Putin envia homem forte ao Brasil para encontrar Lula e enfurece ainda mais os EUA; entenda a saia justa
A visita do ministro das Relações Exteriores da Rússia ocorre sob olhar desconfiado de alguns dos nossos principais parceiros no Ocidente, entre eles EUA e potências da União Europei
Depois das polêmicas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia durante viagem à China, o petista se coloca em mais uma saia justa com os principais parceiros do Brasil no Ocidente: o homem forte de Vladimir Putin desembarcou nesta segunda-feira (17) em Brasília.
O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, participa na capital federal de reuniões no mais alto nível político — as primeiras desde a invasão da Ucrânia, em fevereiro do ano passado.
A visita do homem de confiança de Putin ocorre sob olhar desconfiado de alguns dos principais parceiros do Brasil no Ocidente, como os EUA e potências da União Europeia.
A vinda de Lavrov é a principal de um enviado de Putin desde o início da guerra. Em 2022, o governo de Jair Bolsonaro chegou a suspender uma visita ao Brasil do primeiro-ministro russo, Mikhail Mishustin, que estava prevista para abril, e uma reunião bilateral.
A viagem, agora, será também a primeira de Lavrov ao País desde 2019, ano em que o próprio Putin esteve em Brasília, na cúpula dos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Lavrov chegou ao Brasil com aparato de segurança equivalente ao de chefe de Estado. Pelo menos 18 agentes fazem parte da comitiva que desembarca na capital federal para proteger a autoridade russa.
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A dimensão da equipe de segurança do chanceler equivale, por exemplo, ao aparato que escoltou o então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em sua visita ao Brasil em 2011. Na época, as autoridades dos EUA destacaram 20 agentes para atuar na proteção do norte-americano.
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O enviado de Putin está entre nós
Lavrov chegou horas depois de Lula ter voltado da viagem à Ásia. Os dois se reuniram por 1h30 no Palácio do Planalto. Ele também se encontrou com o ministro Mauro Vieira no Itamaraty. A visita foi acertada durante encontro prévio de ambos à margem do G20, na Índia, em fevereiro.
No Brasil, Lavrov disse que os países têm visões coincidentes sobre a guerra da Ucrânia. Segundo ele, os russos querem uma solução duradoura para o conflito e não de imediato.
Ele agradeceu à proposta brasileira para formação de um grupo de países que busque mediar a paz e pela rejeição do Brasil às sanções unilaterais aplicadas por potências ocidentais a Moscou.
"As visões do Brasil e da Rússia são únicas em relação aos acontecimentos na Rússia", afirmou Lavrov, em pronunciamento no Itamaraty, ao lado do chanceler brasileiro, Mauro Vieira.
"Estamos atingindo uma ordem mundial mais justa, mais correta, baseada no direito. Isso nos dá uma visão de mundo multipolar, levando em consideração as visões de vários países e não só de poucos países. Isso é muito importante para a formação de instituições de governança global. O presidente Lula da Silva falou bastante disso, estamos falando também de instituições financeiras e sobre a representatividade nesses respectivas instituições", disse.
Lavrov afirmou que as sanções lideradas pelos EUA e pela Europa prejudicam a Rússia e chamou de uma "luta dura" o posicionamento do Ocidente em relação à guerra. O Brasil jamais apoiou as sanções, não adotou nenhuma delas e posicionou-se contra nos fóruns multilaterais, como as Nações Unidas.
Lula entre Putin e Biden
Depois da visita de Estado à China, vista como um país aliado à Rússia no momento, Lula adotou retórica compreendida em Washington e Bruxelas como cada vez mais amena e favorável aos russos, além de alinhada a Pequim.
A China é hoje o principal adversário dos EUA, em uma disputa de influência geopolítica e econômica. A viagem de Lula foi seguida com atenção pelo governo de Joe Biden, assim como ocorrerá com a visita de Lavrov a Brasília.
Durante o último giro internacional, que incluiu uma parada nos Emirados Árabes Unidos, Lula disse que a guerra na Ucrânia havia sido uma decisão tomada "por dois países", quando resultou de uma invasão russa ao território ucraniano.
A alegação principal do governo Putin era que Kiev planejava integrar a Otan, aliança militar ocidental, o que significaria uma ameaça concreta à Rússia.
As declarações de Lula têm colocado os dois países no mesmo patamar de responsabilidade, embora a guerra tenha se iniciado com uma agressão unilateral das Forças Armadas de Moscou. Por isso mesmo, esse argumento não encontra respaldo nas principais democracias ocidentais.
O Clube da Paz de Lula
Antes da viagem, o presidente brasileiro já havia sugerido que a Ucrânia deveria abrir mão da Crimeia para pôr fim ao conflito.
A Rússia, nesse sentido, desocuparia as áreas invadidas no ano passado. Kiev prontamente rejeitou qualquer acordo nesses termos e reafirmou a intenção de recuperar o terreno, perdido em 2014.
Lula sugeriu que as nações que enviam armas à Ucrânia deveriam parar — um recado direto a norte-americanos e europeus, que mandaram recursos bélicos para a defesa ucraniana.
Por mais de uma vez, Lula citou a necessidade de sensibilizar os EUA para que mudassem seu papel na guerra. Disse que nem Putin, nem Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, tomavam a "iniciativa de parar".
"A Europa e os EUA terminam dando uma contribuição para a continuidade dessa guerra", afirmou Lula em Abu Dhabi, reiterando a proposta de formar uma espécie de "Clube da Paz" entre países que não têm lado no conflito para intermediar um cessar fogo.
Lula já discutiu sua proposta com líderes dos EUA, Joe Biden; da França, Emmanuel Macron; da Alemanha, Olaf Scholz; e da China, Xi Jinping.
Ele sempre disse que os chineses desempenhariam papel crucial nessa negociação e tentou sensibilizar Xi Jinping. Mas a ideia não ganhou tração. O presidente e seus assessores mais próximos admitem agora que a paz não está no horizonte.
"Somente quem não está defendendo a guerra pode criar uma comissão de países e discutir o fim dessa guerra", declarou Lula, em Pequim.
"É preciso ter paciência para conversar com o presidente da Rússia. É preciso ter paciência para conversar com o presidente da Ucrânia. Mas é preciso, sobretudo, convencer os países que estão fornecendo armas e incentivando a guerra a pararem."
Lula destacou que os dois países estão com dificuldade de tomar decisões. "É preciso terceiros países, que mantenham boas relações com os dois, (para) criarem as condições de termos paz no mundo", argumentou. Na avaliação do presidente, a China tem um papel fundamental nessas negociações.
"Possivelmente seja o mais importante. Agora, outro país importante são os Estados Unidos. É preciso que os EUA parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz. É preciso que a União Europeia comece a falar em paz para a gente convencer o Putin e o Zelensky que a paz interessa a todo mundo, e a guerra, por enquanto, só está interessando aos dois."
Lavrov disse que a Rússia já explicou os motivos da invasão militar ao território da Ucrânia e afirmou que a Rússia tenta proteger vidas de comunidades russas que estavam sendo, segundo ele, ameaçadas e perseguidas pelo governo da Ucrânia, com proibição de uso do idioma russo e de literatura, por exemplo, pelo parlamento ucraniano.
Sem guerra, com crise
A declaração conjunta assinada com Pequim não cita o termo guerra e se refere ao conflito como uma "crise". Tampouco faz referência à Rússia.
Essa retórica, sobretudo a adotada por Lula, tem sido vista como uma posição ambígua, uma vez que o Brasil já votou contra a Rússia nas Nações Unidas, mas rejeita sanções unilaterais.
Ao mesmo tempo, Lula não conseguiu nenhuma declaração mais favorável da China à proposta brasileira de constituição de um grupo de países que possa mediar negociações de paz. Lula deixou o país sem a almejada adesão de Xi Jinping à sua proposta.
A China publicou antes uma proposta própria, um documento com 12 pontos-chave com a posição sobre a guerra. Não fala na necessidade de retirada das tropas russas do território ucraniano.
Os dois países disseram receber positivamente a proposta um do outro e se comprometeram a continuar o diálogo sobre o assunto. E foi só.
Diplomacia em xeque
A diplomacia norte-americana percebeu algumas declarações de Lula como provocações. Europeus também não deixaram de notar o tom de Lula na China.
Sobretudo as primeiras manifestações, questionando o uso do dólar como padrão para transações financeiras internacionais, o que agrada e vai de encontro a iniciativas de Moscou e Pequim para reduzir a influência e a dependência da moeda norte-americana.
Assim como o Brasil vai começar a fazer com a China, a Rússia já vem negociando com o vizinho comunista em moeda local.
Reservadamente, diplomatas europeus que se encontram no raio mais próximo da Rússia avaliam que não é prudente se deixar manipular por Lavrov, de forma ingênua, e servir à propaganda russa como uma forma de romper o isolamento.
Mas também veem como positiva a iniciativa brasileira de manter portas abertas aos russos, sobretudo um parceiro confiável como o Brasil. Alguém tem que falar com Putin, resume um embaixador europeu. Na Europa, ressalta esse mesmo diplomata, só o presidente francês Emmanuel Macron resta atualmente com tal capacidade de diálogo.
Um embaixador europeu disse ao Estadão, sob a condição de ter seu nome preservado, que a visita de Lavrov não deveria ser de pronto rejeitada, porque o Brasil poderia ajudar o Ocidente a manter canais abertos de diálogo com os russos.
As condições de diálogo e os laços diplomáticos continuam se deteriorando. Na semana passada, a Noruega, país vizinho da Rússia e que nunca havia mantido conflitos, expulsou de uma só vez 15 diplomatas russos de Oslo, numa ofensiva sem precedentes, que deve provocar retaliação. Eles foram acusados de espionagem.
A visita de Lavrov ocorre na sequência de uma viagem a Moscou do ex-chanceler Celso Amorim, assessor especial de Lula. Na ocasião, Amorim foi recebido por Putin com deferência no Kremlin e discutiu questões como a proposta brasileira para a guerra e o fornecimento de fertilizantes.
Putin convidou Lula a visitar Moscou. O presidente brasileiro também tem um convite similar de Zelensky.
Apesar da guerra, a Rússia continua sendo o principal fornecedor de fertilizantes para o agronegócio brasileiro. O comércio bilateral chegou a US$ 9,8 bilhões no ano passado, uma cifra recorde.
*Com informações do Estadão Conteúdo
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