Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo: como a quebra do SVB coloca o Banco Central numa sinuca de bico
A quebra de bancos regionais nos EUA pode ajudar nosso Banco Central a reduzir os juros por aqui, aliviando as pressões de crédito
Os mercados financeiros globais estão lidando com uma tempestade perfeita. A liquidação da Silvergate Capital, focada em criptomoedas, e o colapso do Silicon Valley Bank (SVB) levantaram questões sobre os riscos de instabilidade financeira para a economia norte-americana, bem como o risco de contágio para outros bancos regionais nos EUA.
Destaque para o segundo. O SVB Financial Group, controlador do Silicon Valley Bank (o "banco do Vale do Silício"), registrou um grande prejuízo, provocando a venda de ações de grandes bancos dos EUA — a instituição vendeu títulos de sua carteira com uma perda de US$ 1,8 bilhão, ao mesmo tempo em que anunciava planos para levantar capital por meio de uma oferta de ações ordinárias e preferenciais.
A informação gerou muito pessimismo.
Passaram-se 15 anos desde que o Bear Stearns chocou Wall Street e o mundo ao enfrentar uma crise de caixa que obrigou o banco a ser vendido a um preço baixíssimo. Com isso, o Silicon Valley Bank é a primeira instituição segurada pelo Federal Deposit Insurance Corporation, ou FDIC, a ser liquidada desde 2020 e o maior banco falido desde a crise financeira.
O problema decorre do aumento das taxas de juros.
Os bancos estão sobrecarregados com títulos mais antigos e de menor rendimento que perderam valor repentinamente. Ninguém quer uma carteira de títulos com rendimento de 1,5% quando o mercado atual está vendendo títulos do Tesouro de 6 meses com rendimento acima de 5%.
O SVB pegou os depósitos de seus clientes e os usou para comprar esses títulos de baixo rendimento. Na semana passada, foi forçado a vender os títulos com prejuízo, provocando a queda das ações. A partir daí, o pânico cresceu, culminando na falência do banco.
O medo de contágio e uma corrida aos bancos à moda antiga fizeram com que as ações de outros bancos regionais também caíssem. No fundo, o mercado teme um episódio parecido com o de 2008, com desdobramento subsequente pelo mundo.
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Não há sinais de risco sistêmico
Deixo claro desde já que, em minha visão, os eventos não devem ter implicações mais amplas e significativas para a economia, não compondo, portanto, um sinal de risco sistêmico para o setor bancário. Não estamos em 2007 ou 2008. Não há bolha de crédito alimentando a economia.
No entanto, o fraco poder de negociação salarial tornou os consumidores, especialmente os de baixa renda, mais dependentes do crédito. Em outras palavras, a situação de juros mais elevados pode já ser sentida entre os consumidores. De fato, sei que pode haver muita incerteza sobre a visão mais otimista, até mesmo porque o risco de cauda existe.
Resgate aos clientes
Ainda assim, o Tesouro, o Federal Reserve e o Federal Deposit Insurance Corp, ou FDIC (fundo garantidor), intervieram em conjunto na noite de domingo para proteger os clientes do SVB e apoiar outras instituições depositárias elegíveis, conforme necessário.
Todos os clientes do SVB terão acesso a todo o dinheiro de seus depósitos, sendo que o Fed ainda disponibilizará financiamento adicional a instituições depositárias qualificadas, garantindo que os EUA estariam preparados para lidar com qualquer pressão de liquidez que surgir. A ideia aqui é evitar o surgimento de um risco sistêmico.
O nervosismo permanece, sim, mas os movimentos deveriam servir ao menos para acalmar marginalmente os temores que, de outra forma, poderiam ter desencadeado novas corridas aos bancos, como aconteceu no caso da SVB.
Não desisto de pensar que a economia dos EUA passará por uma leve recessão durante o segundo semestre deste ano. Não vejo, porém, um desfecho catastrófico. Sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, diante do aperto monetário sem precedentes do Fed, algum corpo poderia aparecer boiando. Dito e feito. Resta saber se é o único.
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Onde o Brasil entra nisso
Ao mesmo tempo, por mais distante que possa parecer, o contexto guarda relação com o que está acontecendo com o Brasil. Tanto o Federal Reserve dos EUA como o Banco Central do Brasil conduzirão suas respectivas reuniões de política monetária na semana que vem. Acontece que, considerando o episódio, o jogo está em aberto.
Nos EUA, por exemplo, na semana passada, Jerome Powell, o presidente do Fed, colocou novamente na mesa a possibilidade de uma alta de 50 pontos-base na reunião, o que reaceleraria o processo de aperto. A fala envelheceu muito mal.
Nunca acreditei nesse movimento, entendo a participação de Powell como um desastrado exercício de atuação vocal, mostrando tom ainda contracionista. Sim, se levarmos em conta a inflação e o mercado de trabalho, o Fed ainda tem espaço para continuar subindo os juros e mantê-los elevados por mais tempo.
Ocorre, porém, que os choques no sistema financeiro foram relevantes e, consequentemente, os elevados riscos de instabilidade financeira argumentam ligeiramente a favor do aumento das taxas do FOMC em apenas 25 pontos-base na próxima reunião, o que será um modesto suporte para os mercados.
Mirei no que vi e acertei no que não vi.
São muitas instituições do mercado financeiro agora observando o fim do aperto monetário do horizonte. O Wall Street Journal, a corretora japonesa Nomura Securities, o banco espanhol Barclays e a consultoria econômica Capital Economics, bem como muitos outros nomes, já indicaram que há espaço para um afrouxamento do tom.
Há quem diga, inclusive, que há espaço para um corte já em março.
Duvido, mesmo que o cenário esteja entre os possíveis. Trabalho com a chance predominante de um último ajuste de 25 pontos base, sinalizando uma pausa, ao menos por enquanto, do processo de aperto monetário.
Claro que isso pode mudar nos próximos dias, a depender da digestão dos dados de inflação e de novidades envolvendo o setor bancário americano, em especial o regional.
O ponto é que esse evento dialoga com o que estamos vivendo no Brasil. Diferentemente dos EUA, já encerramos o processo de aperto monetário, restando agora saber quando começaremos a redução de juros.
Ter que lidar com tantas crises em tantos lugares ao mesmo tempo é um verdadeiro desafio para o BC. Temos três frentes de atuação: para pensar:
- i) a inflação corrente;
- ii) a possibilidade de uma crise de crédito (a ameaça de uma forte desaceleração do mercado de crédito doméstico desencadeada pela crise da Americanas e pelo aperto monetário realizado); e
- iii) a problemática fiscal, que prejudica a formação de expectativas e adiciona prêmio na ponta longa da curva de juros.
Hoje, vivemos em uma situação na qual o primeiro ponto impede o BC de subir os juros, enquanto o segundo demanda alguma flexibilização, de modo a evitar uma quebradeira descontrolada pelo Brasil. O terceiro e último ponto, mas não menos importante, está em aberto, e tem como grande divisor de águas o novo arcabouço.
Expectativa com o arcabouço fiscal
Os meses de janeiro e fevereiro foram marcados por um embate duro entre o Poder Executivo e o Banco Central. Lula e sua base, bem como várias lideranças do país, estão nervosos com os juros elevados, que prejudicam as perspectivas de crescimento. Conversamos sobre esse tema recentemente.
Nos próximos dias teremos a apresentação formal da regra fiscal que deverá substituir o teto de gastos. O problema é que ele é condição necessária para a queda dos juros, porém não suficiente. Com isso, partindo dessa perspectiva, poderíamos ter uma flexibilização do discurso na semana que vem, sinalizando queda da Selic em maio.
Isso pode irritar os políticos e empresários brasileiros, mas há pouco que possamos fazer. As expectativas ainda não estão ancoradas, há muita incerteza no ar, vivemos diariamente com atritos desnecessários contra a autoridade monetária e a inflação, como pudemos ver sexta, ainda está vindo acima do esperado.
O contexto não é trivial. O Banco Central terá que fazer uma escolha difícil.
O caminho pode ser um argumento técnico no sentido da possibilidade de uma crise de crédito (se o arcabouço fiscal for decente, também pode ser usado como argumento). Ao mesmo tempo, a quebra dos bancos americanos pode dar impulso ao Banco Central sinalizar o início do ciclo de corte da Selic.
O motivo? O colapso dos bancos, ainda que regionais e não primários, coloca as condições financeiras globais, que já estavam se contraindo, em situação de ainda mais aperto, tendo efeito baixista para a inflação, uma vez que é inibidor de atividade.
Com menos espaço para mais juros nos EUA, o Brasil pode reduzir sua taxa de juros com maior tranquilidade, ou ao menos planejar a redução. Dessa maneira, se torna menos problemático para a autoridade monetária começar a reduzir gradualmente a restrição, uma vez que o balanço de riscos domésticos e internacionais mudou.
Ainda temos muitos dias até a reunião. Ultimamente, cada dia parece uma eternidade em termos de informação.
Será importante acompanharmos a apresentação do arcabouço fiscal e a digestão da inflação americana. Só assim conseguiremos ter uma clareza maior de para onde estamos navegando.
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