Gauss vê preferência do mercado por Bolsonaro contra Lula e aposta em dólar forte — menos contra o real
Fabio Okumura, sócio-fundador da Gauss e responsável pela gestão de R$ 2,5 bilhões, tem visão favorável para o país, mas diz que não tomaria posição de longo prazo com base no resultado das eleições
Shoppings lotados, trânsito nas ruas, trabalho no escritório… Quem apostou no “novo normal” deve estar frustrado ao constatar que a rotina não mudou muito depois que a pior fase da pandemia da covid-19 aparentemente ficou para trás. Essa retomada dos antigos hábitos deverá se refletir na economia e, claro, nos investimentos.
A visão é de Fabio Okumura, sócio-fundador da Gauss Capital. Para o experiente gestor, a escalada da inflação e outros fenômenos provocados pela crise do coronavírus não serão uma preocupação de longo prazo nos mercados.
“A gente deve voltar para o mundo pré-pandemia, com inflação baixa e crescimento abaixo do potencial, principalmente nos países desenvolvidos”, me disse Okumura, em uma entrevista no escritório da Gauss — feita presencialmente, aliás.
A variável que não estava no roteiro da crise de saúde e que pode fazer alguma diferença é o risco geopolítico que estourou com a invasão da Rússia à Ucrânia, de acordo com o sócio da Gauss, que possui R$ 2,5 bilhões sob gestão.
Isso porque o abalo nas relações entre os países tende a esfriar o processo de globalização, que torna as economias mais eficientes. “A gente vai ter um mundo um pouco diferente nesse sentido, e mais inflacionário.”
Gauss compra dólar — e real
Com esse cenário de longo prazo na cabeça, Okumura pilota um fundo que tem como característica estar em constante busca por oportunidades no mercado. “É por isso que os investidores nos pagam, nosso trabalho é ser dinâmico mesmo.”
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Desde o início, em 2014, o principal fundo da Gauss entregou um retorno de 124,5% aos investidores, contra 85,9% do CDI. No acumulado dos últimos 12 meses, porém, está atrás do indicador de referência.
Quando conversamos pela primeira vez, ainda no início da pandemia, Okumura revelou uma estratégia que se mostrou valiosa: colocar o dinheiro para trabalhar. Agora, com os juros passando por um processo de ajuste no mundo inteiro, não existe uma aposta tão clara.
Neste momento, a Gauss tem entre as principais posições a compra de dólar contra uma cesta de moedas. Afinal, o processo de alta dos juros nos Estados Unidos tende a atrair recursos para a maior economia do mundo. Por consequência, esse movimento deve fortalecer a moeda do país de Joe Biden.
Ao mesmo tempo, o BC europeu deve ter mais dificuldades em coordenar o aperto monetário diante das situações particulares de cada economia. Desta forma, a tendência é que o euro perca ainda mais valor perante a moeda norte-americana.
Mas o dólar mais forte não necessariamente significa um real mais fraco. Ao contrário, o gestor vê espaço para o câmbio se valorizar, em meio ao cenário de juros altos e o bom desempenho das exportações brasileiras.
Apesar de acreditar na tendência favorável para o real, os fundos da Gauss não têm posição na moeda brasileira agora — e por uma boa razão. “É difícil ficar vendido em dólar no meio de uma eleição, mas aproveitamos todos os momentos de alta para vender.”
Gabarito para as eleições? Não, obrigado
Por falar em eleições, Okumura aponta que o mercado, de modo geral, ainda prefere Bolsonaro contra Lula, mesmo que sem o entusiasmo de quatro anos atrás.
Para ele, o desempenho positivo do Ibovespa nos dias em que sai uma pesquisa mais favorável ao atual presidente é um sinal dessa opção da Faria Lima.
Isso não significa uma convicção pessoal nem que uma eventual reeleição de Bolsonaro seria melhor para os ativos brasileiros que a volta do petista ao poder, de acordo com o gestor.
“Se eu tivesse um gabarito [com o resultado] das eleições, não saberia o que fazer. Ou melhor, talvez tomasse uma posição sabendo da preferência do mercado, mas seria um trade de curto prazo.”
Por outro lado, ele não se mostra pessimista com o país, seja qual for o resultado das urnas. Okumura está no grupo dos que esperam o fim do ciclo de alta da taxa básica de juros (Selic) nos atuais 13,75% ao ano.
Como esse cenário já está embutido nos preços e há muita incerteza sobre a ponta longa da curva, a Gauss não tem hoje posições no mercado de juros no Brasil.
Agora, para o investidor pessoa física que estiver disposto a suportar a volatilidade, Okumura vê uma ótima oportunidade nos títulos públicos atrelados à inflação (Tesouro IPCA+) de prazos mais longos, com vencimento em 2055.
Para a Gauss, é hora das incorporadoras na bolsa
O fim iminente da alta da Selic também é uma boa notícia para a renda variável, mas a Gauss prefere se posicionar de forma mais tática na bolsa brasileira.
De modo geral, Okumura até concorda com a tese de que as ações estão baratas na B3. No entanto, ele avalia que há opções ainda mais baratas pelo mundo.
No caso, a principal aposta da Gauss está na bolsa japonesa. A visão é a de que a inflação, ao contrário do que acontece em praticamente todo o mundo, é positiva para o país do sol nascente.
Aqui no Brasil, a principal posição em bolsa da gestora está no setor de construção, justamente um dos que mais apanhou com o aperto monetário.
Mas a expectativa de que os juros ainda permaneçam altos por um longo período não é ruim para as ações das incorporadoras?
“Tanto as empresas como os fundos imobiliários sofrem muito durante o processo de alta, mas o grande detrator de rentabilidade vem mais da incerteza de saber onde o juro vai parar do que o nível absoluto da taxa”, afirma Okumura.
Dentro do setor, o gestor cita as ações da Direcional (DIRR3). A companhia atende ao público de mais de baixa renda e, portanto, deve se beneficiar das benesses lançadas recentemente pelo governo.
O risco de o BC dos EUA exagerar na dose
Junto com a inflação, o maior receio dos investidores no mercado financeiro hoje é o de uma recessão nos Estados Unidos. Pois Fabio Okumura tem poucas dúvidas de que um período de contração da maior economia do mundo é inevitável.
Isso porque o Fed, o BC norte-americano, vem sofrendo uma pressão forte para atacar a inflação, tanto do mercado como do próprio governo. “A consequência disso é que eles vão afundar a economia.”
Por outro lado, a recessão que deve ocorrer já no começo de 2023 não deve ser tão forte. Mas é justamente na intensidade do remédio que mora um dos maiores riscos para o mercado hoje, segundo o gestor.
Em outras palavras, se o Fed decidir adotar uma postura ainda mais agressiva contra a inflação poderá derrubar ainda mais a economia.
“Eu, como engenheiro, não teria essa pressa porque acho que a inflação vai voltar depois dos efeitos da covid. Mas está claro que o Fed está pensando com a cabeça de economista, que prioriza o combate à inflação.”
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