Por que a Microsoft e outras gigantes de tecnologia estão desembolsando bilhões para investir no setor de games
Os “chefões” desse mercado, como Microsoft e Sony, desembolsaram bilhões em aquisições estratégicas de estúdios de criação de jogos, mas agora contam com a concorrência de outras big techs
Barata, com diversas opções no mercado e com potencial de se tornar uma grande tendência de investimento para os próximos anos: a indústria de games está extremamente atrativa — e não apenas para os investidores que desejam correr um pouco mais de risco em busca de retornos mais atrativos.
Os “chefões” desse mercado, como Microsoft e Sony, desembolsaram bilhões em aquisições estratégicas de estúdios de criação de jogos para “passar de fase” e manter o domínio sobre os concorrentes. Essa estratégia acontece em um momento em que o setor atrai a atenção de outros jogadores — mais especificamente, as chamadas “big techs”.
Entre os novos competidores dessa arena estão gigantes como Amazon e Netflix. Essas empresas estão de olho nas tendências para esse mercado, incluindo a popularização dos games pelo celular.
“Cada vez mais, vemos empresas se voltando para o mercado de games e interessados nesta indústria. Os caras que são do setor estão aproveitando esse momento para investir, e os caras que não são do setor, também”, disse William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue Securities.
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Grandes compras no setor de games
Dona do Xbox, a Microsoft fez a principal jogada do ano com a compra da Activision Blizzard (ATVI), criadora de jogos como o Call of Duty e Candy Crush, por US$ 68,7 bilhões em janeiro deste ano.
A Microsoft, aliás, tem “experiência” em aquisições bilionárias na indústria de games. Antes da Activision Blizzard, a companhia desembolsou US$ 7,5 bilhões em 2020 pela ZeniMax Media — dona da desenvolvedora de jogos Bethesda Softworks, que criou franquias como The Elder Scrolls, Fallout e Doom.
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Porém, a gigante da tecnologia não foi a única a partir para as compras. No começo de 2022, a arquirrival Sony, fabricante do PlayStation, também fortaleceu sua presença no setor ao adquirir o estúdio Bungie, responsável por jogos como Destiny e Halo, por US$ 3,6 bilhões.
Mas não são apenas as donas de consoles as responsáveis por aquisições bilionárias no mundo dos games.
A Take-Two Interactive — dona de estúdios como a Rockstar, que produz o Grand Theft Auto (GTA) e o Red Dead Redemption — chamou a atenção do mercado ao pagar US$ 12,7 bilhões pela Zynga, dona de jogos como FarmVille, CSR Racing e Harry Potter: Puzzles & Spells.
E essa arena começa a ser povoada por outros nomes que por enquanto correm por fora, mas devem acirrar a competição no mercado.
A gigante do varejo Amazon gasta cerca de US$ 500 milhões por ano em sua divisão de games Amazon Game Studios, segundo dados da Bloomberg.
Até mesmo a Netflix aposta na oferta de jogos na plataforma para se diferenciar na dura concorrência no streaming.
Por que as gigantes do mercado estão investindo pesado no setor de jogos?
Mas por que empresas de diversos setores estão investindo tão pesado e desembolsando tanto dinheiro para fechar aquisições de estúdios e produtoras de games?
Para o especialista da Avenue, um dos motivos é a falta de “expertise” das gigantes de tecnologia no segmento de jogos e a possibilidade de sinergias com as aquisições.
“É muito mais fácil comprar alguma coisa pronta, sem precisar criar do zero. Em vez de testar coisas que não sabe se vai dar certo, você compra aquilo que já está funcionando. Cria uma nova vertente de geração de caixa, diversifica negócios e ainda tem a possibilidade de uma intersecção de business”, disse o estrategista.
Outro ponto citado por Castro Alves é o valor de mercado das empresas de jogos, que sofreu uma forte queda com a reabertura da economia no pós-pandemia e a crise no setor de tecnologia com a alta dos juros e da inflação pelo mundo.
Mas existe outro contexto que motivou os movimentos das gigantes da tecnologia dentro do setor de jogos — e seria a raiz dessa tendência de investimentos.
Para entender a conjuntura, porém, é preciso antes voltar um pouco para compreender as mudanças da política de privacidade da Apple e seus efeitos no setor de tecnologia.
O efeito da Apple
A pauta “cibersegurança” tornou-se cada vez mais presente nas discussões atuais. Afinal, em um momento em que grande parte das coisas são feitas de forma digital e que os ataques hackers parecem só aumentar, as companhias estão estreitando as paredes de segurança.
Uma delas é a empresa da maçã. No ano passado, a fabricante de iPhones decidiu alterar sua política de privacidade, chamada de Ad Tracking Transparency.
Todo aparelho da Apple conta com um identificador único, chamado IDFA. É essa sequência de letras e números que identifica um iPhone, por exemplo.
Para a Apple, os dados dos usuários são pouco relevantes. Afinal, a companhia tem a maior parte de sua receita vinda da venda de hardware. Ou seja, iPads, AirMacs, iPods, entre outros.
Porém, para empresas que veiculam anúncios, como é o caso do Facebook, essas informações eram fundamentais. Com estes dados, a empresa de Mark Zuckerberg poderia identificar um dispositivo e vincular todos os dados e registros de comportamentos a ele.
A mudança na política da Apple encerrou o compartilhamento automático de dados e do IDFA com terceiros. Desse modo, cada usuário do iPhone pode escolher quais aplicativos terão permissão para rastrear seu comportamento em outras plataformas.
Em resumo: a Apple “protegeu” a privacidade de seus usuários, mas empresas como o Facebook perderam a capacidade de criar anúncios direcionados aos interesses de cada usuário.
E o que isso significa para as empresas de games?
Quem mais sofreu com essa mudança da Apple foram as desenvolvedoras de jogos de menor porte, de acordo com Richard Camargo, analista da Empiricus Investimentos.
Isso porque o real desafio para um estúdio pequeno vai além da produção do videogame em si.
“Eu posso ter criado o jogo mais legal, mas existem vários outros aplicativos parecidos na loja digital, e as pessoas não sabem que o meu é o melhor. Então, eu preciso gerar marketing para que as pessoas baixem o meu game e, depois, gastem dentro desse jogo”, afirma.
Antes, o Facebook fazia essa ponte entre as empresas de jogos e os players, com anúncios otimizados que geravam o “clique” dos usuários.
Agora, com as novas regras da Apple, o cenário ficou mais difícil para as pequenas produtoras de jogos. Então, essas empresas independentes decidiram buscar novas alianças — o que casou muito bem com os interesses das big techs.
Isso porque, desse modo, as gigantes da tecnologia conseguem expandir seus portfólios e aumentar a presença em segmentos lucrativos do mercado de jogos, como o de games mobile.
“Para o cara que está fazendo games, é muito mais difícil navegar sozinho. Então, ele é alvo de aquisição óbvia para os grandes players, porque o negócio é do interesse dos dois, uma vez que eles possuem os dados para gerar retorno para os produtores dos jogos”, diz Camargo.
Na visão do estrategista da Avenue, William Castro Alves, os investimentos no setor de videogames são tão intensos que a tendência é vermos uma transformação dos players do mercado de jogos nos próximos anos.
“Quem são os principais figurões? Antes, a indústria de games tinha mais empresas independentes, e eu acredito que elas deverão cada vez mais se conectar a grandes conglomerados de tecnologia.”