AMARGOR NO MERCADO: A INDIGESTA DECISÃO DA POLÍTICA MONETÁRIA
Os mercados reagiram ontem às decisões de política monetária ao redor do mundo.
Os investidores parecem especialmente preocupados com a postura mais cautelosa do Federal Reserve, o que gera um clima de aversão ao risco em várias regiões, incluindo o Brasil, que já estava lidando com a sua própria complexa dinâmica interna (a nossa querida âncora monetária). O ajuste na curva de juros saiu caro.
Nos mercados asiáticos, a sexta-feira testemunhou uma falta de direção clara, mas prevaleceu uma tendência predominantemente baixista, refletindo os sinais negativos dos mercados globais durante a quinta-feira.
As preocupações persistem em relação à inflação, às taxas de juros e às perspectivas de crescimento econômico global, após indicações assertivas de diferentes autoridades monetárias de que manterão as taxas de juros em níveis elevados por um período prolongado.
Assim como o Fed nos EUA e o BCE na Zona do Euro, o BoE no Reino Unido seguiu nessa direção. A exceção notável foi o Banco do Japão, que não fez alterações em sua política ultradovish.
Na agenda, contamos com a avaliação das vendas a varejo no Reino Unido em agosto, impulsionadas pelos preços mais altos dos combustíveis, e uma série de pesquisas de opinião empresarial.
Além disso, há os discursos de banqueiros centrais no cenário internacional que serão observados atentamente.
A ver…
00:51 — O ajuste machucou
No cenário brasileiro, persiste a dificuldade em escapar da faixa entre os 115 mil e 120 mil pontos no Ibovespa. Ontem, registramos nova queda devido à postura mais rígida do Federal Reserve e à percepção de uma flexibilização mais lenta da política monetária local do que se inicialmente pressupunha.
A repercussão do ajuste na curva indicando mais dois cortes de 50 pontos-base em 2023 foi custosa, reduzindo a probabilidade de um corte de 75 pontos (ainda é uma possibilidade, mas agora é consideravelmente mais difícil, dependendo fortemente dos dados domésticos e do contexto internacional).
Talvez estejamos adentrando verdadeiramente em uma era de taxas de juros globalmente mais elevadas, alterando a dinâmica dos ativos de risco em escala mundial.
Agravando a situação, a questão fiscal apresenta desafios. Os dados de arrecadação federal em agosto revelaram mais frustrações quando comparados ao mesmo período do ano anterior (muito por conta do desempenho do setor de commodities e de recolhimentos atípicos de 2022), intensificando as preocupações quanto à magnitude do déficit.
É amplamente reconhecido que o governo não conseguirá cumprir a própria meta e é provável que seja revista (possivelmente no final do ano, nos momentos finais).
No entanto, a incerteza reside na discrepância entre o que foi planejado e o que será efetivamente executado. O governo carece de um plano confiável e claro.
01:44 — Os famigerados 4,5%
Nos Estados Unidos, os rendimentos dos Títulos do Tesouro de 10 anos ultrapassaram a marca de 4,5%, atingindo esse patamar pela primeira vez desde 2007, refletindo a ascensão das taxas de juros por um período prolongado. As ações sentiram o impacto dessa mudança.
O índice Nasdaq, por exemplo, caiu 1,8% ontem, acumulando uma queda de 3,5% nos últimos três pregões. Hoje, os investidores estão assimilando a atualização do Fed, agora com um viés mais inclinado para taxas mais altas.
Parte da inquietação surge do fato de que os membros do Fed estão projetando taxas de 5,1% até o final de 2024, o que está ligeiramente abaixo do intervalo atual de 5,25% a 5,5%.
Isso sugere pouca flexibilização no próximo ano, embora essa situação possa se modificar nos meses vindouros, dependendo dos dados disponíveis.
No entanto, a situação é delicada. Taxas mais altas implicam valuations mais baixos, já que os lucros futuros têm menos valor no presente.
Durante 2022 e no início de 2023, havia um receio generalizado de que o aperto da política monetária pela Fed poderia levar a economia a uma recessão severa, impactando negativamente os lucros das empresas e o mercado de ações.
Agora, a preocupação é de que um crescimento econômico mais vigoroso do que o esperado obrigue o Fed a manter uma postura restritiva por um período prolongado. Portanto, o que poderia ser considerado boa notícia acaba sendo interpretado como uma preocupação.
02:40 — O risco do shutdown (de novo)
Ainda nos Estados Unidos, a dívida nacional ultrapassou a marca de US$ 33 bilhões pela primeira vez. Esse acontecimento coincide com um grande risco de paralisação do governo, dado que o Congresso tem até o próximo dia 30 para aprovar a legislação orçamentária, sob a ameaça de um shutdown.
O presidente da Câmara americana, o republicano Kevin McCarthy, enfrenta pressões da ala mais radical de seu partido para exigir mais cortes de gastos como condição para aprovar a resolução orçamentária antes do fim do mês. Se isso ocorrer, será a primeira paralisação federal desde 2019.
Uma métrica que observo com frequência para avaliar a trajetória fiscal dos EUA é o juro líquido como percentual do PIB, que representa os pagamentos líquidos que o governo federal realiza sobre sua dívida em relação ao produto interno bruto do país.
Mesmo diante do aumento nas taxas de juro, essa métrica permanece em um patamar razoável.
Os pagamentos de juros totalizaram 1,86% do PIB em 2022, alinhados com a média histórica desde 1960, que é ligeiramente inferior a 2%.
No entanto, o déficit americano nos primeiros 11 meses do ano fiscal atingiu a marca de 1,5 trilhão de dólares, representando um aumento de 61% em relação ao mesmo período do ano anterior, resultando em uma dívida dos EUA em relação ao PIB de 120%.
O impasse atual é perigoso, embora os republicanos moderados possam se unir aos democratas para aceitar uma solução de curto prazo e evitar o cenário mais desafiador nos EUA.
03:45 — É um problema global
Os rendimentos dos títulos de dívida soberana estão em ascensão em âmbito global.
O Federal Reserve adotou uma postura mais agressiva na última quarta-feira, indicando a possibilidade de um aumento adicional de 25 pontos-base na taxa de juros em 2023, elevando-a para um intervalo entre 5,50% e 5,75%.
Enquanto isso, o Banco da Inglaterra optou por manter as taxas inalteradas após uma sequência de 14 aumentos, mantendo a taxa em 5,25%, um nível considerado elevado no contexto recente do Reino Unido.
A Suécia e a Noruega também elevaram suas taxas, assim como a Turquia.
O banco central da África do Sul, por sua vez, manteve sua taxa estável em um patamar elevado, indicando que os custos dos empréstimos devem permanecer altos por um período prolongado.
De maneira surpreendente, o Banco Nacional Suíço pausou em um patamar também elevado.
Quanto ao Banco Central Europeu (BCE), suas autoridades transmitiram a mensagem de que o ciclo de aperto monetário na Zona do Euro terminou, alcançando a taxa de juros mais alta da história da região, que é de 4%.
O retorno acumulado neste ano do índice Bloomberg Global-Aggregate entrou em território negativo em agosto e tem se deteriorado desde então.
Tudo indica que os investidores em títulos estão caminhando para um terceiro ano consecutivo de perdas, devido aos aumentos simultâneos das taxas pelos bancos centrais, algo que não ocorria há quase uma década.
04:39 — Os japoneses são insistentes
No Japão, o iene experimentou perdas nesta sexta-feira, após o Banco do Japão (BoJ, na sigla em inglês) desapontar as expectativas de que começaria a indicar uma mudança em sua política extremamente acomodatícia para conter a desvalorização da moeda.
Era conhecido que a autoridade manteria sua taxa alvo inalterada em -0,1%.
No entanto, esperava-se alguma alteração na abordagem em relação a outras políticas do BoJ, como o controle da curva de juros (YCC, na sigla em inglês), que estabelece que o rendimento dos títulos de dívida japoneses de 10 anos pode variar entre -0,5% e 0,5% (a ideia era permitir uma flutuação maior, como tem sido sugerido há meses).
O presidente do Banco do Japão, Kazuo Ueda, mencionou recentemente que o banco central poderia ter dados suficientes até o final do ano para determinar se poderia eliminar as taxas de juros negativas (o Japão tem taxas de juros negativas desde o início de 2016).
No entanto, essa mudança não ocorreu agora.
Uma alteração por parte do Banco do Japão marcaria o fim de quase uma década de política monetária flexível que beneficiou as ações japonesas e provavelmente teria repercussões nos mercados globais.
Pelo menos assim, o Japão deixa de pressionar a curva de juros americana, aliviando marginalmente a percepção global mais negativa.