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Julia Wiltgen
Julia Wiltgen
Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com pós-graduação em Finanças Corporativas e Investment Banking pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Trabalhou com produção de reportagem na TV Globo e foi editora de finanças pessoais de Exame.com, na Editora Abril.
Entrevista exclusiva

O gringo voltou para a bolsa brasileira; mas para este gestor estrangeiro, talvez não queira ficar por muito tempo

Edward Cole, diretor executivo da Man GLG, parte da maior gestora de fundos de hedge da Europa, acredita que estrangeiros não têm grande convicção sobre a sustentabilidade do fiscal e vê risco nas eleições presidenciais

Julia Wiltgen
Julia Wiltgen
21 de fevereiro de 2022
5:30 - atualizado às 19:56
Globo e cédulas de dinheiro de diversos países
Gestor da Man GLG também não está otimista com mercado americano: "O valor das empresas americanas é alarmante". - Imagem: Shutterstock

Por mais que o mercado local de ações tenha se desenvolvido nos últimos anos, e o número de investidores pessoas físicas tenha explodido, a bolsa brasileira ainda é bastante dependente do capital estrangeiro. Cerca de metade das movimentações na B3, em volume, é feita pelos gringos.

Isso significa que os investidores internacionais têm poder de mexer para valer com as cotações das ações brasileiras e o desempenho do Ibovespa. Quando eles resolvem apostar suas fichas por aqui, normalmente vemos o principal índice da B3 brilhar.

É o que tem acontecido neste início de ano. Em 2022, a bolsa local já viu um ingresso líquido de recursos estrangeiros no valor de pouco mais de R$ 50 bilhões. Não por acaso, o Ibovespa acumula alta de 7,69% no ano.

Mas esse dinheiro veio para ficar? Vem mais por aí? Ou se trata apenas de um movimento tático, momentâneo, e logo os estrangeiros vão embora novamente? Afinal, não é como se muita coisa tivesse mudado na conjuntura nacional do fim do ano passado para cá.

Além disso, o cenário internacional não está exatamente favorável para ativos de risco (que dirá para mercados arriscados como os emergentes), e neste ano ainda temos eleições presidenciais no Brasil, um evento que costuma causar bastante volatilidade nos mercados locais.

Para tentar responder a essas perguntas, nada melhor do que consultar justamente um investidor estrangeiro. Afinal, como o gringo está vendo o Brasil?

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Para Edward Cole, diretor executivo de investimentos discricionários na Man GLG, parte do Man Group, há bons motivos para esse ingresso de capital estrangeiro no país, mas há obstáculos para que esses recursos permaneçam por aqui.

“Para ficar, o capital estrangeiro precisa estar convencido de que a política fiscal é sustentável e a governança está melhorando. No momento, não acho que os estrangeiros tenham grande convicção sobre isso”, me disse Cole, em entrevista por e-mail.

Ele acrescentou, ainda, que a eleição presidencial será muito disputada e que “provavelmente impedirá que capital sério de longo prazo seja alocado no Brasil”.

Sobre as bolsas americanas, sua visão também não é muito otimista. “O valor das empresas americanas é alarmante”, disse. Para ele, mesmo que esses valuations continuem sendo suportados, a tendência de alta para “preços estratosféricos” vista em 2020 e 2021 para as empresas sem lucros ou receitas “provavelmente ficou para trás”.

O Man Group é a maior gestora de fundos de hedge da Europa, e só a Man GLG tem mais de US$ 30 bilhões sob gestão. Veja a seguir os principais trechos da entrevista com o diretor executivo Edward Cole:

Temos visto um retorno do capital estrangeiro para a bolsa brasileira, justamente num momento de aperto monetário nos Estados Unidos e de juros altos no Brasil, o que, num primeiro momento, não parece fazer muito sentido. O que o estrangeiro está vendo no Brasil neste momento? Trata-se de um movimento pontual, tático, e que deve se reverter ao longo do ano, ou é realmente mais estrutural? Afinal, os recursos estrangeiros estão voltando para ficar?

Há alguns fatos específicos que tornam este ciclo diferente de outros ciclos de aperto:

Edward Cole, diretor executivo de investimentos discricionários na Man GLG. Foto: Divulgação.

1) Os preços das commodities permanecem muito elevados, devido às interrupções no fornecimento de energia, particularmente, que estão se espalhando por todo o espectro de commodities. Por exemplo, a escassez de gás natural está limitando a oferta de fertilizantes, o que está elevando os preços dos alimentos. E, de forma geral, a correlação positiva das commodities com a inflação é evidente. O Brasil está, significativamente, exposto às exportações de commodities como economia, e as commodities estão bem refletidas no mercado de ações;

2) Há uma rotação viciosa nos fatores de estilo do mercado de ações. As empresas de Growth (alto crescimento) estão caindo significativamente, e empresas de valor (com potencial de crescimento no longo prazo) estão tendo melhor desempenho. Os EUA possui o mercado de ações mais exposto a empresas de Growth. Mercados emergentes são geralmente menos alocados. Além disso, a grande correção nos preços das empresas de tecnologia chinesas está forçando uma realocação em portfólios de mercados emergentes;

3) O Brasil se antecipou ao Fed no aumento das taxas de juros. Isso é muito incomum. Mas muitos bancos centrais de mercados emergentes perceberam que não tinham o mesmo luxo que os bancos centrais de mercados desenvolvidos para tolerar a inflação e aumentaram as taxas de forma agressiva. Isso criou um grande prêmio de risco, que está atraindo capital estrangeiro. Em última análise, se o câmbio e as taxas locais estiverem funcionando, as ações também funcionarão, mesmo que as perspectivas de crescimento sejam ruins.

Caso se trate de um movimento mais pontual, o que precisaria acontecer para o mercado brasileiro de fato ficar mais atrativo para o investidor global recuperar o interesse no Brasil e voltar para ficar?

Para ficar, o capital estrangeiro precisa estar convencido de que a política fiscal é sustentável e a governança está melhorando. No momento, não acho que os estrangeiros tenham grande convicção sobre isso.

Qual a visão geral de vocês em relação aos ativos brasileiros em 2022, especialmente os ativos de risco? Onde estão as oportunidades e quais os principais riscos?

À medida que a inflação começar a se moderar e os juros reais subirem, o Copom sentirá menos pressão para continuar elevando os juros. No final do ano, a inflação ao consumidor pode estar abaixo de 6%, o que significa que as taxas de juros reais podem estar acima de 5%. Isso deve se mostrar muito atraente para os investidores possuírem títulos brasileiros em moeda local.

Conforme as taxas parem de subir, a pressão da economia desacelerará e as perspectivas de crescimento começarão a se tornar mais claras, o que é favorável às ações. No entanto, a eleição presidencial será muito disputada e, provavelmente, impedirá que capital sério de longo prazo seja alocado ao Brasil.

Em relação ao cenário global, a política monetária do Federal Reserve é uma fonte de preocupação ou um ajuste bem-vindo?

O Fed está mais “hawkish” do que em qualquer outro momento em mais de 20 anos. Você provavelmente terá que voltar a [Alan] Greenspan, no início dos anos 1990, para ver esse tipo de retórica agressiva no início de um ciclo.

Aumentar as taxas de juros e reduzir o tamanho do balanço do Fed vai apertar as condições financeiras globalmente e reduzir muito a liquidez. Os spreads de crédito provavelmente aumentarão, e o refinanciamento de dívida se tornará mais difícil e mais caro. Isso criará muito risco para as economias emergentes altamente endividadas e o setor corporativo.

O maior risco para a economia mundial, no entanto, é de que o Fed aperte agressivamente para uma desaceleração. Isso definitivamente não é garantido, mas há alguns sinais preocupantes do consumidor americano.

Os valuations das empresas americanas ensejam alguma preocupação? Os investidores globais, no geral, esperam algum tipo de ajuste doloroso de preços?

O valor das empresas americanas é alarmante. No final de 2021, mais empresas do índice Russell 1000 negociaram com EV/Sales (Valor da empresa/Vendas) acima de 10 vezes do que durante a bolha da Nasdaq de 2000. Além disso, o índice Shiller de preço/lucro (PE) ajustado ciclicamente está mais caro do que antes da quebra de Wall Street em 1929.

Normalmente, os múltiplos das empresas são inversamente correlacionados à inflação e às taxas de juros, de modo que o cenário macroeconômico não é favorável à manutenção desses valores. No entanto, se a economia começar a desacelerar visivelmente, e o Fed reverter o curso, os valores das empresas poderão ter suporte até certo ponto.

Uma coisa é clara, no entanto: a tendência vista em 2020 e 2021 para aumentos de preços estratosféricos das empresas sem lucros, ou mesmo receitas, provavelmente ficou para trás, felizmente.

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