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Julia Wiltgen
Julia Wiltgen
Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com pós-graduação em Finanças Corporativas e Investment Banking pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Trabalhou com produção de reportagem na TV Globo e foi editora de finanças pessoais de Exame.com, na Editora Abril.
Entrevista SD

Crise de 2008 ‘com esteroides’: especialista em previdência e PhD pelo MIT vê crise financeira em formação, mas está otimista com o Brasil

“O risco sistêmico está simplesmente grande demais”, diz Arun Muralidhar, parceiro acadêmico do Nobel de Economia Robert Merton; risco geopolítico também preocupa

Julia Wiltgen
Julia Wiltgen
16 de agosto de 2023
6:30 - atualizado às 17:18
queda bolsa mercados
Para Muralidhar, investidores novamente tomaram risco demais e podem voltar a precisar de resgate do Fed. Imagem: Shutterstock

“2008 com esteroides”. Foi essa a analogia que Arun Muralidhar, especialista em previdência, PhD em Economia e Finanças Gerenciais pelo M.I.T. e ex-professor da George Washington University usou para descrever o que acredita estar acontecendo nos mercados globais hoje.

Na sua entrevista ao Seu Dinheiro para falar sobre o Tesouro RendA+ e o Tesouro Educa+ – novos títulos do Tesouro Direto inspirados nas suas ideias em coautoria com o Nobel de Economia Robert Merton – Muralidhar começou com um desabafo: acredita estar vendo a formação de uma uma crise nos moldes da crise de 2008, e que o Brasil e a Índia são os melhores lugares para se investir no momento, dado o grande risco geopolítico pelo mundo.

Mas ele mesmo, que gerencia e aconselha fundos de previdência privada, está em cash, isto é, priorizando o dinheiro em caixa – o que significa dizer que mantém os recursos na renda fixa mais conservadora, como os títulos do Tesouro americano indexados à taxa de juros.

“Se você tem dinheiro em mãos você tem opção na hora de comprar ativos baratos. Além do mais, está ganhando um retorno de 5% [da taxa de juros americana neste momento], não é algo que te deixa tão para trás assim. E a primeira metade do ano já trouxe retornos altos no mercado de ações que não deveriam ter acontecido”, diz, em referência às bolsas americanas.

Ele argumenta, porém, que essa postura não é o que se vê atualmente entre os investidores institucionais, como os grandes fundos de pensão e endowments de universidades.

“No caso de um fundo global, eu seria esperto sobre construir a capacidade de ser ágil, o que talvez seja o caso de apenas uns 5% dos investidores globalmente. Conheço muitos investidores grandes, com trilhões e trilhões de dólares em ativos. Ninguém está preparado”, afirma, acrescentando que espera estar “realmente errado” sobre sua projeção, mas que “o risco sistêmico está simplesmente grande demais” para ele.

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Muralidhar diz que há resistência nesses grandes investidores em readequar as carteiras a uma eventual crise porque este seria considerado um movimento “tático” (pontual), quando investidores de longo prazo preferem apostas mais estruturais.

“Mas não fazer nada [diante de uma crise] também é ser tático, pois também é apostar em alguma coisa. Porque as pessoas acham que, ao não tomarem uma decisão, elas não fizeram nada. Mas eu digo que não, você está fazendo justamente a aposta que está na sua carteira.”

- Arun Muralidhar.
Arun Muralidhar, PhD pelo MIT, especialista em previdência e ex-professor da George Washington University, autor das ideias que embasam os títulos Tesouro RendA+ e Tesouro Educa+
Arun Muralidhar, especialista em previdência, PhD em Economia e Finanças Gerenciais pela Sloan School of Management do M.I.T., chairman e cofundador da McCube Investment Technologies e chairman e CIO da AlphaEngine Global Investment Solutions. - Imagem: Princeton Headshots/Divulgação.

Fed ao resgate

Mas isso significa então que o mercado vai implodir, como aconteceu em 2008? Não necessariamente, porque Muralidhar acredita que, assim com vem acontecendo nos últimos anos, os bancos centrais sairão em socorro dos mercados rapidamente – especialmente o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos.

Ele diz, aliás, que é o que espera que aconteça. “Mas aí o que vai acontecer é que teremos uma melhora financeira, mas uma destruição econômica.”

O pesquisador é um grande crítico da política monetária extremamente expansionista do Fed nas últimas crises. Para ele, ela só contribuiu para estimular os grandes investidores a tomarem riscos cada vez maiores e aumentar os preços dos ativos. Em contrapartida, isso reduziu a renda que poderia ser gerada a partir desses ativos, machucando diretamente o poder de compra e nível de vida de aposentados e pensionistas.

Além disso, o Fed criou o mau hábito, na visão dele, de sempre responder com cortes nos juros a qualquer mal-estar no mercado e resgatar agentes financeiros irresponsáveis, mas “grandes demais para quebrar” – ou mesmo os não tão grandes assim.

“O Fed e os bancos centrais criaram uma resposta pavloviana no mercado, que o induz a tomar mais risco”, me disse, fazendo referência à resposta condicionada e involuntária a determinado estímulo descoberta pelo fisiologista russo Ivan Pavlov, conceito que está por trás, por exemplo, do adestramento de cães.

“Se toda vez que você cair, alguém vier rapidamente te socorrer, você nunca vai aprender a sua lição. E foi isso que eu acho que os bancos centrais fizeram, impediram os mercados de cair. Acabaram com a disciplina de dizer que, se você toma decisões ruins, às vezes você merece ser tirado da jogada”, completou.

Para ele, o mercado tanto sabe disso que está precificando cortes de juros pelo Fed ao longo do próximo ano, mesmo com a autoridade monetária indicando possíveis novas altas com posterior manutenção das taxas no decorrer deste ano. Em outras palavras, esses futuros cortes de juros, na visão de Muralidhar, seriam a resposta à crise que o Fed será obrigado a dar.

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Ainda que algo tão drástico como “uma nova crise de 2008” possa vir a não se concretizar, de fato estamos diante de uma série de indícios de fraqueza econômica que induzem os investidores a temerem uma recessão global.

Começou com as quebras dos bancos regionais americanos, passando pelo resgate do Credit Suisse pelo UBS com intermediação do governo suíço, a dados de desaceleração econômica e deflação na China que vêm pesando sobre os preços das commodities.

Vimos ainda, recentemente, agências de classificação de risco rebaixando a nota de crédito dos Estados Unidos e dos bancos americanos, além da escalada do preço do ouro, ativo considerado refúgio em tempos de crise.

Outros bancos podem quebrar

“O Silicon Valley Bank não deveria ter sido resgatado. Tudo bem, ia causar uma disrupção [no mercado], mas ia mandar um recado”, diz Muralidhar, referindo-se ao primeiro banco regional americano a quebrar no início deste ano, cujos clientes tiveram seus depósitos integralmente cobertos pelo governo americano, mesmo quando os valores superavam o limite do fundo garantidor do país.

O pesquisador acredita que podem vir mais quebras de bancos por aí, porque outras instituições também fizeram “a mesma coisa que o SVB fez”.

“A mensagem que fica para os investidores é: não tome riscos pequenos, senão você vai ser dizimado. Tome riscos grandes, que possam explodir todo o sistema. Se você fizer dinheiro, você fica com ele; se perder tudo, o governo te salva”, diz.

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Os sinais da crise

Para o pesquisador, o balanço dos bancos está muito inchado e grandes investidores, como os fundos de pensão, estão alocados demais em ativos de baixíssima liquidez, que tendem a sofrer muito quando os juros sobem.

Além disso, os casos de inadimplência e vendas a preço de banana que vêm pipocando no mercado de imóveis comerciais americano são indicativos de que o sistema financeiro pode não aguentar o aperto monetário em curso. E já vem levando os bancos a emprestarem menos.

Isso sem falar no risco geopolítico, como a guerra entre Rússia e Ucrânia, as tensões comerciais e de segurança entre China e Estados Unidos, e o desejo do Gigante Asiático de retomar Taiwan.

“Faz sentido a China tomar Taiwan? Eu acho que sim, e em algum momento do próximo ano eles vão ter que fazer isso, porque ninguém vai vir ajudar Taiwan perto das eleições americanas”, prevê Muralidhar.

Nesse sentido, acredita, o Brasil se destaca como um bom lugar para investir do ponto de vista da estabilidade. Muralidhar admite que o país não é uma ilha, e que um soluço nos mercados globais obviamente se refletiria por aqui. Mas, como gestor previdenciário, ele é ao menos entusiasta do Tesouro RendA+, título público que toma por base as ideias que ele e o economista Robert Merton desenvolveram.

Indexado à inflação e capaz de garantir uma renda mensal por 20 anos, o título voltado para a aposentadoria é encarado, por seus idealizadores, como o verdadeiro ativo livre de risco – não para a reserva de emergência, é claro, para os investimentos de longo prazo.

“Se eu estivesse no Brasil, se fosse um cidadão brasileiro, estaria comprando RendA+ ao máximo. É um negócio incrivelmente bom. É brilhante. Nos Estados Unidos eu não tenho essa opção, então estou em caixa, mas não é onde eu gostaria de estar”, afirma.

Ele admite que um título como o RendA+, cujos preços variam de acordo com as perspectivas de mercado para juros e inflação, também tenderia a ser afetado por uma crise, mas que isso não afetaria a renda a ser gerada no futuro – o que, na visão dele, é o que deveria importar para quem quer garantir a aposentadoria.

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