As ações de empresas de games desabaram na bolsa, mas ainda não é “game over” para o setor. Veja as favoritas para investir
Apesar da crise, indústria de games está em consolidação e se mantém como uma grande tendência de investimentos para os próximos anos
As pessoas tendem a buscar o entretenimento como refúgio durante momentos de crise. No caso excepcional de uma pandemia, que deixou milhões de pessoas isoladas e restritas em suas próprias casas desde março de 2020, a indústria de games encontrou espaço para bater recordes em outra arena: a do mercado financeiro.
Não é de hoje que o negócio de jogos eletrônicos movimenta bilhões e, como não podia ser diferente, atrai a atenção e o capital dos investidores. Ainda mais por se tratar de um mercado que costuma ir na contramão dos demais setores da economia.
“Em momentos de estresse, de recessão e de dificuldade econômica, a indústria de entretenimento costuma ir muito bem, já que válvulas de escape são mais do que bem-vindas para as pessoas”, conta Richard Camargo, analista da Empiricus Investimentos.
Não à toa, as receitas do setor dispararam aproximadamente 18,5% desde 2019, ao passar de US$ 152,1 bilhões para US$ 180,3 bilhões ao fim de 2021, segundo relatório publicado pela agência newzoo e dados da Statista.
Mas a situação extraordinária vista nos últimos anos já não mais se faz presente. Os comércios reabriram, as pessoas saíram para as ruas — e o setor sentiu o impacto dessa correção. Isso sem falar na alta dos juros e na ameaça de recessão lá fora, que derrubaram as ações das empresas de jogos.
E agora, será que é “game over” para quem pretende lucrar com o setor ou os investimentos estão prestes a ganhar uma nova vida? Eu detalho a situação nesta reportagem.
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Um momento de correção para o mercado de jogos
Ao contrário do que aconteceu com a maioria dos setores durante a pandemia, a indústria de jogos encontrou uma chance para brilhar.
Afinal, a estimativa é de que existam aproximadamente 3 bilhões de gamers ao redor do mundo. E com a maior parte da população do planeta dentro de casa, o videogame se tornou uma das poucas fontes de lazer — e de lucro para quem está nesse mercado.
Em resumo, a festança durante os últimos anos foi intensa, e as empresas de jogos curtiram como se não houvesse amanhã. Mas o fim do pior momento da pandemia representou uma nova fase para a indústria — e bem mais difícil.
Após um crescimento extraordinário desde 2020, agora o mercado de videogames e de tecnologia como um todo enfrenta um período de correção, em uma caminhada de volta à normalidade.
“É como se fosse uma linha. De 2019 a 2022, tivemos um salto gigantesco, e, agora, a gente voltou para a linha reta como se nada tivesse acontecido. Isso gerou uma grande volatilidade nas ações, esse extrapolar o que acabou acontecendo”, afirma Richard Camargo, analista da Empiricus e colunista do Seu Dinheiro.
Além da piora nas perspectivas para o setor, as empresas hoje enfrentam os desafios do cenário macroeconômico, com a inflação galopante e o temor de uma recessão global derrubando grande parte das ações.
Na visão do estrategista-chefe da Avenue Securities, William Castro Alves, as empresas de games estão entre as que mais sofreram, com queda de quase 40% nos últimos 12 meses, por conta da maior aversão a risco dos investidores.
“A bolsa americana e o mercado de ações vêm sofrendo no mundo, mas o mercado de tecnologia foi ainda mais impactado. Como a indústria de games é uma vertente ainda mais volátil e incerta, teve queda ainda maior”, afirma.
Como se não bastasse, o mercado de games ainda foi responsável por alguns dos IPOs (ofertas iniciais de ações, em português) que frustraram no quesito retorno.
O caso mais emblemático é o da Roblox (R2BL34), empresa que abriu capital na bolsa de valores de Nova York no ano passado e acumula queda de 48% desde a estreia. Os BDRs da companhia caíram 52% desde o lançamento na B3, em agosto do ano passado.
A transformação do setor de videogames
O mercado de jogos sempre contou com uma grande base de usuários. Porém, para chegar ao patamar elevado em que está hoje — tanto em receita quanto em número de players —, teve que passar por uma gigantesca transformação nos últimos anos.
Dos tradicionais consoles — como o Playstation, da Sony, e o Xbox, da Microsoft — a indústria passou a ser dominada pelos jogos free-to-play (em tradução literal, gratuitos para jogar).
Criados para celular, esses games possuem hoje um mercado quase duas vezes maior do que toda a indústria de consoles.
Em 2021, mais da metade das receitas do setor de jogos — isto é, US$ 93,2 bilhões — foi proveniente dos jogos mobile, enquanto “apenas” US$ 50,4 bilhões vieram dos games de console.
Desta forma, as tradicionais Sony, Microsoft e Nintendo observaram o avanço de novos competidores que atuam especificamente nos jogos mobile, como a chinesa Tencent.
Desde 2015, a Nintendo passou a apostar nos games para celular, com o lançamento do Pokémon Go, que tornou-se um fenômeno na época e chegou a somar mais de 200 milhões de usuários no ápice. De lá para cá, porém, a japonesa reduziu seus esforços no segmento.
Por outro lado, na última semana, a Sony anunciou que intensificará os investimentos nos segmentos mobile e para PC — mas sem deixar de lado o protagonismo dos consoles, com destaque para o Playstation 5.
Os efeitos da inflação e juros no mercado de jogos
O desenvolvimento dos jogos free-to-play permite que a indústria de jogos tenha fôlego para continuar seguindo em frente — mas também possibilitou que os gamers diminuíssem os gastos com jogos de videogames.
“As pessoas continuam a consumir entretenimento, mas têm abdicado de parte das experiências ali dentro para reduzir os gastos. Isso é novo na indústria, a gente ainda está aprendendo a navegar”, diz Camargo.
No plano macroeconômico, a alta da inflação e do custo do dinheiro com a elevação da taxa de juros também mexem com a indústria de games. Os criadores de jogos, por exemplo, precisam fazer grandes investimentos que só se pagam no longo prazo, o que torna alguns projetos inviáveis.
Dona de estúdios como a Rockstar, que produz o Grand Theft Auto (GTA) e o Red Dead Redemption, a Take-Two (T1TW34) anunciou no último balanço que vai cancelar um jogo que nem mesmo foi lançado.
Além do mais, segundo William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, o déficit de semicondutores e os problemas na cadeia de suprimentos seguem afetando a indústria de videogames.
“Isso gera um aumento de custo, e as empresas não têm como não repassar uma parte disso para os seus preços. Então, em um momento onde você tem já uma desaceleração de receita e as pessoas estão menos ávidas para comprar consoles, o aumento do custo do jogo é desafiador.”
Vale ressaltar que, recentemente, a Sony aumentou os preços do Playstation 5 em diversos mercados ao redor do mundo devido aos impactos da escalada da inflação global nos negócios da empresa. Os brasileiros, contudo, escaparam por enquanto desse ajuste.
Ainda vale a pena investir na indústria de games?
Até aqui deve ter ficado claro que a fase da indústria de games é difícil e deve levar algum tempo para ser superada.
“Leva tempo para se criar grandes jogos. Então, não tem muito gatilho. Os grandes jogos vêm, sobretudo, a partir da segunda metade do ano que vem”, destaca Richard Camargo.
Para o analista, nada disso tira a atratividade da indústria de videogames, que está em consolidação e se mantém como uma grande tendência de investimentos para os próximos anos.
Para o estrategista-chefe da Avenue Securities, William Castro Alves, os preços das ações de jogos estão muito baixos, e pode ser difícil conseguir outra janela de oportunidade como a atual.
Alves ainda chama atenção para o movimento dos grandes players atuais do mercado, que pode ser outro sinal de que a indústria de games está convidativa: gigantes de outros setores agora estão de olho no segmento de jogos e prontas para investir neste segmento.
“Cada vez mais vemos empresas se voltando para o mercado de games e interessados nesta indústria. A Microsoft comprou a Activision Blizzard, a Amazon investiu na CIA Game, a Netflix está falando de entrar em games na plataforma dela para concorrer no streaming. Os caras que são do setor estão aproveitando esse momento para investir, e os caras que não são do setor, também.”
Falando na Netflix, a empresa anunciou a criação de seu primeiro estúdio interno de videogames para expandir suas ofertas de jogos na plataforma. A unidade será o quarto estúdio de jogos da gigante do streaming.
Atualmente, a Netflix possui 31 jogos para celular em seu catálogo, disponíveis apenas para assinantes. Até o final do ano, porém, a expectativa é atingir o patamar de 50 games na plataforma.
Onde investir no setor de games?
Por fim, chegamos ao que interessa. Sei que é a sua maior dúvida até aqui. Se o mercado de jogos representa uma oportunidade de investimento para os próximos anos, quais as melhores opções para o investidor comum investir nesse setor?
Existem basicamente três formas de virar “dono” de uma empresa de games — ou de várias. A primeira delas é investir em cada ação separadamente. Desse jeito, você poderá analisar os fundamentos da empresa individualmente e decidir se vale a pena apostar nela.
Outro modo é investir em ETFs (fundos de índice, em português), que replicam algum índice da bolsa de valores, ou em fundos de investimento, que funcionam como uma cesta de ações e já contam com uma carteira com papéis de games.
Existem três principais ETFs com ações de games disponíveis para investir no exterior. Nesse caso, para investir neles, é preciso ter conta em uma corretora internacional, como a Avenue. Confira quais são eles:
- VanEck Video Gaming and Esports ETF (ESPO)
- Global X Video Games & Esports ETF (HERO)
- Roundhill Sports Betting & iGaming ETF (BETZ)
Na visão do estrategista-chefe da Avenue, William Castro Alves, apostar na diversificação da carteira e escolher os ETFs para investir em games é a melhor estratégia.
“Eu com certeza iria de ETF. Alguns setores, especialmente o de tecnologia, são difíceis de analisar. O ideal seria investir de uma forma diversificada.”
Alves destaca os fundos de índice que contam com ações chinesas do setor, que possuem grande crescimento potencial, mas vêm acompanhadas por grande volatilidade e risco.
Os ETFs internacionais ESPO e HERO possuem 16,7% e 11,5% alocados em ações chinesas, respectivamente.
Vale destacar que os investimentos em ETFs de games não estão disponíveis apenas no exterior: desde dezembro do ano passado, a B3 conta com um fundo de índice focado em ações de jogos.
A gestora Investo lançou o Investo Jogo (JOGO11), o primeiro fundo de índice da bolsa brasileira que permite o investimento em empresas do setor de videogames e e-sports.
O JOGO11 replica o ETF ESPO, da gestora VanEck, e inclui investimentos em empresas como Nintendo, Take-Two, Unity, Nvidia e outras 22 companhias. A taxa de administração do fundo é de 0,30% ao ano.
Além dos ETFs, existe ainda um fundo de investimentos que aplica majoritariamente num mix de grandes estúdios globais de games, como a Take-Two, a Activision, a Electronic Arts, a Ubisoft e a Roblox.
O fundo Tech Games, da Empiricus Investimentos, cobra uma taxa de administração de 0,90% ao ano e um percentual de custódia anual de 0,02%, mas sem taxa de performance.
As melhores ações do setor de games para investir
Para o especialista em ações de tecnologia da Empiricus, Richard Camargo, basicamente, todos os elos da indústria de jogos são promissores, desde os estúdios que produzem os games até as vendedoras de consoles e exchanges de dados. Mas ele possui três ações favoritas no setor.
A Take-Two é uma boa pedida para quem vai investir no mercado de videogames, uma vez que os jogos da empresa-mãe da produtora Rockstar têm a tendência de continuar sendo vendidos por anos e anos, como é o caso de GTA.
Lançado há nove anos, Grand Theft Auto 5 tornou-se o segundo jogo mais vendido de todos os tempos, com mais de 170 milhões de cópias vendidas desde então.
Já de olho nas Ad Exchanges, que fornecem soluções de software para desenvolvedores de aplicativos para otimizar o marketing e a monetização, o economista da Empiricus destaca a Unity e a AppLovin, que atua no segmento de jogos mobile.
Vale destacar que apenas a Take-Two (T1TW34) e a Unity (U2ST34) possuem BDRs — isto é, certificados de depósitos de ações das empresas estrangeiras negociados na B3.
Já a AppLovin é listada somente na bolsa de tecnologia norte-americana Nasdaq. Nesse caso, para investir, você precisa ter conta em uma corretora no exterior, como a Avenue.
Outras ações para manter no radar
Outro segmento pode despontar no setor de videogames nos próximos trimestres: o de fabricantes de placas de vídeo, como a AMD e a Nvidia.
São essas empresas que desenvolvem as placas de processamento utilizadas nos computadores e, basicamente, funcionam como o coração de um PC gamer — e que não são nada baratas, diga-se de passagem.
Além disso, essas placas são usadas na mineração de bitcoin e outras criptomoedas, o que intensificou ainda mais a sangria desse setor nos últimos meses.
“As receitas despencaram no último trimestre, então, hoje, o mercado está arisco com essas empresas. Mas elas são players cíclicos, então o negócio pode voltar a crescer em 18 meses, e com força. Eu pensaria em uma possível adição em breve para a minha carteira”, diz o analista da Empiricus.
Tanto a Nvidia (NVDC34) como a AMD (A1MD34) possuem BDRs negociados na B3.
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