Capítulo final: o golpe de misericórdia. Saraiva decreta autofalência
O pedido foi protocolado nesta quarta-feira (4), algumas semanas depois de a Livraria demitir funcionários e fechar as últimas cinco lojas
A primeira loja da Livraria Saraiva foi inaugurada no Largo do Ouvidor, em São Paulo, em 1914. De lá para cá, passaram-se 109 anos de uma história que começou cheia de glórias e que termina nesta quarta-feira (4) com o decreto de autofalência — um desfecho que nem o português Joaquim Ignácio da Fonseca Saraiva, fundador da rede, poderia imaginar.
A Livraria Saraiva nasceu como Livraria Acadêmica — a unidade estava situada próxima da Faculdade de Direito de São Paulo. O local era muito frequentado por estudantes e professores da instituição, o que levou Fonseca Saraiva a entrar no ramo de edição de livros — jurídicos, de logo início.
O negócio prosperou e em 1947, já sob a direção dos filhos do fundador, a empresa se transformou em sociedade anônima e passou a se chamar Saraiva SA - Livreiros Editores. Foi só nos anos de 1970 que a livraria se tornou uma companhia aberta e deu início à expansão.
Nas décadas seguintes, a Saraiva deixou de ser exclusivamente paulista e abriu lojas em outros estados, começou a adquirir rivais e ampliou sua atuação para os livros didáticos. Em 1998, a Saraiva transformou o seu site em uma das primeiras lojas on-line do País.
- Renda fixa “imune” à queda dos juros? Esses títulos premium estão pagando IPCA + 10% e gerando mais de 2% ao mês; acesse
De 2000 a 2012: os anos de glória da Saraiva
Nos anos 2000, a Saraiva mergulhou na expansão de seus negócios: em 2007 comprou a Pigmento Editorial e, no ano seguinte, fez uma mais emblemática transação — a compra de lojas físicas e do site da rival Siciliano.
Com a aquisição, a Saraiva pulou para quase 100 lojas físicas, das quais mais de 20 eram megastores, e 1,6 milhão de clientes, além de 2 milhões de associados.
De 2010 a 2014, outros negócios importantes marcaram a expansão da livraria como o lançamento da plataforma de livros digitais da Saraiva, a divisão de cursos técnicos e de graduação tecnológica e a compra da Editora Érica.
O preço da expansão
Toda expansão tem um preço e a expansão da Saraiva se mostrou, ao longo do tempo, cara demais. A livraria encerrou 2014 com um lucro de R$ 5,7 milhões e uma dívida ajustada de R$ 544 milhões.
Por isso, em 2015, a companhia decidiu se desfazer dos negócios editoriais e de educação em uma transação de R$ 725 milhões com a Somos Educação e passou a se concentrar no varejo.
A estratégia para manter o negócio de pé durou pouco e em 2018, citando desafios econômicos, a Saraiva fechou de uma vez 20 de suas lojas. Alguns meses depois daquele mesmo ano, a companhia entrou com pedido de recuperação judicial.
Golpe de misericórdia: da recuperação judicial a autofalência
Quando entrou com pedido de recuperação judicial, a Saraiva declarou dívidas de R$ 675 milhões — o pedido de RJ só foi aprovado em 2019. Na ocasião, a empresa vinha atrasando pagamentos a fornecedores, não estava horando compromisso com credores e comprometendo o salário de funcionários.
Sem um investidor que pudesse manter o negócio de pé, a Saraiva chegou a 2020 com apenas R$ 15 milhões em caixa e teve que colocar as lojas e o comércio eletrônico à venda, mas não achou comprador. Foi então que a companhia ofereceu suas ações para quitar débitos e ofereceu a opção de pagamento escalonado — que começaria em 2026 e terminaria em 2048.
Nem assim, a livraria conseguiu manter as portas abertas. Depois de fechar todas as lojas e demitir os funcionários no final do mês passado, nesta quarta-feira (04), a Saraiva escreveu o último capítulo de sua história: o pedido de autofalência.
O último capítulo da história da Saraiva
O último capítulo da história da Saraiva foi publicado na 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, onde a livraria protocolou hoje nos autos do processo de recuperação judicial o pedido de autofalência.
Essa última página é curta: um comunicado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com pouco mais de dez linhas, informa o fim do negócio e da história centenária da Saraiva.
Entenda por que dona do Outback quer sair do Brasil — e ela não é a única
Apesar de o Brasil representar 83% do faturamento internacional do Outback, gestora Bloomin’ Brands já avaliava vender as operações no país desde 2022
Executivos da Saraiva renunciam após fechamento de lojas físicas; entenda o que isso significa para a rede de livrarias
A companhia aprovou a saída de dois executivos da diretoria da companhia, o diretor presidente Jorge Saraiva Neto e o diretor vice-presidente Oscar Pessoa Filho
Saraiva vai virar ‘Amazon brasileira’? Livraria confirma decisão de demitir funcionários e migrar totalmente pro e-commerce
São 33 lojas físicas em operação, sendo que o estado de São Paulo concentra a maior parte delas, com 11 unidades
Sem final feliz: Livraria Cultura tem falência decretada pela Justiça de São Paulo
A histórica Livraria Cultura, fundada em 1947, não cumpriu com os acordos firmados na recuperação judicial e teve a falência decretada
Por que as ações da Saraiva (SLED4 e SLED3) estão desabando mais de 20% após o grupamento?
A Saraiva promoveu um grupamento na proporção de 35 para 1 de suas ações PN (SLED4) e ON (SLED3), reduzindo fortemente a liquidez
Na Saraiva (SLED3 e SLED4), uma medida para aliviar a pressão da CVM — mas que não tira a corda do pescoço
A Saraiva (SLED3 e SLED4) quer fazer um grupamento de ações na proporção de 35 para 1, saindo da casa dos centavos — mas perdendo liquidez
Sem conseguir vender ativos, Saraiva corre risco de ter falência decretada
Após ação de um de seus credores, Justiça determinou que empresa apresente em até 30 dias uma nova proposta, sob a pena de que sua falência seja decretada
Quais ações de empresas em recuperação judicial podem valer o risco?
Companhias nessa condição costumam ter ações baratas e que oferecem enorme potencial de ganho; os riscos, no entanto, são imensos
Saraiva tem prejuízo de R$ 118 milhões no trimestre com lojas fechadas e sem crescer no online
A receita líquida da Saraiva despencou 80% no segundo trimestre, para R$ 27,7 milhões. Desse total, apenas R$ 4,6 milhões vieram das lojas físicas
Em acordo, editoras exigem que Saraiva pague livros à vista
Para apoiar recuperação judicial da Saraiva, editoras exigem garantias mais claras; acordo semelhante com a Livraria Cultura está no forno
Com dívida de R$ 667 milhões, Saraiva pede recuperação judicial
Varejista vem passando por dificuldades desde o início do ano e já encerrou as atividades de 19 pontos de venda
Saraiva recebe propostas por cinco livrarias que foram fechadas
Rede mineira Leitura, hoje a segunda maior do País, fez propostas para tentar assumir cinco dos pontos de venda que a rival fechou