Semana de trabalho de quatro dias é para todo mundo? Conheça a experiência de empresas e funcionários que adotaram a jornada menor
O Japão foi o primeiro lugar do mundo a adotar um dia a menos na jornada de trabalho semanal; a tendência chegou ao Brasil acompanhada de outros benefícios como a flexibilidade e a adoção do sistema remoto
Um final de semana de três dias, que tal? Ou então uma pausa remunerada no meio da semana? Redatora na NovaHaus, Juliana Teodoro pode se dar a esse “luxo” desde fevereiro, quando a agência de publicidade e soluções de marketing decidiu abrir mão da tradicional jornada de trabalho de segunda a sexta-feira.
“Trabalhar quatro dias por semana faz uma diferença gigantesca, principalmente na questão da motivação. Para mim, melhorou muito e eu consigo trabalhar muito melhor”, conta Juliana, que trabalha na NovaHaus desde 2019 e ganhou uma “folga” às quartas-feiras.
De olho no equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal, mas sem perder de vista a produtividade, uma série de empresas em todo o mundo, incluindo o Brasil, decidiu adotar a semana com apenas quatro dias úteis de trabalho.
A jornada semanal menor não é uma completa novidade. O Japão foi o primeiro lugar do mundo a testar a jornada de trabalho reduzida.
Em 2019, a Microsoft testou o modelo de menor carga horária semanal durante o mês de agosto, no Japão, e o resultado foi o aumento da produtividade em 40%. Depois disso, outras empresas em vários países começaram a adotar, em fase de testes, menos um dia de trabalho na semana.
No Brasil, a iniciativa começou a ganhar adeptos principalmente a partir da reabertura da economia, depois do período de isolamento em razão da pandemia de covid-19.
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A redução da jornada de trabalho chegou acompanhada de outros benefícios como a flexibilidade e a adoção do sistema remoto — e os colaboradores “premiados” com a redução da carga horária semanal não querem voltar a trabalhar cinco dias por semana.
Mas será que essa é apenas mais uma moda passageira que surgiu com a pandemia? E as empresas, ganham algo ao liberarem os funcionários por um dia inteiro? A seguir eu conto mais sobre a experiência que vem sendo adotada em todo o mundo.
*Para essa reportagem colaboraram: Evanil de Paula, CEO da Gerencianet; Felipe Acosta, sócio e diretor da NovaHaus; Felipe Calbucci, diretor de vendas da Indeed Brasil; Jeferson Dellara, CEO da Agência Saara; Juliana Teodoro, redatora da NovaHaus; Lucas Freire, psicológo e professor de gestão de pessoas da Universidade Federal da Bahia (UFBA); e Thadeu Diz, Cofundador e Diretor Criativo da Zee.Dog
Melhor para o colaborador…
Você já deve ter visto em filmes ou imagens na internet estradas com bifurcações, em que cada lado sinalizava uma escolha. Se 10 colaboradores estivessem no mesmo lugar e tivessem que escolher entre manter a jornada “normal” ou ter a semana com 32 horas de trabalho, 8 deles iriam para o segundo caminho.
Uma pesquisa do site de empregos Indeed, divulgada em junho, afirma que 85% dos entrevistados consideram que a semana de quatro dias úteis melhoraria a saúde mental e para 86% dos participantes acreditam que a jornada menor traria um melhor equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.
Além disso, 75% dos trabalhadores concordariam em aumentar suas horas diárias de trabalho para terem uma semana de quatro dias.
A pesquisa foi realizada em maio de 2022 e contou com a participação de 858 trabalhadores.
.… bom para a empresa?
Que os funcionários queiram trabalhar menos sem ter corte nos salários, não há dúvidas. Mas qual o interesse das empresas em adotar a jornada de quatro dias?
A principal vantagem é a capacidade de atrair talentos. Empregadores que adotaram a semana menor tendem a ser mais disputados pelos trabalhadores.
A NovaHaus, por exemplo, recebeu mais de 100 currículos em uma semana após a divulgação da adoção da iniciativa. A semana de quatro dias úteis — com pausa às quartas-feiras — entrou na fase de testes em março. A empresa vai decidir em novembro se adota a prática de forma definitiva.
“As pessoas sempre esperam que a ‘folga’ seja na sexta-feira ou na segunda-feira, mas a nossa intenção não era prolongar o final de semana, queremos que os colaboradores descansem e tenha uma ‘quebra’ no meio da semana. Então, sendo na quarta, dá um respiro muito maior ao colaborador”, afirma Felipe Acosta, sócio e diretor da NovaHaus.
Outro exemplo é a Zee.Dog. A empresa carioca de acessórios para o mundo pet foi uma das pioneiras na jornada de 32 horas semanais no Brasil.
Os testes começaram um pouco antes da pandemia, na primeira semana de março de 2020, e foram suspensas temporariamente diante do contexto incerto e de muitas dúvidas.
No ano passado, ainda durante as restrições de isolamento social e colaboradores longe dos escritórios, a jornada semanal voltou a ser de apenas quatro dias.
Assim como na NovaHaus, a quarta-feira foi o dia escolhido para “quebrar” a semana na Zee.Dog, exceto para os setores de varejo e logística, que ficaram de fora porque “não podem parar”.
“Os times passaram a se ajudar mais para que as entregas fossem feitas com a qualidade necessária e em menos tempo”, afirma Thadeu Diz, co-fundador e diretor criativo da Zee.Dog.
Além da semana de trabalho ser de 32 horas, sem alterações no salário, a empresa adota o regime híbrido e é pet friendly.
“Resultado é muito importante, como em toda empresa, mas também olhamos para essas ações sabendo que produtividade não é tudo. Se em algum momento o retorno sobre o investimento for simplesmente o bem-estar, está tudo bem”, afirma Diz.
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Além do Rio-SP
Mas não é apenas no eixo Rio-São Paulo, onde se concentra as grandes empresas do país, que a jornada de trabalho menor tem adeptos. Temos dois exemplos: a agência paranaense Saara e a fintech mineira Gerencianet.
A Saara tem uma equipe enxuta de oito colaboradores efetivos, e o trabalho um dia a menos por semana não impactou as entregas e as demandas, de acordo com Jeferson Dellara, CEO da agência.
“A carga semanal reduzida trouxe mais agilidade na execução dos projetos. Hoje, com a adaptação [à semana de quatro dias úteis], também mudou a forma de pensar e resolver os problemas de forma muito mais rápida. Aumentou a qualidade e a praticidade do time”, afirma.
As “folgas” na Saara são revezadas entre as segundas-feiras e as sextas-feiras.
Já a Gerencianet afirma que a semana menor veio para ficar, assim como o modelo híbrido, segundo Evanil Paula, CEO da empresa.
Para implementar a iniciativa, a fintech mineira apostou no “fit cultural” da empresa ainda no processo seletivo, além de adotar outros benefícios — como bolsas de estudos para filhos dos colaboradores — que auxiliaram na assimilação, considerada rápida pelo CEO, dos funcionários ao novo modelo de trabalho.
“Antes da implementação da iniciativa, eu já observava que a Gerencianet tinha margem para trabalhar na redução [da jornada de trabalho].”
Paula ainda comentou que antes de adotar a semana de quatro dias úteis a empresa avaliou todos os aspectos jurídicos e trabalhistas, a fim de evitar eventuais contratempos.
“Acionamos o departamento jurídico para entender as possibilidades [de implementação]. Depois disso, conversamos com o sindicato e a ideia foi levada para a assembleia dos funcionários da Gerencianet, em que teve aprovação. Agora, temos um período de seis meses para analisar os resultados”, afirma o CEO.
Trabalhar menos traz felicidade?
Ainda que a melhor qualidade de vida esteja sempre associada à saúde mental, ainda não há estudos consistentes de que exista uma relação com uma jornada menor.
Em outras palavras, afirmar que trabalhar menos horas durante uma semana melhora a saúde mental pode ser até errôneo, segundo o psicólogo Lucas Freire, que também é professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
“É necessário tomar cuidado para não fazer uma associação direta de redução da jornada e saúde mental, que é muito complexa. Isso porque ter tempo livre não significa que ele é saudável e produtivo psicologicamente, com um propósito significativo.”
Para entender melhor, Freire fez uma associação com a escalada de uma montanha: quando chegamos no topo, o nosso corpo pode estar cansado, mas psicologicamente, realizado. Ou seja, o tempo livre precisa ter um significado, gerar valor.
Além disso, a sociedade brasileira pode não estar preparada para adotar de forma integral e permanente a semana de quatro dias úteis, segundo o professor.
Em um país com renda baixa como o Brasil, a jornada menor pode servir apenas para que um trabalhador arrume outro emprego nas horas “vagas” — ainda que não seja formal.
Além disso, a semana de quatro dias úteis não cabe em todo modelo de negócio, de acordo com Felipe Calbucci, diretor de vendas da Indeed Brasil. "É preciso avaliar muito bem em quais contextos e a mudança cabe. Também varia muito com a maturidade da empresa e como as empresas já fazem a gestão de pessoas".
Implicações na lei
Nos países da Europa, locais onde os testes começaram para valer, os órgãos do trabalho já estão atentos para regular a jornada semanal de quatro dias úteis.
Em Portugal, o Conselho de Ministros incluiu a iniciativa na Agenda do Trabalho Digno, regulamentando os testes, de forma voluntária, no setor privado. Por lá, mais de 100 empresas já adotaram. Ou seja, o país caminha a passos largos para a implementação da iniciativa em todo o território nacional.
Nas terras da rainha Elizabeth II, a semana de quatro dias úteis começou a ser adotada em junho. O teste-piloto envolve mais de 3 mil colaboradores de 70 empresas de diversos setores — que vão desde as companhias de tecnologia até restaurantes — e durará até dezembro.
Saindo da Europa, no continente americano também existe uma inclinação para menos dias de trabalho. Nos EUA, mais precisamente no estado da Califórnia, tramita um projeto de lei para que propõe uma jornada semanal de 32 horas, em substituição às atuais 40 horas, para empresas com mais de 500 funcionários, sem corte de salário.
E finalmente chegando no Brasil, não há uma expectativa, pelo menos a médio prazo, para regulamentar a semana de jornada menor sem afetar a remuneração. Nem de testes voluntários com algum respaldo legislativo ou jurídico, a exemplo dos outros países mencionados.
Mas para dizer que o tema nunca foi posto à mesa dos legisladores, existe uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que prevê a redução da jornada de trabalho. Em tramitação há 27 anos, a ideia é reduzir de 44 para 40 horas semanais, sem qualquer alteração na remuneração dos trabalhadores.
A matéria já recebeu um abaixo-assinado em 2008, com 1,5 milhão de assinaturas das centrais sindicais, mas não avançou e nem existe previsão para ser colocada em votação no plenário da Câmara dos Deputados — apesar de ter concluído todos os trâmites dentro da casa, incluindo aprovação em comissões.
Apesar dos impasses, por outro lado, o governo não pode interferir ou proibir a redução de jornada e adoção da semana de quatro dias úteis. Isso porque a lei trabalhista determina apenas o máximo de horas a serem trabalhadas, sendo até 44 horas semanais — é o que explica Felipe Calbucci, diretor de vendas do Indeed Brasil.
“Geralmente, o movimento [para a mudança] vem primeiro, depois vem a legislação para se adequar. Então, se o movimento criar uma massa [de empresas adeptas à redução da jornada de trabalho], vai se fazer necessário um ajuste de lei para regulamentar [a semana de quatro úteis].”
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