Expectativas e julgamentos: o que esperar do próximo ciclo de altas, segundo o ‘guru’ de Warren Buffett

Da tarde de ontem até o momento em que os dedos encontram o sistema QWERT para a escrita deste Day One, estive dividido entre elogios e críticas à conversa desta segunda com Howard Marks.
Felizmente, os comentários positivos vieram de quem conseguiu assistir ao papo, encontrando um material de muita qualidade — graças a ele, claro. Os críticos se concentraram na impossibilidade de acompanhar o encontro, muito por conta do horário de trabalho.
Eu os entendo e respeito todos. Confesso até algum nível de satisfação por ver as pessoas reclamando por isso. De algum modo, reflete o interesse não correspondido de participar da conversa e evoluir como investidor. Para alguém preocupado com educação financeira e melhoria dos investimentos das pessoas físicas, é como fazer um gol.
O problema é que, se nossas agendas são complicadas (eu tenho certeza de que a sua é), imagino que a disponibilidade temporal de Howard Marks também não seja assim uma molezinha. Para esse tipo de conversa, o entrevistado marca o horário e eu me adapto. Se a possibilidade for 13h30 de uma segunda-feira, assim será.
Como recebi uma série de pedidos para disponibilizar a conversa gravada, resolvi responder de maneira consolidada por aqui. O combinado inicial foi transmitirmos ao vivo. Estamos agora aguardando a autorização da Oaktree para a divulgação da gravação. Espero que entenda.
Enquanto isso não acontece, divido alguns pontos interessantes, dignos de reflexão mais profunda. Afinal, este é o objetivo deste espaço. Para aqueles que procuram no Day One comentários mais conjunturais da abertura dos mercados no dia, recomendo nosso canal no Telegram, em que trago meu call matinal com as novidades diárias e análises pontuais.
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Se eu fosse um jornalista, possivelmente destacaria a percepção de Marks de que não há bolha hoje no mercado de ações norte-americano. Não que os valuations sejam especialmente convidativos. Mas, se considerarmos que os juros não devem subir muito e que estamos no começo de um ciclo importante de crescimento (ele considera ambas as coisas), então há espaço para otimismo — sem exageros, claro.
Na minha visão pessoal, a conversa foi reveladora porque Marks parecia mais otimista do que em seu último memorando, em que ele recomendava “avançarmos, mas com cautela”. Houve ali a manifestação da possibilidade de soltar um pouco o freio. É significativo, porque a Oaktree é assumidamente mais conservadora em seu posicionamento. Marks não parecia muito preocupado com a inflação e a escalada nos yields, lembrando-nos de que, num horizonte mais longo, o mundo ainda tende a enfrentar dificuldades para um crescimento muito vertiginoso, sobretudo por conta de elementos demográficos.
Bom, mas eu não sou um jornalista. Nada contra. Ao contrário. Admiro a classe e, por vezes, noto um desentendimento sobre a profissão. Critica-se um suposto sensacionalismo jornalístico. Mas, afinal, não é da natureza da atividade noticiar justamente o extraordinário? Fico imaginando a manchete: “Pousa a centésima aeronave no aeroporto de Congonhas no dia 20 de abril de 2021, normalmente”. Agora, se cair um avião, a coisa muda. A normalidade, no sentido do ordinário, não cabe nas manchetes. O dever está em destacar justamente o especial, o diferente, cabendo espaço notável às denúncias de desvios, que, por definição, escapam à normalidade (ou ao menos ao que deveria ser a normalidade).
Para mim, porém, duas outras coisas chamaram atenção. A primeira delas se refere a um capítulo novo na segunda edição de seu livro, de título “Expectativas razoáveis”. Como eu li a primeira edição, acabei não tendo acesso a essa expressão, que achei maravilhosa.
Isso me marcou bastante porque é comum, dada a minha própria atividade profissional, receber comunicações do tipo: “Felipe, comprei a ação ABCD na semana passada e estou perdendo 5% até aqui. O que fazer? Estou desesperado”. Ou: “Acha que esta ação sobe 100% até o final do ano?”. Ou ainda: “Em quanto tempo vai convergir para R$ X?”.
Se você não mantém expectativas razoáveis sobre o investimento, ou sobre qualquer processo, muito possivelmente vai se frustrar. As chances de dar errado são enormes.
Flutuações de 5%, 10%, 20% são absolutamente normais, muitas vezes derivam apenas de alguma ocorrência aleatória, sem que nada tenha mudado na realidade da empresa. Aquele gestor carioca especialista em small caps está se divorciando da mulher. Vai precisar arcar com um resgate enorme nas suas cotas. Pronto! Aquela pressão vendedora particular detonou a respectiva ação, sem que nada tivesse mudado na realidade da respectiva companhia. Warren Buffett costuma dizer que, se você não está preparado para ver sua ação caindo 50%, você não deve comprá-la. Há um problema enorme com a renda variável: ela varia. Aliás, até a renda fixa varia. Ah, seu imóvel também — você só não está vendo.
Questões temporais escapam à competência dos investidores. Segundo Aswath Damodaran, o ato de investir é comprar algo por menos do que vale. Perceba que não há nenhuma referência de tempo. Você estima um valor intrínseco para determinado ativo e o compara com seu preço corrente. Se a cotação atual for muito inferior à estimada, você compra, esperando uma convergência entre as coisas. Quanto tempo vai demorar? Ninguém sabe. O tempo suficiente para o mercado concordar com você em sua estimativa de valor intrínseco. Não é uma cronologia mensurável ex-ante.
Por fim, ainda que os juros estejam subindo e tenhamos uma recuperação pontual mais forte, ainda convivemos com um mundo de baixo retorno, baixo crescimento e baixa inflação. Esperar rentabilidades consistentes (sem a assunção de riscos desmedidos) de 30%, 40%, 100% é como pedir para viver num mundo que não existe. A realidade não vai se adaptar às nossas próprias motivações e necessidades. O Sol continuará nascendo no leste e indo dormir no oeste, ainda que desejemos o contrário. Se o mundo é de baixos retornos, devemos nos adaptar a baixos retornos. Apenas é o que é, desculpa.
Outro expoente da conversa com Howard Marks foi quanto ele enfatiza a necessidade de o bom investidor ter uma capacidade diferenciada de julgamento. Se não há mais tanta vantagem informacional, pois todo mundo sabe de tudo, o diferencial só pode vir da capacidade analítica qualitativa. Isso é muito interessante, porque não encontraremos nas planilhas e no terminal Bloomberg uma vantagem sobre a média do mercado, mas, sim, numa sensibilidade pessoal. Se for um privilegiado, você pode nascer com isso. É raro, mas existem gênios nascidos assim. Mozart, Beethoven, Da Vinci — eles viveram. Mas sejamos sinceros: são poucos, contamos nos dedos. Sensibilidade, capacidade de julgamento, intuição são coisas que desenvolvemos na prática.
O investimento é uma mistura de ciência e arte. Os bons retornos vêm de ativos sobre os quais paira uma nuvem e, em algum momento, ela é dissipada. O bom analista é aquele capaz de discernir entre um nevoeiro passageiro e uma grande tempestade iminente.
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