VIVEMOS MUITO TEMPO NA BONANÇA: CHEGOU A HORA DE PAGARMOS A CONTA
Lá fora, os mercados de ações asiáticos caíram nesta quinta-feira depois que os ativos em Wall Street afundaram ontem, com destaque para a queda nas ações do Credit Suisse, que reacendeu as preocupações sobre uma possível crise bancária após a quebra de dois bancos nos EUA — as ações em Xangai, Tóquio, Hong Kong e Sydney caíram, revertendo os ganhos de quarta-feira.
Na Europa, a manhã é de recuperação, ao menos por enquanto, momento em que a maior parte dos futuros americanos cai. Na quarta-feira, o índice S&P 500 perdeu 0,7% depois de chegar a cair até cerca de 2,1% no dia, quando as ações do Credit Suisse caíram 30%, percentual que foi se diluindo ao longo da tarde. Há um nervosismo sobre a força dos bancos globais que estão sob pressão dos aumentos das taxas de juros.
A queda do Credit Suisse abala o já fragilizado humor dos investidores. Podemos dizer que pagamos o preço do estresse gerado pelo aumento dos juros, depois de muitos anos com política monetária demasiadamente frouxa, o que deixou os mercados e os investidores viciados em liquidez. Os ativos brasileiros acompanham os movimentos de estresse internacional, enquanto esperam pela apresentação do novo arcabouço fiscal.
A ver…
00:52 — O Senhor Mistério
Por aqui, os investidores operam cautelosamente, em compasso de espera pela semana que vem, quando teremos a nossa reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), e pela apresentação da regra que substituirá o teto de gastos. Enquanto isso, acompanhamos o humor internacional, que nos levou de voltar aos 100 mil pontos ontem, antes de conseguirmos nos recuperar de volta para os 102 mil pontos. O estresse levou o dólar para novas máximas, num típico movimento de aversão ao risco.
Nos bastidores, esperamos novidades sobre o debate em plenário da taxa Selic, que acontecerá no Senado com a presença de Campos Neto, Haddad, Tebet e economistas, ainda sem data confirmada.
Ainda nesta quinta-feira, alguns agentes devem acompanhar o depoimento de Miguel Gutierrez, ex-CEO da Americana que comandou a companhia por 20 anos, na CVM. Gutierrez é considerado um sujeito bastante misterioso (para se ter uma ideia, há apenas uma foto dele na internet). Curiosamente, ele é quem pode esclarecer os detalhes da história, já que é até hoje o maior acionista pessoa física, depois do pessoal da 3G.
01:36 — Para além dos bancos regionais
Nos EUA, o S&P 500 terminou a quarta-feira em baixa de 0,7%, depois de cair mais de 2% no início da tarde. A notícia do dia foi uma crise em curso no Credit Suisse, o segundo maior credor da Suíça e um banco de investimento global, responsável pela gestão de patrimônio com clientes em vários continentes. O estresse atingiu os grandes bancos dos EUA, como Morgan Stanley, JPMorgan e Goldman Sachs.
As ações do Credit Suisse, que atingiram seu pico acima de US$ 75 por ação em 2007, antes da crise financeira global, entraram no ano de 2023 em torno de US$ 3 e fecharam em US$ 2,16 ontem, uma queda de 14%. Outros bancos europeus também caíram muito, como o Société Générale, que caiu 12%, o Deutsche Bank, que cedeu 7%, e o UBS Group, que perdeu 6,3%.
O gatilho para a queda generalizada foi a identificação de fraquezas materiais nos relatórios financeiros de 2021 e 2022 do Credit Suisse, além da notícia de hoje de que o Saudi National Bank não forneceria mais capital para manter sua participação abaixo de 10%. O aperto do ano passado está claramente tendo um impacto nos mercados financeiros e de empréstimos, que eventualmente flui para a economia real.
Os bancos, sem dúvida, serão mais cautelosos a partir daqui, dificultando a obtenção de crédito e desacelerando o crescimento. Essa é a política de taxa de juros do Fed em ação. O Comitê Federal de Mercado Aberto se reúne na próxima semana para determinar para onde essas taxas vão. As autoridades do Fed deixaram claro que querem errar para o lado de apertar demais, em vez de apertar de menos.
02:50 — Quem poderá nos defender?
Depois do caos iniciado nas primeiras horas de ontem em Zurique, o Credit Suisse, um banco global sistemicamente importante, recorreu à reguladora suíça, a Finma, para que ela demonstrasse apoio público às contas do banco. Dito e feito.
No final do dia, o órgão garantiu ao mercado que o Credit Suisse atende às exigências de capital e liquidez. Além disso, o Banco Central da Suíça admitiu que forneceria liquidez ao Credit Suisse. E foi exatamente isso que aconteceu.
Ainda na noite de ontem, o Credit Suisse disse que usaria um suporte do banco central suíço e tomaria empréstimos (linha de liquidez) de até 50 bilhões de francos suíços (US$ 53,7 bilhões).
A notícia traz um pouco mais de calma aos mercados. O Credit Suisse tem lutado contra problemas há anos, incluindo perdas relacionadas ao colapso em 2021 da empresa de investimentos Archegos Capital. A crise recente dos bancos regionais nos EUA apenas reacendeu as preocupações com os setores financeiros. Há quem diga que, para solucionar a questão, uma fusão entre UBS e CS pode acontecer.
03:37 — Uma reunião difícil
O Banco Central Europeu (BCE) reúne-se hoje para tratar de sua política monetária. Será uma reunião difícil, considerando que o Credit Suisse acabou de acessar a liquidez do Swiss National Bank. Ainda assim, a autoridade monetária deverá aumentar as taxas de juros em 50 pontos-base para 3,5%.
Em outras palavras, é improvável que o súbito colapso de uma série de bancos dos EUA e o próprio nervosismo com o CS coloque em xeque a alteração da taxa, prometida no mês passado.
Na sequência da divulgação da decisão, a presidente do BCE, Christine Lagarde, concede entrevista coletiva, podendo dar mais detalhes sobre o ritmo da política monetária nos próximos meses, bem como esclarecer seu posicionamento em relação aos riscos dos bancos nos EUA e na Europa.
Por enquanto, o contágio nos mercados europeus foi limitado. O ponto principal é que o BCE está em uma luta determinada contra a inflação e não pode se dar ao luxo de se distrair.
04:19 — Os efeitos sobre o consumidor
A presidente do BCE, Christine Lagarde, já declarou mais de uma vez o seu desejo de combater a inflação custe o que custar. Geralmente, porém, é o consumidor que está sujeito ao trauma contundente do endurecimento das políticas monetárias. As taxas de juros mais altas aumentam os custos da dívida existentes. Isso pode limitar a capacidade dos consumidores de gastar, já que uma parte maior de sua renda é usada para pagar dívidas existentes.
Ao mesmo tempo, taxas mais altas desencorajam novos empréstimos dependendo se o consumidor está conscientemente ou inconscientemente pedindo dinheiro emprestado. Se um consumidor decidir conscientemente pedir dinheiro emprestado para fazer uma compra, é provável que taxas mais altas desacelerem o crédito. Se um consumidor está contraindo empréstimos inconscientemente, é menos provável que as mudanças nas taxas de juros desacelerem o crédito.
A decisão de pedir dinheiro emprestado é “forçada” pelo desejo de manter os padrões de vida quando os salários reais não crescem. Os empréstimos recentes do consumidor tornaram-se cada vez mais inconscientes. Para retardar o endividamento inconsciente, os aumentos das taxas podem ser menos eficazes. Por isso ainda não vimos as autoridades monetárias dos países centrais diminuindo o ritmo do aperto.