O ARCABOUÇO - CAPÍTULO 2: A CHEGADA DO RELATÓRIO
Lá fora, a maioria dos mercados de ações asiáticos subiu nesta terça-feira, acompanhando alguma robustez nas ações dos EUA durante o pregão de ontem, enquanto os mercados aguardavam mais sinais sobre a maior economia do mundo, embora ganhos mais aparentes tenham sido contidos por dados econômicos decepcionantes da China — os indicadores conseguiram reforçar a ideia de que a recuperação da economia chinesa está perdendo força.
Os mercados europeus conseguem sustentar um humor predominantemente positivo, ainda que tímido, enquanto os futuros americanos caem nesta manhã.
Os investidores permanecem cautelosos e relutantes em fazer movimentos significativos em meio a preocupações com um impasse sobre o aumento do limite da dívida do governo americano.
A temporada de resultados ainda chama a atenção, assim como no Brasil, que deve usar a terça-feira para absorver alguns números corporativos.
A ver…
00:32 — Mudando a política de preço
Por aqui, os investidores devem se preocupar, entre outras coisas, com a avalanche de resultados corporativos divulgados ontem de noite.
Fora isso, ainda sobre vetores de atenção para o pregão de hoje, a Petrobras deverá comunicar oficialmente o término da política de paridade de importação (PPI) para os valores do diesel e da gasolina.
A paridade, que alinha os preços nacionais aos preços internacionais, foi implementada durante a gestão do presidente Michel Temer.
Desde a campanha eleitoral, o presidente Lula promete uma mudança dessa política. Ao que tudo indica, a nova política vai considerar os preços internacionais como referência, mas também levará em conta os custos locais de produção e as margens de refino em cada região do país.
Por fim, ainda sobre os destaques que podem afetar o mercado, teremos os dados de serviços, que devem mostrar um crescimento de 0,4% na comparação mensal na referência para o mês de março, e as mudanças no texto final do arcabouço fiscal, que comentarei mais detalhadamente a seguir.
01:12 — O enforcement veio
Antes de falarmos das mudanças boas, trataremos brevemente de uma vitória do governo.
O líder do governo na Câmara, o deputado José Guimarães (PT), afirmou que o aumento real do salário-mínimo e o pagamento do Bolsa Família ficam garantidos, mesmo que o governo descumpra a meta fiscal. A iniciativa foi confirmada pelo relator do projeto, o deputado Claudio Cajado (PP).
Adicionalmente, o Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia ficará de fora das regras. As frentes eram demandas de Lula para concordar com o enforcement, que realmente veio.
Sobre este reforço, caso a meta não seja alcançada no primeiro ano de descumprimento, serão acionados mecanismos que proíbem o governo de criar cargos que gerem aumento de despesa, alterar a estrutura de carreira, criar ou aumentar auxílios, criar despesas obrigatórias, realizar reajustes de despesas obrigatórias acima da variação da inflação, ampliar subsídios e subvenções, e conceder ou ampliar benefícios tributários.
No segundo ano, caso a meta ainda não seja cumprida, o governo será proibido de realizar reajustes de despesas com servidores, contratar ou admitir pessoal e realizar concursos públicos.
Outras mudanças positivas incluem a mudança na regra de correção do limite das despesas, que volta a ser corrigido pela variação do IPCA no período de doze meses encerrado em junho do exercício anterior, como era antes de 2021, quando Bolsonaro alterou a regra para não furar o teto de gastos públicos.
Outros vetores positivos são a entrada do Fundeb e do piso da enfermagem no teto do arcabouço, bem como a previsão de relatórios bimestrais para monitorar as despesas e as receitas, o que deverá auxiliar no "spending review" da ministra Tebet.
A urgência do projeto deverá ser votada até quarta-feira, devendo ser avaliada em plenário na semana que vem.
02:21 — O dilema do teto da dívida pública americana
Nos EUA, está previsto que o presidente americano, Joe Biden, se encontre com os líderes do Congresso para reiniciar as negociações em relação ao impasse do teto da dívida.
As negociações se dão um dia após Kevin McCarthy, presidente da Câmara, declarar que o diálogo entre democratas e republicanos estava paralisado. Ontem, as ações subiram timidamente, mas hoje os futuros se mostram mais estressados.
No fim de semana, o presidente Biden mostrou otimismo de que um acordo poderia ser alcançado, mas nenhuma concessão significativa foi feita de nenhum dos lados.
Até que os republicanos e democratas se movam um pouco sobre aumentos de impostos, aumento do teto da dívida ou corte dos gastos federais, qualquer otimismo é prematuro.
Além das negociações sobre o teto da dívida, os investidores estão de olho nos resultados das varejistas nesta semana (hoje temos Home Depot) e nas vendas no varejo de abril, que devem aumentar 0,7% na comparação mensal.
03:11 — A fragilidade chinesa
O índice Shanghai Shenzhen CSI 300 da China caiu 0,1%, enquanto o índice Shanghai Composite ficou estável, já que os dados de produção industrial e vendas no varejo ficaram abaixo das expectativas para abril.
A produção industrial registrou alta anualizada de 5,6% em abril, cerca de metade da previsão, enquanto as vendas no varejo cresceram 18,4% na comparação anual, abaixo dos 23% esperados.
Os dados fracos estimularam as apostas de que o Banco do Povo deverá afrouxar ainda mais a política para sustentar o crescimento.
Embora ambas as leituras ainda tenham avançado a um ritmo estável em relação ao mês anterior, sua posição atrás das expectativas do mercado apontou ainda mais para uma recuperação frágil na maior economia da Ásia.
As leituras decepcionantes vêm após dados de importações, inflação e atividade comercial mais fracos do que o esperado no início deste mês, que apontavam para uma desaceleração da recuperação econômica, apesar do fim das medidas anti-Covid no início deste ano.
As preocupações com a China se espalham pelos mercados emergentes.
04:02 — O G7
O Grupo das Sete economias desenvolvidas (G7) realizará sua cúpula anual na sexta-feira em Hiroshima, Japão. Não serão, contudo, apenas sete líderes aparecendo.
Cinco nações que fazem parte do G-20 maior também virão: Austrália, Brasil, Índia, Indonésia e Coreia do Sul. Essa prática de convidar participantes extras surgiu em parte devido a mudanças geopolíticas que tornam alguns agrupamentos improdutivos.
Veja, tanto o G-7 quanto o G-20 nasceram de crises.
O primeiro surgiu na década de 1970, quando as nações industrializadas procuravam navegar na volatilidade causada pelo fim dos regimes de câmbio fixo, altas nos preços do petróleo e aumento do desemprego.
O segundo foi concebido no final dos anos 1990 para agrupar mercados avançados e emergentes durante a crise financeira asiática.
Essa foi uma época em que os formuladores de políticas no Ocidente acreditavam que a rápida globalização traria para países como China e Rússia não apenas desenvolvimento econômico, mas também uma evolução em seus sistemas políticos. Não foi bem assim.
O G-20 ainda funciona e é útil porque se trata de um fórum onde os EUA e a China ainda podem se envolver, mas tem suas limitações.
Assim como a Guerra Fria produziu a OTAN e outras instituições, observamos a possível criação de uma Segunda Guerra Fria, que poderia estimular a formação de novos grupos. Vale a pena ficar de olho se algo já será ventilado nesta semana.