primeiro trimestre de 2024 registrou um ligeiro avanço, impulsionado pela onda de otimismo gerada por sucessivos recordes em Wall Street e o crescente entusiasmo pela inteligência artificial.
]Nota-se particularmente a recuperação econômica da China a partir de meados de fevereiro e um significativo bom desempenho do índice japonês Nikkei, que, apesar de uma queda hoje, acumulou um ganho superior a 10% em dólar no trimestre.
No entanto, esses aspectos positivos foram em parte ofuscados pela preocupação com a perspectiva de taxas de juros mais altas por períodos prolongados nos EUA, sobretudo em um contexto onde os indicadores de inflação no país ainda indicam pouca desaceleração.
A ver…
00:57 — Um olho no peixe e outro no gato
No cenário brasileiro, a onda de otimismo que percorreu os mercados globais influenciou positivamente o desempenho das ações, conduzindo o Ibovespa a um encerramento positivo ontem, mitigando as quedas observadas nas sessões anteriores.
Para hoje, a atenção dos investidores está voltada para duas frentes domésticas críticas.
Uma delas é a expectativa pela publicação do Relatório Trimestral de Inflação e os dados da Pnad sobre emprego, incluindo a taxa de desemprego nacional, particularmente após menções no comunicado do Copom sobre a robustez do mercado de trabalho e aumento dos salários como elementos de pressão inflacionária sobre os serviços.
Estes indicadores assumem uma importância excepcional no contexto atual, orientando as expectativas dos investidores quanto ao direcionamento futuro da política monetária do país.
Paralelamente, ressalta-se a crescente preocupação com as finanças públicas, tradicionalmente um ponto vulnerável da economia brasileira.
Os números mais recentes apontam para um déficit fiscal de R$58 bilhões em fevereiro, um resultado ligeiramente superior ao projetado.
No acumulado de 12 meses até fevereiro de 2024, o déficit primário alcançou R$ 253 bilhões, representando 2,26% do PIB, uma cifra alarmante mesmo diante de um incremento na arrecadação observado no início do ano.
Nesse contexto, discute-se a possibilidade de o Ministério da Fazenda convencer o presidente Lula a autorizar a distribuição de dividendos extraordinários, uma medida emergencial que seria extremamente bem recebida.
A gravidade da situação fiscal é tal que o próprio ministro Haddad reconheceu a improbabilidade de atingir a meta de superávit fiscal de 0,5% em 2025.
Esta preocupação se reflete diretamente nos prêmios exigidos pelos investidores em títulos de dívida de longo prazo do governo, que já exibem taxas de juros reais superiores a 6% (esta semana presenciamos o leilão de títulos mais desfavorável do ano, evidenciando a ausência de compradores).
Qualquer novidade da equipe econômica neste sentido hoje pode ter algum impacto nos preços, como foi o caso da repercussão do apontamento de Haddad sobre crescermos o PIB 2,5% este ano.
Em sendo o caso, poderíamos ter alguma folga adicional na frente arrecadatória.
01:54 — Cai ou não cai?
Na noite passada, Christopher Waller, membro do Fed, expressou sua visão cautelosa sobre a redução das taxas de juros, destacando que os recentes indicadores econômicos suportam uma pausa ou diminuição na frequência dos cortes de juros previstos para este ano.
Ele citou a robustez da economia e um mercado de trabalho forte como fatores que permitem ao Fed aguardar mais evidências de que a inflação está efetivamente se encaminhando para a meta de 2%.
Como resultado direto de suas observações, observou-se um aumento nos rendimentos dos títulos do Tesouro dos EUA esta manhã.
A posição de Waller, conhecido por sua postura mais rigorosa em relação à política monetária, não chega a ser uma surpresa.
Ainda assim, mantenho a previsão de que o Federal Reserve realizará um total de 75 pontos-base em cortes de juros este ano, começando em junho, distribuídos em três etapas de 25 pontos cada.
Com as declarações de Waller ocorrendo após o fechamento dos mercados, o cenário nos EUA na quarta-feira foi de fortalecimento do mercado acionário, com o Dow Jones Industrial Average alcançando seu melhor desempenho do ano.
O mercado experimentou uma ampla recuperação, encerrando um período de correção, com elevações em todos os setores do S&P 500.
No que tange à agenda econômica, aguardamos a divulgação da estimativa final do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do quarto trimestre, antecipando-se que o crescimento se mantenha estável em 3,2%, conforme a prévia anteriormente liberada.
Além disso, serão apresentados dados adicionais, como o Índice de Vendas Pendentes de Imóveis de fevereiro e o Chicago Business Barometer do Institute for Supply Management, embora estes sejam considerados menos relevantes diante do peso dos dados do PIB e da expectativa pelo índice de Preços de Consumo Pessoal (PCE) a ser divulgado no dia seguinte.
Em 2001, Warren Buffett introduziu uma metodologia que ele considera como a mais eficaz para avaliar o mercado de ações em um determinado período, conhecida como "Indicador Buffett".
Essa ferramenta compara o valor total do mercado acionário dos EUA, representado pelo índice Wilshire 5000, com o Produto Interno Bruto (PIB) do país, usando para isso a última estimativa trimestral disponível.
Esse cálculo resulta em um indicador que oferece uma perspectiva clara sobre a avaliação de preços no mercado de ações, ajudando a identificar se está sobrevalorizado ou subvalorizado em comparação com a atividade econômica do país.
Isso se baseia na lógica de que, se o mercado de ações cresce a uma velocidade superior à da economia, pode ser um indício de uma bolha especulativa.
Recentemente, o "Indicador Buffett" alcançou o seu ponto mais alto dos últimos dois anos, sugerindo a possibilidade de um ajuste no mercado.
Segundo a visão da Berkshire Hathaway, comandada por Buffett, um valor de 100% no indicador é considerado equilibrado; abaixo de 70%, indica que as ações estão muito baratas; e acima de 200%, alerta que os investidores estão se arriscando demasiadamente.
Neste momento, o índice está aproximadamente em 190%, um patamar elevado que não era visto desde 2021-2022, quando alcançou 211% e foi seguido por uma queda de 19% no S&P 500 nos meses subsequentes.
Este aumento recente é atribuído, em parte, ao entusiasmo dos investidores pelas ações de tecnologias voltadas para inteligência artificial.
Como já conversamos, tenho dificuldade em enxergar uma bolha no mercado nos níveis atuais, o que não significa que correções não possam ocorrer.
03:41 — O Brasil no mundo
Atualmente, presenciamos um intenso debate sobre o modelo de governança global vigente, em meio a questionamentos sobre a eficácia de instituições multilaterais estabelecidas no pós-Segunda Guerra Mundial, como a ONU, a OMC e a OMS.
Essas entidades enfrentam críticas por sua aparente incapacidade de abordar as complexidades dos desafios globais, sinalizando uma era de declínio e busca por novos mecanismos de cooperação que possam restaurar a confiança entre as nações.
Ian Bremmer, da Eurasia, analisa essa transição, destacando a evolução da liderança global do G-7 para o G-20 e, atualmente, para um cenário denominado “G-0”.
Esse termo reflete uma ausência de liderança coletiva em um contexto marcado por intensa fragmentação geopolítica, exacerbada pela rivalidade crescente entre os Estados Unidos e a China.
Nesse panorama, torna-se imperativo para nações como o Brasil explorar alianças estratégicas em setores-chave como agricultura e biocombustíveis, maximizando sua participação em diversos fóruns para promover interesses nacionais.
Este cenário de realinhamento geopolítico abre novas avenidas para os países do Sul Global, oferecendo uma liberdade inédita na escolha de parcerias e posicionamentos estratégicos.
O Brasil, em particular, tem a oportunidade de se destacar como uma voz influente, potencialmente ao lado da Índia, na defesa e representação dos interesses dos países do Sul Global, buscando uma atuação mais protagonista no mundo.
04:35 — Recordando Daniel Kahneman: intérprete da compreensão humana
Daniel Kahneman, laureado com o Nobel de Economia em 2002, nos deixou ontem aos 90 anos.
Distinguido como professor emérito na Universidade de Princeton nos Estados Unidos, Kahneman é celebrado por sua abordagem inovadora na economia, introduzindo uma perspectiva psicológica que fundamentou a economia comportamental.
Esta vertente desafiou a noção clássica de racionalidade econômica, ao invés disso, explorando como vieses cognitivos e heurísticas moldam decisões de maneiras inesperadas.
Junto a Amos Tversky, por meio da “Prospect Theory”, desvendou como as pessoas avaliam de forma desigual ganhos e perdas.
Kahneman também aprofundou o entendimento sobre heurísticas e vieses cognitivos, elucidando o impacto destes na formação de julgamentos e decisões.
Seu trabalho principal, "Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar", esmiuçou a dualidade do pensamento humano, alternando entre o intuitivo e o analítico, expandindo vastamente a economia comportamental.
O legado de Kahneman ultrapassa o ambiente financista, influenciando campos como políticas públicas e marketing, além de contribuir significativamente para discussões sobre felicidade e bem-estar.
Vale ler o obituário escrito por Felipe Miranda para o Brazil Journal sobre a vida e a obra deste gigante.