BOLSOS PEGANDO FOGO: O EFEITO NEFASTO DA ALTA DOS JUROS AMERICANOS
Os investidores começaram a expressar preocupação sobre o desfecho da trajetória das taxas de juros nos Estados Unidos.
Ontem, o relatório sobre a rotatividade de empregos (Jolts) fez com que a taxa dos títulos de 10 anos disparasse para 4,80% ao ano, marcando o ponto mais alto desde a crise do Lehman Brothers. Nesse patamar, há frequentemente consequências negativas.
Em reação, o dólar ganhou força globalmente e os valores das ações despencaram. No Brasil, o cenário não foi diferente, seguindo a dinâmica global. Aqueles que pensam que o pior já passou estão equivocados.
Hoje, teremos mais dados sobre emprego nos EUA com a pesquisa ADP, que evidencia a abertura de vagas no setor privado em setembro.
Novas surpresas podem afetar a curva de juros, possivelmente intensificando o sentimento de aversão ao risco.
As ações asiáticas perderam valor na quarta-feira, depois que os rendimentos dos títulos do Tesouro dos EUA atingiram o ponto mais alto em 16 anos durante a sessão anterior, alimentando as inquietações dos investidores sobre a manutenção das taxas de juros elevadas por um período prolongado.
Os mercados europeus tentam se recuperar nesta manhã, seguindo uma direção oposta aos futuros americanos, que operam sem uma tendência clara, mas principalmente em queda.
Além dos dados sobre emprego, aguardamos os indicadores de sentimento do setor de serviços. Apesar de ter uma importância secundária, será interessante observar o que os agentes econômicos estão sentindo em um momento que foge ao padrão histórico.
A ver…
00:58 — Contágio
No Brasil, os investidores locais foram afetados pelo sentimento internacional, levando o Ibovespa a cair abaixo dos 114 mil pontos e o dólar a atingir R$ 5,15. Pouco importou a agenda doméstica, que apresentou alguns avanços significativos na pauta econômica.
Para hoje, está prevista a votação em plenário da Câmara para o texto final da taxação de offshores e dos fundos exclusivos.
A proposta foi elaborada sem a inclusão da variação cambial na tributação anual, com um limite de US$ 5 mil para a alienação de moeda estrangeira em espécie sem incidência de imposto.
Além disso, a alíquota para a regularização do estoque foi reduzida para 6%, e até o momento, os Juros sobre Capital Próprio (JCP) ficaram de fora (a expectativa é que haja um meio-termo, a ser anunciado em breve).
No que diz respeito às offshores, o projeto de lei propõe tributar o rendimento de pessoas físicas residentes no Brasil em trusts, entidades controladas e aplicações financeiras no exterior.
O texto também incluiu a taxação de 15% a 20% do Imposto de Renda sobre os rendimentos dos fundos exclusivos, reeditada como MP, com cobranças no sistema "come-cotas" em maio e novembro.
Com a taxação dos fundos exclusivos, o governo planeja arrecadar R$ 13,3 bilhões, e com as offshores, R$ 7 bilhões.
Embora seja um valor relativamente pequeno em comparação com os R$ 168 bilhões necessários, representa um passo importante para as próximas pautas da equipe econômica.
O desafio reside no fato de que, mesmo diante de todos os esforços fiscais possíveis, a escalada dos juros nos Estados Unidos parece falar mais alto.
01:55 — A questão "El Niño"
Os efeitos do fenômeno climático El Niño tendem a gerar pressões inflacionárias no Brasil, mas só provocarão uma resposta da política monetária se influenciarem evidentemente as projeções para o IPCA de maneira sustentada.
No entanto, parece mais plausível que isso resulte em uma desaceleração no ritmo de redução das taxas de juros ou, no máximo, uma pausa no ciclo de afrouxamento monetário em países latino-americanos, quando muito, em vez de uma reversão do processo.
Baseando-nos na experiência de 2015, um dos anos em que o El Niño teve forte impacto, tanto o Brasil quanto a Colômbia tendem a enfrentar aumento nos índices inflacionários, principalmente em alimentos.
Naquele ano, isso levou a aumentos nas taxas de juros, que posteriormente foram revertidos após o alívio na inflação.
Em 2015, a inflação estava "relativamente estável" na América Latina e as perspectivas para o desempenho econômico na região não eram pessimistas.
Dessa vez, a inflação dos alimentos tem se mantido geralmente em baixa, e os efeitos-base continuam favorecendo uma inflação de alimentos moderada no início de 2024.
Portanto, é possível considerar que os bancos centrais latino-americanos continuarão a reduzir suas taxas de juros, que permanecem elevadas apesar das expectativas de crescimento econômico limitado e das projeções de alívio na inflação subjacente.
Nossa crença persiste na ideia de que as taxas finais dependerão mais das condições monetárias internacionais. Em resumo, o comportamento da curva de juros americana é de grande importância.
02:47 — Para onde vai esse yield?
Os Estados Unidos continuam a testemunhar uma constante elevação nas taxas de juros.
O acréscimo de 12 pontos-base registrado ontem foi impulsionado, em parte, por crescentes preocupações com a inflação, conforme indicado no relatório JOLTs.
Os dados mais recentes dessa pesquisa sobre vagas de emprego e rotatividade no trabalho mostraram um aumento significativo para 9,6 milhões de vagas em agosto nos EUA, superando consideravelmente a previsão dos economistas, que estimavam 8,2 milhões.
Esse resultado sugere que o mercado de trabalho pode manter sua robustez nos meses seguintes, o que pode resultar em incrementos salariais e, por conseguinte, aumentar o risco de uma inflação persistente.
Além disso, o Congresso americano assistiu a um acontecimento sem precedentes em sua história: a destituição de um presidente da Câmara em exercício.
Como já prevíamos, o então presidente, Kevin McCarthy, não conseguiu se manter no cargo após nove meses. Essa possibilidade já era considerada desde o início do ano, quando o republicano precisou de 15 rodadas de votação para ser eleito. Ele já se mostrava um presidente frágil desde o começo.
Agora, os congressistas enfrentam a tarefa de escolher um novo presidente para uma Câmara que está dividida e confusa. Esse desafio se junta à necessidade de discutir o orçamento americano, uma discussão que foi estendida por mais 45 dias no final de semana, levando à deposição de McCarthy.
Quanto à agenda, estamos aguardando os números dos pedidos de fábrica nos EUA referentes a agosto e o relatório nacional de emprego de setembro.
A expectativa geral é que a economia crie 140 mil empregos no setor privado, após um aumento de 177 mil em agosto.
A análise mais precisa sobre o cenário de empregos será possível na sexta-feira, quando aguardamos a divulgação do relatório sobre as folhas de pagamento de setembro (na sexta, espera-se a criação de 160 mil novos empregos e uma redução da taxa de desemprego de 3,8% para 3,7%).
03:42 — O movimento dos Treasuries
À medida que os rendimentos dos títulos continuam sua ascensão, as ações enfrentam dificuldades para ganhar terreno. Um exemplo disso foi visto ontem, quando os principais índices globais de ações registraram quedas, coincidindo com a elevação do rendimento dos títulos do Tesouro a 10 anos para 4,8%, atingindo seu ponto mais alto desde agosto de 2007.
No acumulado do ano, o rendimento subiu um ponto percentual, marcando um aumento de 150 pontos-base desde a mínima de 3,29% observada em abril. Essas mudanças drásticas no mercado de títulos estão gerando considerável desconforto entre os investidores.
É relevante observar que, embora os rendimentos estejam mais altos, não se encontram em níveis extraordinariamente elevados.
Desde 1962, a média diária do rendimento dos títulos do Tesouro a 10 anos foi mais de um ponto percentual superior ao atual, registrando 5,9%, de acordo com dados do FRED, o serviço de dados econômicos da Reserva Federal.
Desde 1971, a taxa média de hipotecas de 30 anos foi de 7,7%, em contraste com os 7,3% recentes.
Essas médias foram influenciadas pela "cruzada contra a inflação" da década de 1980, quando as taxas hipotecárias ultrapassaram 15%, e foram moldadas por um período mais extenso, desde a crise financeira global até o início do ano passado, quando as taxas permaneceram notavelmente baixas.
Para muitos, as taxas de longo prazo estão apenas se recuperando do seu ponto mais baixo na história, buscando retornar a uma normalidade.
Afinal, é uma incerteza definir o que é exatamente "normal" após uma pandemia. É evidente que os rendimentos atuais estão se aproximando, e não se afastando, dessa normalidade. Esse processo, no entanto, está sendo doloroso para muitos.
04:38 — Uma nova dinâmica trabalhista
Uma das maiores mudanças econômicas da pandemia foi a adoção mais rápida do trabalho flexível. Dados do Reino Unido sugerem que 44% dos trabalhadores passam pelo menos parte da semana trabalhando em casa.
Os dados do governo dos EUA subestimam o trabalho flexível, mas a investigação acadêmica sugere números semelhantes.
Cerca de um quarto da força de trabalho alemã trabalha de forma flexível – um maior emprego na indústria manufatureira faz com que o número alemão seja naturalmente mais baixo.
Não há provas de fraca produtividade em setores onde o trabalho flexível é comum, sendo que esse modelo pode até ter aumentado a produtividade.
Ainda assim, o mercado de trabalho parece resistir a essa tendência, com muitas empresas pedindo para que funcionários voltem a trabalhar presencialmente. Eu particularmente prefiro trabalhar presencialmente, mas pouco importa minha opinião.
O que é relevante é a mudança na dinâmica no mercado de trabalho, que parece ter sido alterada permanentemente.