Corram para as colinas: outubro foi o mês de quem se protegeu com guarda-chuva de aço; veja os melhores e piores investimentos do mês
Bitcoin, ouro, dólar e renda fixa pós-fixada foram as únicas altas; ativos de bolsa e títulos públicos longos sangraram
Outubro poderia ter sido um bom mês para os investimentos, mas a deterioração do risco fiscal do país foi tanta, que só quem sobreviveu quem se protegeu da economia brasileira. Os melhores investimentos foram os dolarizados ou descorrelacionados com o mercado local, ou então a boa e velha renda fixa conservadora.
A disparada nos juros futuros pesou sobre os ativos de bolsa, como ações e fundos imobiliários, e os títulos públicos prefixados e atrelados à inflação, que se desvalorizam quando as taxas sobem.
Assim, vimos o bitcoin disparar na frente com uma alta de cerca quase 50% (em reais), seguido do ouro, que subiu 4,77% e do dólar, que foi a R$ 5,65 na cotação à vista e a R$ 5,64 na cotação PTAX. Em seguida veio o Tesouro Selic, título público cuja rentabilidade é atrelada à taxa básica de juros, e se beneficia dos cenários de juros em alta.
Na lanterna, por outro lado, apenas o mar de sangue dos títulos públicos longos prefixados e atrelados à inflação, machucados pela abertura na curva de juros. A ali na parte final da tabela também se encontra o Ibovespa, com um tombo de 6,74%, terminando o mês nos 103.500 pontos.
Veja o ranking dos investimentos do mês na tabela a seguir:
Os melhores investimentos de outubro
Investimento | Rentabilidade no mês | Rentabilidade no ano |
Bitcoin | 47,07% | 133,01% |
Ouro | 4,77% | 0,79% |
Dólar PTAX | 3,75% | 8,60% |
Dólar à vista | 3,67% | 8,82% |
Tesouro Selic 2024 | 0,59% | - |
Tesouro Selic 2027 | 0,58% | - |
CDI* | 0,52% | 2,97% |
Poupança antiga** | 0,50% | 5,11% |
Poupança nova** | 0,36% | 2,03% |
Índice de Debêntures Anbima Geral (IDA - Geral)* | -0,60% | 3,79% |
IFIX | -1,47% | -6,78% |
Índice de Debêntures Anbima - IPCA (IDA - IPCA)* | -2,34% | 0,81% |
Tesouro IPCA+ 2026 | -3,78% | -6,10% |
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais 2030 | -4,70% | -8,71% |
Tesouro Prefixado 2024 | -5,12% | - |
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais 2031 | -6,04% | -21,23% |
Ibovespa | -6,74% | -13,04% |
Tesouro Prefixado 2026 | -6,81% | -17,33% |
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais 2040 | -7,69% | -12,96% |
Tesouro IPCA+ 2035 | -9,24% | -18,23% |
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais 2055 | -9,91% | -17,78% |
Tesouro IPCA+ 2045 | -16,42% | -34,77% |
(*) Até o dia 28/10. (**) Poupança com aniversário no dia 28.
Todos os desempenhos estão cotados em real. A rentabilidade dos títulos públicos considera o preço de compra na manhã da data inicial e o preço de venda na manhã da data final, conforme cálculo do Tesouro Direto.
Fontes: Banco Central, Anbima, Tesouro Direto, Broadcast e Coinbase, Inc..
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O fim do teto de gastos como o conhecemos
O início da temporada de balanços corporativos do terceiro trimestre no Brasil e no exterior poderia ter mexido com os mercados locais de maneira positiva. Afinal, os números têm sido bons, no geral, principalmente nos Estados Unidos. No mínimo a bolsa brasileira poderia ter surfado o otimismo das bolsas americanas.
Mas Brasília mais uma vez trouxe nuvens carregadas aos mercados locais. Desta vez, o governo decidiu driblar o teto de gastos, anunciando seu novo programa social, o Auxílio Brasil, com R$ 30 bilhões fora do limite; em seguida, alterou a regra de correção do teto para liberar essa quantia e mais um tanto no orçamento do ano que vem.
Com isso, o governo obteve uma licença para gastar, além do previsto, pouco mais de R$ 80 bilhões em 2022 - ano eleitoral, é bom lembrar -, boa parte deles com renda básica para a população mais pobre.
Não que os mais pobres não precisem de um programa de renda básica - tanto é que o Bolsa Família, programa que o Auxílio Brasil visa substituir, é uma das políticas estatais mais bem-sucedidas da Nova República.
A questão é que o drible no teto envia para o mundo o recado de que o governo brasileiro não tem responsabilidade fiscal e de que aqui as regras mudam no meio do jogo.
Além disso, um auxílio de R$ 400, como pretende o governo, viria acima dos R$ 300 esperados inicialmente. Fora a desvalorização do real que o risco fiscal aumentado já provoca, esse tanto mais de recursos direcionados ao consumo pode pressionar ainda mais os preços.
A manobra do governo levou à saída de dois membros importantes da equipe econômica - o secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, e o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt -, além dos seus respectivos adjuntos.
No momento mais tenso do mês, o mercado chegou a temer que Paulo Guedes pedisse demissão do Ministério da Economia, e correram rumores de que ele teria se demitido, mas sido convencido a ficar pelo presidente Jair Bolsonaro.
Houve um ligeiro alívio quando Guedes apareceu ao lado de Bolsonaro numa coletiva para defender o Auxílio Brasil de R$ 400 e o "puxadinho" no teto de gastos, mas isso não foi o suficiente para acalmar os ânimos do mercado.
Afinal, o estrago já havia sido feito: na prática, não havia mais teto. O que impediria o governo de fazer alguma outra manobra para comportar ainda mais gastos "justos"?
Para piorar a situação, aumento do teto não é sequer uma certeza. A mudança na regra da correção do limite foi incluída na PEC dos precatórios, que ainda não foi aprovada e vem sendo seguidamente adiada.
Enquanto isso, o Bolsa Família foi encerrado sem que haja ainda qualquer clareza sobre como será o seu substituto, e se ele terá condições de sobreviver a 2022. Afinal, os R$ 400 foram prometidos apenas até o fim do ano que vem. Depois, esse valor reduziria um pouco - mas aí já seria outro governo.
Pressão sobre juros, câmbio e inflação
O aumento do risco fiscal pesou ainda mais sobre os juros futuros e o câmbio. O dólar à vista chegou a bater R$ 5,70 no auge da crise.
Também cresceram as pressões inflacionárias, e as instituições financeiras começaram a rever suas projeções para Selic, dólar e IPCA, neste ano e no próximo, estimando crescimento econômico menor. O Itaú chegou a prever recessão para o ano que vem.
Tudo isso contribuiu para pressionar ainda mais o Banco Central, cujo Comitê de Política Monetária (Copom) se reuniu na última quarta-feira (27) para decidir os rumos da Selic.
O mercado já esperava uma alta - afinal, na última reunião, o Copom já havia acenado com um ajuste de mais um ponto percentual no encontro de outubro.
Porém, com o furo no teto, as apostas começaram a se dividir. Parte do mercado passou a esperar um ajuste de 1,25, e a maior parte migrou para uma aposta de 1,5 ponto. Os investidores entenderam que era necessário ser mais duro com a inflação após a deterioração fiscal.
No fim das contas, o BC fez o que o mercado esperava, mas não foi o suficiente para ancorar as expectativas e trazer alívio aos investidores.
O Copom elevou a Selic em 1,5 ponto percentual, a 7,75% ao ano, e acenou com uma nova alta de mesma magnitude na última reunião do ano, em dezembro. Mas seu comunicado foi considerado errático, com pouca firmeza em relação à alta nos preços, o que só contribuiu para os juros subirem ainda mais, tanto no curto quanto no longo prazo.
Além disso, notícias de que o governo poderia estender o pagamento do auxílio emergencial, caso o drible no teto de gastos incluído na PEC dos precatórios não seja aprovado no Congresso, trouxeram ainda mais tensão ao mercado de juros e ao câmbio.
Os juros ficaram loucos
A disparada nos juros futuros no mês derrubou os preços dos títulos prefixados e atrelados à inflação, ao mesmo tempo em que levaram suas taxas lá para cima. O mês terminou com os títulos pré pagando mais de 12% ao ano, e as NTN-B remunerando quase 6% ao ano + IPCA. Quem comprou esses tipos de títulos no início do ano, quando as taxas estavam mais baixas, já amarga desvalorizações de até 30% no ano.
Além disso, a curva de juros ficou achatada, com títulos longos pagando menos ou a mesma coisa que títulos mais curtos, um sinal de mercado disfuncional e com expectativas desancoradas.
Juros mais altos e maior risco-país se refletem também em quedas de preços nos mercados imobiliário e de ações. Com isso, tivemos mais um mês de perdas para o Ibovespa, principal índice de ações da B3, e para o IFIX, o índice dos fundos imobiliários.
A queda do Ibovespa também recebeu uma mãozinha da desvalorização das ações da Petrobras, que teve sua política de preços novamente criticada por Bolsonaro e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira.
Até o presidente da própria estatal, Joaquim da Silva e Luna, falou que a companhia não busca apenas "o lucro pelo lucro", o que foi interpretado de forma negativa pelo mercado.
O temor é de que o governo acabe por interferir na política de preços da estatal em um momento de alta nos preços dos combustíveis, uma espada que parece nunca sair da cabeça da petroleira.
Apenas 12 ações do Ibovespa tiveram desempenho positivo no mês, boa parte delas por conta de bons resultados no balanço do terceiro trimestre (da própria companhia ou do seu setor) e do anúncio de pagamento de dividendos.
Já entre os piores desempenhos ficaram as ações que sofrem com a alta dos juros (como varejistas, incorporadoras e empresas consideradas techs) ou do dólar (como companhias aéreas e agências de viagem).
Veja a seguir as ações com as maiores altas e maiores quedas do Ibovespa em outubro:
Melhores ações de outubro
Ação | Código | Desempenho no mês |
BB Seguridade | BBSE3 | 11,23% |
Ambev | ABEV3 | 10,85% |
Vivo | VIVT3 | 6,69% |
EDP Brasil | ENBR3 | 6,48% |
JBS | JBSS3 | 5,48% |
Engie | EGIE3 | 3,20% |
Marfrig | MRFG3 | 3,12% |
Taesa | TAEE11 | 2,43% |
SulAmérica | SULA11 | 2,08% |
Metalúrgica Gerdau | GOAU4 | 0,89% |
Piores ações de outubro
Ação | Código | Desempenho no mês |
Méliuz | CASH3 | -45,09% |
Azul | AZUL4 | -31,97% |
Alpargatas | ALPA4 | -27,08% |
Gol | GOLL4 | -26,36% |
CVC | CVCB3 | -25,70% |
Magazine Luiza | MGLU3 | -24,55% |
Banco Inter units | BIDI11 | -23,86% |
Banco Inter PN | BIDI4 | -22,77% |
Grupo Soma | SOMA3 | -22,06% |
Cyrela | CYRE3 | -21,78% |
No quentinho da renda fixa conservadora
Mas agora vamos falar de coisa boa. Com a Selic em 7,75% ao ano e as projeções atuais do IPCA para os próximos 12 meses, as aplicações de renda fixa conservadora finalmente voltaram a ganhar da inflação. Até a caderneta de poupança voltou a ser capaz de preservar o poder de compra.
A alta na taxa básica de juros incrementou o retorno do Tesouro Selic e de todas as aplicações pós-fixadas indexadas ao CDI, como a maioria dos CDBs, LCIs e LCAs disponíveis no mercado.
Com a expectativa de que a Selic e o CDI sigam em alta, esses investimentos voltaram a ter atratividade, e podem, dentro de um ano ou mais, pagar o equivalente a pelo menos 1% ao mês para o investidor.
Passando para o pódio da tabela, o dólar e o ouro tiveram valorizações tanto no nível global quanto no local. Não foi só o real que se desvalorizou em relação ao dólar com o risco fiscal aumentado; a moeda americana também se valorizou ante divisas globais, com a perspectiva de retirada dos estímulos monetários pelo Federal Reserve, uma vez que a inflação americana se encontra pressionada.
Este, aliás, foi um dos motivos para a alta do ouro em dólar no mês de outubro. O metal precioso também foi usado como um refúgio por investidores preocupados com a recuperação desigual da economia global pós-pandemia. Alguns países de economia importante ainda estão atrasados na vacinação, a Europa parece estar entrando em uma quarta onda e novas variantes continuam surgindo e preocupando especialistas em saúde.
Recorde do bitcoin
Já o bitcoin bateu, neste mês, seu recorde histórico, ao subir até a faixa dos US$ 66 mil. Posteriormente, foi vista uma forte correção, o que levou a criptomoeda a terminar o mês na faixa dos US$ 62 mil, o equivalente a pouco menos de R$ 351 mil.
A alta do bitcoin já era esperada, dado que outubro é um mês em que o ativo costuma se valorizar, historicamente. Mas a chegada dos primeiros ETF de criptomoedas ao mercado americano contribuiu para a animação dos investidores.
Importante notar também que os temores em relação ao processo inflacionário pelo qual o mundo está passando são um pano de fundo relevante para a valorização dos criptoativos, vistos como uma forma de se proteger da alta dos preços.
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