PACIÊNCIA ORIENTAL
Lá fora, os mercados asiáticos encerraram o dia em alta nesta quarta-feira, mesmo com dados econômicos mistos na China, acompanhando as movimentações predominantemente positivas dos mercados globais durante o pregão de ontem — com dados mostrando uma desaceleração nos preços ao consumidor nos EUA em fevereiro, o que contribuiu significativamente para o clima positivo no mercado, uma vez que serve para dissipar os temores de um aumento acelerado das taxas do Federal dos EUA.
A garantia das autoridades americanas de que não haverá um efeito cascata após o colapso do credor americano Silicon Valley Bank no fim de semana, como na crise financeira de 15 anos atrás, também ajuda a elevar o ânimo.
Ainda assim, os mercados europeus amanhecem com um humor mais negativo, corrigindo a alta de ontem - o sentimento pessimista é aprofundado pela queda das ações do Credit Suisse, que divulgou relatório anual ruim ontem e teve negativa do principal acionista para uma injeção de liquidez.
Os futuros americanos também não sustentam um bom desempenho nesta manhã, com investidores ansiosos pela divulgação da inflação ao produtor e das vendas no varejo.
A ver…
00:46 — O tão esperado arcabouço fiscal
No Brasil, a agenda do dia é menos carregada, com investidores esperando pela divulgação do tão aguardado novo arcabouço fiscal, que deverá substituir o teto de gastos para ancorar as expectativas.
Ontem, o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, apresentou a nova regra ao vice-presidente Geraldo Alckmin, que aparentemente gostou da proposta. Com isso, as expectativas vão gradualmente ficando melhores, principalmente depois de Simone Tebet ter indicado na semana passada que o texto agradaria o mercado. Se for verdade, o desfecho de 2023 pode ser muito melhor.
Até lá, no entanto, devemos acompanhar com muita calma, até mesmo porque quem bate o martelo é o presidente Lula, que deverá apreciar o arcabouço ainda nesta semana — o Chefe de Estado tem viagem marcada para a China no dia 24 e quer resolver o tema antes de ir.
O desejo de Haddad é de que tudo seja formalmente apresentado antes mesmo do Comitê de Política Monetária (Copom) da semana que vem. A depender do texto, o BC já poderia sinalizar algum tom mais flexível para a sua política, o que abriria espaço para uma redução da Selic, ainda que marginal, em maio.
01:42 — A inflação americana
Nos EUA, o índice de preços ao consumidor de ontem foi muito importante para balizar as expectativas do mercado, ainda que tenha sido de maneira mais secundária depois das falências do Silicon Valley Bank e do Signature Bank, em última análise causadas por taxas de juros mais altas.
Se a situação nos servir de algum exemplo, podemos deduzir que o plano do Federal Reserve de apertar as condições financeiras e vencer a inflação está finalmente funcionando. Há quem diga, inclusive, que o Fed não relaxa sua postura até que apareça um corpo boiando. Dito e feito.
Para completar, receberemos hoje nos EUA os preços de produtores e vendas no varejo. Os relatórios podem ser os últimos grandes dados que Jerome Powell e os formuladores de políticas do Federal Reserve verão antes de se reunirem na próxima semana para determinar o próximo estágio da política monetária.
02:36 — As discussões envolvendo o orçamento de Biden
O presidente dos EUA divulgou na semana passada uma proposta orçamentária de US$ 6,8 trilhões, que fortaleceria as forças armadas, expandiria os programas sociais e reduziria o déficit em US$ 3 trilhões na próxima década. E como ele conseguiu isso? Aumentando uma série de impostos sobre os americanos, especialmente sobre os mais ricos (aqueles que ganham mais de US$ 400 mil por ano) e impondo um imposto de 25% sobre a riqueza dos bilionários.
O orçamento como está atualmente não tem chance de passar pela Câmara controlada pelo Partido Republicano. Tanto é verdade que o presidente da Câmara, Kevin McCarthy, imediatamente classificou o orçamento como "não sério", mas Biden sabe disso. A proposta é a abertura do que será uma batalha contundente com os republicanos, que dizem querer um orçamento equilibrado para aumentar o teto da dívida, mas ainda não produziram um plano viável próprio.
03:20 — O problema dos britânicos
Os investidores não precisam voltar para 2008 com o intuito de acompanhar uma situação de estresse semelhante com a atual.
Há seis meses, um alarme disparou no Reino Unido, quando o mercado de títulos do governo britânico saiu do controle. À época, a então primeira-ministra Liz Truss revelou um enorme pacote de cortes de impostos, gastos e aumento de empréstimos com o objetivo de fazer a economia se movimentar. O problema foi que o mercado temia que a consequência imediata seria mais inflação em um ambiente já bastante conturbado de preços.
Como resultado, os investidores venderam os títulos do governo do Reino Unido, fazendo com que os juros de parte dessa dívida subissem na velocidade mais rápida já registrada. A escala do tumulto colocou uma enorme pressão sobre muitos fundos de pensão, derrubando uma estratégia de investimento que envolve o uso de derivativos para proteger suas apostas. Muitos receberam chamada de margem, colocando ainda mais pressão vendedora sobre os títulos. Um verdadeiro desastre.
Naquele momento, o Banco da Inglaterra conseguiu colocar as coisas sob controle rapidamente, entrando em modo de crise. Depois de trabalhar a noite toda, entrou no mercado no dia seguinte com a promessa de comprar até US$ 73 bilhões em títulos, se necessário. Isso interrompeu o sangramento e evitou instabilidade financeira generalizada.
As autoridades americanas estão agindo de maneira semelhante agora. Mostra como os sistemas financeiros internacionais estão mais sensíveis hoje em dia.
04:31 — Questões asiáticas
No Japão, os dirigentes do BoJ (autoridade monetária japonesa) afirmaram na ata da última reunião que não irão hesitar em tomar medidas adicionais para garantir que a inflação atinja a meta de 2%. Sabemos hoje, no entanto, que a conduta do controle da curva de juros (YCC, na sigla em inglês) pode estar sob revisão, mas que poderá levar tempo para que alguma mudança aconteça.
Com isso, até que haja uma mudança na política, as taxas de juros de curto e longo prazo podem permanecer no seu nível atual. Será importante acompanharmos as medidas adicionais de estímulos realizadas na Ásia, uma vez que a região pode ser um importante mercado consumidor do Brasil.
Enquanto isso, na China, o Banco do Povo da China (autoridade monetária chinesa) manteve suas principais taxas de juros inalteradas.
Pelo menos houve o anúncio de injeção de US$ 70 bilhões em liquidez no sistema bancário, por meio da linha de crédito de médio prazo, visando combater qualquer estresse derivado da crise dos bancos regionais americanos.
O movimento veio no mesmo dia em que a produção industrial teve alta anualizada de 2,4% no primeiro bimestre, abaixo da previsão, enquanto as vendas no varejo avançaram 3,5%. Até aqui, o governo chinês parece contar mais com a força da reabertura, de modo a não precisar de muito esforço.