O QUE ROBERTO CAMPOS NETO TINHA A NOS FALAR?
Lá fora, as ações asiáticas entregaram um desempenho misto nesta terça-feira, com os investidores se preparando para a divulgação de dados cruciais sobre a inflação nos EUA. No âmbito internacional, depois de um bom janeiro, os investidores passaram por algumas semanas instáveis, enquanto contemplavam a perspectiva de mais aumentos nas taxas de juros do Federal Reserve, com o objetivo de esfriar a ainda robusta economia americana (teremos mais juros por mais tempo).
O principal golpe veio de um relatório de empregos no início do mês, que levou vários membros do Fed a insistir que continuarão a apertar a política monetária até que os preços estejam sob controle. Os mercados europeus e os futuros americanos têm uma boa manhã. Por aqui, o destaque do dia é a digestão da excelente entrevista de Roberto Campos Neto ao Roda Viva ontem, além da repercussão do resultado do Banco do Brasil, que foi muito bem no quarto trimestre de 2022.
A ver...
00:46 — A entrevista
No Brasil, tivemos ontem a entrevista de Roberto Campos Neto, presidente do BC, no Roda Viva. A ideia de seu movimento era esclarecer algumas dúvidas para o público em geral, buscando uma trégua com o governo e sua base — os gritos de algumas personalidades hoje mais secundárias, como Hoffmann e Boulos, incomodam, mas pouco indicam as reais intenções do Poder Executivo, mais bem representado por Haddad. Como sabemos, há uma grande pressão sobre a autoridade monetária local.
Roberto Campos confirmou a discussão de estudos, conduzidos ao longo dos últimos anos pela equipe técnica do BC, sobre formas de aprimorar a política monetária e a dinâmica das metas de inflação (algo que o mundo faz formalmente na atualidade). Note que não há problema em se debater a meta, principalmente como colocado pelo presidente, a questão negativa se deu com a forma da ala política se expressar — como foi colocado, uma mudança nas metas poderia ser prejudicial às expectativas.
De acordo com o que foi falado na entrevista, muito do debate ainda depende do caminhar da agenda fiscal (novo arcabouço e reforma tributária), que poderia dar espaço para a redução dos juros de maneira saudável e célere. A disposição em conversar de Campos Neto, se dispondo inclusive a ir ao Congresso, mostra boa intenção, o que poderá ser bem-recebido pelo governo, assim como já vem sendo feito pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
01:56 — Resultados e algumas sinalizações
Além da entrevista, ainda por aqui, devemos ter a repercussão do bom resultado do Banco do Brasil, divulgado na noite de ontem, que assim como no caso de Itaú, mostrou força e qualidade nos números — lucro de mais de R$ 30 bilhões em 2022, um crescimento de mais de 50% contra 2021, e ROE de 23%. Uma loucura que deve reverberar bem no setor, mostrando que há vida depois do caso de Americanas — o guidance aponta para um ano melhor ainda em 2023.
Além do bom número, devemos ter continuidade da repercussão das notícias que começaram a circular ontem sobre a conversa que Haddad teve com Lula nos EUA. Ao que tudo indica, Lula concordou em não apresentar proposta de mudança na meta de inflação na reunião do CMN de quinta-feira, enquanto os nomes dos novos diretores do Banco Central deverão ser neutros (servidores de carreira). Esse debate foi adiado para depois da apresentação do novo arcabouço fiscal, o que é positivo.
02:45 — A inflação americana
A inflação dos preços ao consumidor nos EUA em janeiro provavelmente produzirá um frenesi de entusiasmo no mercado. A previsão de consenso entre os economistas é que o dado tenha subido 0,5% em janeiro, impulsionado por um aumento nos custos de energia. Os preços da gasolina caíram acentuadamente em novembro e dezembro, mas aumentaram substancialmente até agora em 2023. Com isso, se o índice principal chegar conforme o esperado, reduzirá o aumento do ano anterior para 6,2%, contra um aumento de 6,5% nos 12 meses até dezembro.
Provavelmente, como já vem acontecendo, os detalhes técnicos do dado vão nos mostrar que a inflação está desacelerando, mas muito lentamente, até mesmo porque muitas empresas tradicionalmente aumentam os preços no início do ano. Além disso, temos o problema da ponderação da cesta de consumo, em que os diferentes componentes da inflação também podem retardar as pressões desinflacionarias temporariamente.
O dado é um progresso, mas ainda representaria uma inflação desconfortavelmente alta. Eventuais surpresas podem facilmente determinar a direção do mercado até a reunião de política do Fed em março, que também apresentará as últimas projeções econômicas das autoridades — um dado mais quente do que o previsto pode aumentar as expectativas de aumentos futuros, fazendo com que as ações e títulos caiam, e vice-versa.
03:48 — Entre a Ásia e a Europa
Hoje, tivemos na Ásia os dados do PIB do quarto trimestre do Japão, que vieram mais fracos do que o esperado, com algumas revisões para baixo em relação aos meses anteriores, mas os detalhes foram mais favoráveis, tanto que o mercado subiu em Tóquio. Basicamente, o consumo foi relativamente bom e as quedas de estoque (que devem ser revertidas eventualmente) justificam boa parte da fraqueza. A atividade asiática deverá ser aquecida ao longo de 2023 com a reabertura da China.
Enquanto isso, os investidores digerem os dados dos preços no atacado da Alemanha que vieram bem abaixo do esperado, mostrando uma alta de apenas 0,2% na comparação mensal. Consequentemente, o dado de comparação anual desacelerou de 12,8% para 10,6%. Se a notícia é boa para o BCE, as novidades não foram tão animadoras para o BoE, que viu hoje dados de mercado de trabalho no Reino Unido bem mais fortes do que o esperado, ainda que os salários reais ainda caiam.
04:36 — Depois da corrida espacial 2.0, chegou a vez da corrida da I.A.
Muito foi falado nos últimos meses sobre o potencial das ferramentas de chatbot de inteligência artificial, como o ChatGPT, da Microsoft (recentemente aumentou seu investimento na empresa para US$ 10 bilhões), abalando significativamente a maneira como as pessoas usam e interagem com os mecanismos de pesquisa. Isso também levantou questões sobre a ameaça ao domínio do Google no negócio — durante anos, o Google teve quase o monopólio do negócio de buscas.
A crescente atenção aos negócios de IA gera volatilidade no mercado. Em resposta, na semana passada, o CEO da Alphabet, Sundar Pichai, apresentou o Bard, uma nova ferramenta de IA que adiciona funcionalidade à pesquisa do Google. Enquanto isso, a Microsoft realizou um evento para revelar as atualizações de seu mecanismo de busca Bing que funcionam em recursos do ChatGPT. Mais e mais novidades estão sendo apresentadas na frente IA, de concorrentes grandes e pequenos, o que provavelmente provocará uma corrida tecnológica nos próximos anos.