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Julia Wiltgen
Julia Wiltgen
Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com pós-graduação em Finanças Corporativas e Investment Banking pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Trabalhou com produção de reportagem na TV Globo e foi editora de finanças pessoais de Exame.com, na Editora Abril.
Balanço do mês

Setembro foi o mês do dólar e da renda fixa beneficiada pela alta dos juros e da inflação; já a bolsa e o bitcoin amargaram fortes perdas

Retirada iminente dos estímulos monetários nos EUA e possível desaceleração do crescimento chinês se uniram ao risco fiscal brasileiro e à inflação pressionada por aqui para pesar sobre os juros futuros, o câmbio e os ativos de risco

Julia Wiltgen
Julia Wiltgen
30 de setembro de 2021
20:50 - atualizado às 11:03
Notas de dólar e real, inflação
Em setembro, ganharam o dólar, a renda fixa conservadora e as debêntures. Imagem: Shutterstock

Se agosto já não foi um mês auspicioso para os ativos de risco, setembro não foi muito diferente. Com fatores de risco internos e externos, os melhores investimentos do período foram ativos de proteção (dólar e ouro) e aqueles que se beneficiam da alta dos juros e das pressões inflacionárias, como é o caso das debêntures e dos ativos de renda fixa conservadora atrelada às taxas básicas de juros.

O dólar à vista terminou o mês cotado a R$ 5,45, após uma alta de 5,30%, enquanto o dólar PTAX, calculado pelo Banco Central, subiu 5,77%, a R$ 5,44, ficando com o primeiro lugar do ranking dos investimentos.

Os ativos mais prejudicados pela alta dos juros futuros, por sua vez, sofreram novamente. Estou falando dos títulos públicos prefixados e atrelados à inflação, da bolsa e dos fundos imobiliários. O último lugar da lista ficou novamente com o volátil título público Tesouro IPCA+ 2045, que recuou 7,77% no mês, acumulando perda de 23,60% no ano.

No caso das ações, especificamente, também pesaram as preocupações relacionadas ao crescimento das maiores economias do mundo, notadamente da China, grande compradora de commodities do Brasil. O Ibovespa terminou setembro com baixa de 6,57%, aos 110.979,10 pontos.

O bitcoin também ficou bem longe dos primeiros lugares do ranking em setembro, fazendo jus à sua fama de ativo extremamente volátil. Mais uma vez a China estressou o mercado cripto com suas restrições, e a criptomoeda terminou o mês com queda de 1,99% em reais, cotada a R$ 238.544,97. Em dólares, o recuo foi de 7,27%, para US$ 43.824,40.

Veja o ranking completo na tabela a seguir:

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Os melhores investimentos de setembro

InvestimentoRentabilidade no mêsRentabilidade no ano
Dólar PTAX5,77%4,68%
Dólar à vista5,30%4,96%
Ouro1,84%-3,80%
Índice de Debêntures Anbima Geral (IDA - Geral)*0,63%4,45%
Índice de Debêntures Anbima - IPCA (IDA - IPCA)*0,56%3,34%
Tesouro Selic 20270,53%-
Tesouro Selic 20240,51%-
Poupança antiga**0,50%4,59%
CDI*0,45%2,48%
Poupança nova**0,30%1,67%
Tesouro IPCA+ 2026-0,22%-2,66%
IFIX-1,24%-5,38%
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais 2030-1,25%-5,08%
Tesouro Prefixado 2024-1,42%-
Bitcoin-2,00%58,44%
Tesouro Prefixado 2026-2,48%-11,35%
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais 2040-2,73%-7,27%
Tesouro IPCA+ 2035-3,92%-10,96%
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais 2055-3,95%-10,64%
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais 2031-4,04%-16,79%
Ibovespa-6,57%-6,75%
Tesouro IPCA+ 2045-7,77%-23,60%

(*) Até o dia 29/09. (**) Poupança com aniversário no dia 28.
Todos os desempenhos estão cotados em real. A rentabilidade dos títulos públicos considera o preço de compra na manhã da data inicial e o preço de venda na manhã da data final, conforme cálculo do Tesouro Direto.

Fontes: Banco Central, Anbima, Tesouro Direto, Broadcast e Coinbase, Inc..

Riscos vindos do exterior

O mês de setembro foi repleto de fatores de risco internos e externos capazes de prejudicar os mercados brasileiros. Vamos começar pelo que veio de fora. No começo do mês, dados econômicos fracos vindos dos Estados Unidos e da China deixaram os investidores preocupados em relação à tão aguardada recuperação econômica das maiores economias do mundo.

Enquanto os dados americanos continuavam mistos - deixando os mercados na dúvida quanto ao momento em que se iniciariam, afinal, a retirada dos estímulos monetários e a alta dos juros nos EUA -, os números chineses indicavam desaceleração do crescimento do gigante asiático.

Nos EUA, fim dos estímulos e alta de juros à vista

Mais para o fim do mês, porém, houve decisão de juros nos Estados Unidos, e a indicação do Federal Reserve, a partir de então, passou a ser de que a retirada de estímulos, com a redução da compra de ativos, deve começar ainda neste ano - e de que a alta dos juros por lá deve se iniciar no ano que vem.

Isso levou ao fortalecimento global do dólar ante outras moedas fortes, bem como para a alta dos juros dos títulos do Tesouro americano, o que contribuiu para a alta dos juros futuros por aqui e a valorização da moeda americana ante o real.

Inclusive, em dólar, o ouro viu uma queda em setembro. A alta se deu em reais, uma vez que a moeda brasileira se enfraqueceu frente ao dólar. Apesar dos temores inflacionários globais, que tendem a favorecer o investimento no metal, a alta dos retornos dos títulos americanos costuma pesar negativamente sobre os preços da commodity. É que os títulos pagam juros, enquanto o ouro não.

Então o mercado agora encara a iminência mais palpável da retirada de estímulos monetários e da alta dos juros nos Estados Unidos, fatores que tendem a reduzir a atratividade dos ativos de risco no mundo todo, pois tornam os títulos públicos americanos, ativos mais seguros do mundo, mais rentáveis, além de fecharem a torneirinha do dinheiro barato em busca de aplicações. Acabou o milho, acabou a pipoca.

Quem mais sofre com isso? Ora, ativos mais arriscados e voláteis, como as ações de empresas de tecnologia e as criptomoedas, e os mercados emergentes, como o Brasil.

Na China, pressão sobre o minério de ferro e o caso Evergrande

Já a aparente desaceleração do crescimento chinês gera o temor de uma redução na demanda por commodities, setor com maior peso na composição do Ibovespa. A China também anda intervindo na produção de aço a fim de conter as altas no preço do minério de ferro e combater a especulação nesse mercado.

Isso tudo vem gerando forte volatilidade no preço da commodity, que despencou ao longo do mês de setembro, impactando negativamente as ações da Vale e das siderúrgicas.

Para embolar um pouco mais o meio de campo, o mundo começou a se preocupar com a saúde financeira da gigante incorporadora chinesa Evergrande, cujo risco de calote na sua dívida de US$ 300 bilhões ameaça a estabilidade dos mercados.

Inicialmente, os investidores chegaram a temer uma quebradeira tão generalizada de incorporadoras chinesas e bancos que uma potencial quebra da Evergrande chegou a ser comparada - exageradamente - à quebra do banco Lehman Brothers, que marcou o início da crise financeira de 2008.

Porém, a concentração da dívida da companhia em credores chineses, a injeção de recursos pelo governo chinês na economia e as renegociações de alguns pagamentos trouxeram um certo alívio ao mercado. O mais provável, acredita-se, é que não haja um contágio global.

O problema é que a provável crise no mercado imobiliário chinês decorrente deste episódio deve baquear um pouco a economia do país, além de reduzir a demanda por aço, uma das matérias-primas mais consumidas pela indústria da construção civil - prejudicando, mais uma vez, as mineradoras e siderúrgicas brasileiras.

Assim, nem os EUA, nem a China trouxeram boas notícias para o mercado de ações brasileiro em setembro; e o início iminente da retirada dos estímulos americanos, bem como a alta global do dólar, pressionaram câmbio e juros futuros por aqui.

Melhores ações de setembro

AçãoCódigoDesempenho no mês
MarfrigMRFG333,26%
PetroRioPRIO330,93%
MinervaBEEF324,40%
JBSJBSS319,06%
BRFBRFS314,65%
AssaíASAI313,09%
WEGWEGE311,11%
CopelCPLE66,29%
SabespSBSP35,78%
EnevaENEV35,11%
Fonte: B3/Broadcast

Piores ações de setembro

AçãoCódigoDesempenho no mês
Banco Inter unitBIDI11-31,10%
Banco Inter PNBIDI4-28,70%
Via (ex-Via Varejo)VIIA3-26,18%
Americanas SAAMER3-25,24%
Magazine LuizaMGLU3-21,38%
CieloCIEL3-20,21%
Lojas AmericanasLAME4-19,80%
CSNCSNA3-17,61%
Dexco (ex-Duratex)DXCO3-17,52%
Banco PanBPAN4-15,85%
Fonte: B3/Broadcast

Os esqueletos no nosso próprio armário

Além de tudo isso, o Brasil ainda precisa lidar com seus próprios fantasmas. O mês começou com as tensões políticas em torno das manifestações bolsonaristas do feriado da Independência, em 7 de setembro, mas uma carta redigida com a ajuda do ex-presidente Michel Temer e assinada pelo presidente Jair Bolsonaro acabou selando a paz entre os Poderes.

Entretanto, o mercado teve de se haver com dados econômicos negativos e a intensificação das preocupações em relação à saúde fiscal do país.

O mês começou com um dado de PIB desanimador: o Produto Interno Bruto do segundo trimestre caiu 0,1%, quando a mediana das expectativas do mercado apontava para uma alta de 0,2%, o que pegou o mercado de surpresa.

A recuperação pós-pandemia falhava em atender às expectativas, e agora estávamos em meio a um ciclo de alta de juros, o que só impõe mais dificuldades para que a economia cresça.

Inflação lá em cima

Mas desgraça pouca é bobagem: soma-se a isso a crise hídrica, que encareceu a energia elétrica e tende a pesar sobre uma inflação já pressionada pela elevação, por exemplo, nos preços do petróleo e dos combustíveis, de materiais de construção, de produtos à base de proteína animal, de produtos que levam semicondutores em sua composição (insumos que estão em falta no mercado), como é o caso dos veículos, além da alta do dólar, é claro.

A alta generalizada dos preços, por sinal, ainda preocupa os mercados domésticos, que continuaram revisando para cima suas perspectivas de inflação e pressionando os juros futuros. Na semana passada, o Banco Central elevou a Selic em mais um ponto percentual, para 6,25%, e já contratou mais uma alta de igual proporção na próxima reunião.

Agora, o mercado espera que a inflação oficial, medida pelo IPCA, seja de 8,45% para 2021 - lembrando que a meta do ano é de 3,75%, com limite máximo de 5,25%. Já a Selic deve terminar o ano em 8,25%.

Para 2022, a expectativa é de que a taxa básica de juros suba um pouco mais - até 8,50% -, mas que a inflação seja finalmente controlada, caindo para 4,12%.

Risco fiscal ainda em pauta

E o risco fiscal também permaneceu sob os holofotes. A questão dos precatórios foi encaminhada, mas ainda não está resolvida. Só que a questão do Auxílio Brasil - o novo e turbinado programa social do governo, que deve substituir o Bolsa Família - continuou dando o que falar.

O governo resolveu elevar, por decreto, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) das operações de crédito, tanto para pessoas físicas como jurídicas, de modo a financiar o novo programa social - ao menos em parte.

A notícia caiu mal no mercado, como um combo antiliberal de aumento de impostos com encarecimento do crédito num momento de alta de juros, o que pode penalizar empresas e pessoas físicas, piorar os índices de inadimplência e desestimular ainda mais a produção e o consumo.

Finalmente, o mês termina com a notícia de que o governo pode estender mais uma vez o auxílio emergencial, o que pressiona ainda mais as contas públicas, e o retorno do cabo de guerra entre governo e Petrobras em relação aos preços dos combustíveis, um risco que paira sobre as ações da estatal.

Juros e dólar para cima, ativos de risco para baixo

A alta dos juros futuros resultante da combinação de risco fiscal, inflação pressionada e início iminente da retirada dos estímulos monetários nos Estados Unidos, bem como a continuidade do aperto monetário por parte do Banco Central brasileiro pesaram negativamente sobre a bolsa, os fundos imobiliários e os títulos públicos prefixados e atrelados à inflação, cujos preços tendem a cair quando a expectativa do mercado é de alta nos juros.

O Ibovespa também sofreu com as possibilidades de crise no mercado imobiliário chinês, desaceleração do crescimento econômico do gigante asiático e outras pressões sobre o preço do minério de ferro, que colocam um ponto de interrogação sobre a demanda futura por commodities exportadas pelas empresas brasileiras.

Os investimentos cuja rentabilidade é atrelada à Selic e ao CDI, por sua vez, viram seu retorno aumentar com a nova alta da taxa básica de juros pelo Banco Central, que colocou a renda fixa pós-fixada - mesmo a mais conservadora - de volta ao jogo dos investimentos brasileiros.

A alta da Selic também acaba beneficiando os títulos privados cuja remuneração está de alguma forma atrelada ao CDI. É o caso de muitas das debêntures que vêm sendo emitidas nos últimos tempos. Mas mesmo aquelas com remuneração atrelada ao IPCA vêm apresentando bom desempenho, com a inflação ainda elevada.

Já o risco fiscal brasileiro se uniu à alta global do dólar para levar a cotação da moeda americana ante o real um pouco mais para cima, mesmo com a escalada da Selic - o que em tese deveria valorizar um pouco a nossa moeda.

Cruzada chinesa contra os criptoativos

Em setembro, a China também continuou a sua cruzada contra o mundo cripto ao banir todas as transações com criptoativos no país. Porém, a realocação dos mineradores pelo mundo - ocorrida desde que o país baniu a mineração - faz com que o impacto da medida seja limitado para as cotações do bitcoin.

Entretanto, o criptomercado também tende a ser negativamente atingido por uma redução de estímulos monetários nos EUA - assim, os investidores permanecem de olho nas movimentações do Fed.

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