Os três maiores riscos de 2023: Um guia para entender o mínimo que nos espera nos mercados no ano que vem
Fugindo um pouco do contexto geopolítico, separei o que é, para mim, o conjunto dos três principais riscos que podem ser mapeados para 2023
Como todo ano, começamos em dezembro a notar a circulação de relatórios de bancos, corretoras e casas independentes de análise com estratégias de investimento para 2023.
Depois de um período bastante turbulento, entre 2020 e 2022, os investidores têm se esforçado na construção dos mais variados playbooks para os próximos anos. Contudo, há um problema na dinâmica atual.
Saíamos de um ano muito atípico para os investimentos de maneira geral. Talvez o ponto mais importante a se ter em mente neste momento é o quão ruim foi, ao menos até aqui, o ano de 2022 para ativos de risco em nível global. Nada se salvou.
Posições em renda fixa, que deveriam ser conservadoras, caíram entre 20% e 30%. Um bear market se instalou nas bolsas norte-americanas, com recuos superiores a 20%. Se você estava alocado em ações de tecnologia ou small caps, as perdas superaram 50% com facilidade. O tamanho do ajuste não foi brincadeira.
Os portos seguros clássicos também não funcionaram, com o ouro decepcionando como hedge e o dólar não subindo contra o real, ferindo as carteiras de brasileiros com posições no exterior. A conta chegou, e de uma vez.
Em outras palavras, o ano foi difícil: saímos de uma taxa de juro zerada nos EUA, indo para próximo de 5%, num curto intervalo de tempo e corrigimos os excessos de anos de juros muito baixos e muita liquidez, com a enormidade da resposta de política econômica dada na pandemia (em certos países o esforço fiscal superou 20% do PIB).
Se observarmos os relatórios de projeções ao final de 2021, porém, ninguém se antecipou minimamente aos problemas completamente inesperados do ano. Não deveria incomodar tanto o erro das previsões, uma vez que, como o ditado popular costuma nos lembrar: “predição é muito difícil, especialmente se for sobre o futuro.”
Futurologia
Tentar antecipar o impermeável futuro é um jogo duro, em especial com tantos ruídos políticos e geopolíticos no radar (na média, o mercado é um avaliador relativamente fraco de política, principalmente quando há excesso de ruídos). Fomos inundados por riscos que dificilmente seriam mapeados, o que amplifica a reação.
Mais do que nunca, precisamos estar atentos aos riscos que nos cercam, mesmo que conseguindo avaliar apenas o que já conseguimos mapear minimamente (no fim de 2021, poucos colocavam como risco a invasão da Ucrânia).
Por isso, fugindo um pouco do contexto geopolítico, separei o que para mim é o conjunto dos três principais riscos que podem ser mapeados para 2023. Com o guia, ao menos saberemos o mínimo que nos espera em termos de risco.
A situação fiscal brasileira
Começo com um vetor na agenda doméstica, derivado em grande parte da incerteza fiscal sobre as contas públicas, o que considero o calcanhar de Aquiles do Brasil na atualidade. A PEC da Transição e a falta de perspectiva sobre o próximo arcabouço fiscal proporcionam falta de visibilidade nesta frente.
Abaixo, o gráfico ilustra a trajetória da relação da Dívida Bruta sobre o PIB. Note que ela acelerou de maneira preocupante durante o governo Dilma até ser contida pelo Teto de Gastos. Avançou novamente durante a pandemia, mas foi rapidamente normalizada. O problema fica agora para os próximos anos.
A depender do que for gerado de gasto adicional sem contrapartida, podemos caminhar para um patamar insustentável de endividamento. Provavelmente, o ano de 2023 será inundado de discussão fiscal relacionando a Reforma Tributária com a Nova Regra Fiscal, que ficará no lugar do teto de gastos.
Sabemos que debates fiscais penalizam os ativos locais por conta do estresse gerado sobre a curva de juros. Portanto, se a trajetória da dívida não for minimamente aceitável, podemos caminhar em uma direção sem volta, perdendo cada vez mais a credibilidade do país como bom pagador.
A inflação, os juros e a possibilidade de uma recessão global
Ao redor do mundo, a inflação começou a ser normalizada, mas continua elevada. Em outras palavras, o problema com a ideia de que os juros logo cairão é que a inflação tende a ser mais teimosa e ficar por mais tempo. Quanto mais ela ficar elevada, mais tempo ficaremos com juros mais altos, até que os preços estabilizem.
Acima, podemos analisar quanto tempo a inflação levava, desde 1970, para cair para 3% depois de atingir um certo nível. Se observarmos bem, notamos que, uma vez que a inflação ultrapasse 8%, é razoável esperar uma década para voltar a 3%. Ou seja, historicamente, a noção de que a inflação que chegou a 8% voltará a 3% em apenas 12 meses parece estranha.
Se os juros ficarem elevados por muito mais tempo, a recessão virá com mais força. Uma queda muito forte da economia ainda não parece estar nos preços. Consequentemente, quanto pior for o desempenho da economia nesta nova etapa do ciclo econômico, pior será para os ativos de risco.
Leia também
- Menino Haddad ou adulto Haddad? O que o mercado espera do futuro ministro da Fazenda
- A falácia do mercado cruel: por que a responsabilidade fiscal é necessária
- Os sinais que o mercado espera de Lula: há espaço para o benefício da dúvida?
Uma ótica mais pessimista sobre a reabertura chinesa
Por fim, mas não menos importante: a China importa muito para 2023. A reabertura do gigante asiático nas últimas semanas, após as paralisações por conta da covid, restaurou a confiança no mundo emergente. A última grande recuperação dos mercados emergentes ocorreu quando a China cresceu nos anos após sua adesão à Organização Mundial do Comércio em 2001. Uma China fortalecida ajuda o mundo.
Por outro lado, se a China realmente se abrir com pleno vigor, isso poderia estimular a demanda por commodities e, no processo, aumentar a pressão sobre a inflação. Uma reabertura da China, com base nisso, poderia manter a economia funcionando acima dos níveis de recessão por mais tempo, ao mesmo tempo em que eleva os preços a uma taxa que obriga os bancos centrais a permanecerem agressivos.
Isso prejudicaria o entendimento de que a inflação está finalmente no ponto em que cairá sem muito mais ajuda da política monetária. Uma reabertura chinesa com muita força, porém, poderá segurar os preços em patamares mais elevados por mais tempo, forçando mais juros sobre as economias e, consequentemente, gerando uma recessão.
Conclusão
Os próximos passos devem ser dados com bastante cautela. Não estamos em um momento trivial. Realmente, a oportunidade é grande, mas só porque o risco também é.
A incerteza fiscal, a recessão global e a teimosia inflacionária estão em nosso caminho. Se estivermos preparados com bastante caixa neste período, porém, poderemos provavelmente atravessar a tormenta de forma bastante satisfatória.