Um investidor conservador sabe que uma boa ação tem seus defeitos

“Sou reacionário. Minha reação é contra tudo que não presta.”
Se o sábado é uma ilusão, a segunda-feira deve ser a mais dura e fria realidade. Começamos a semana com Nelson Rodrigues.
O conservador é um cético na capacidade de grandes revoluções oferecerem um futuro não testado que seja superior ao que sobreviveu ao teste do tempo. Se as instituições, sejam elas formais ou informais, estão aí há muitos anos, deve haver algum valor nelas. O reacionário é mais do que isso. Ele quer retomar condições pregressas já superadas.
Eu presto atenção ao que eles dizem, mas eles não dizem nada. Todos preconizam a vitória prospectiva do value investing sobre o growth num mundo de mais inflação e mais juro, depois de anos de estagnação secular e protagonismo dos cases de crescimento. Mas o que seria esse value investing? Alguém já o viu por aí, indo com a família ao Jardim Zoológico dar pipoca aos macacos?
Voltando a Nelson Rodrigues, como “a televisão matou a janela”, o YouTube matou o Investidor Inteligente e o Security Analysis. Embora haja uma defesa retórica abrangente sobre o value investing clássico, ao olhar certas cotações em Bolsa, sinto que falam-se coisas sem a menor vergonha na cara, desapegadas da realidade objetiva.
O problema é que eu, assim como Nelson, só acredito nas pessoas que ainda se ruborizam. E elas parecem minoria. A era do Instagram é também a falência da moral e da coragem. Infectados pelo vírus de preconceitos modernos, alguns abandonaram a cartilha clássica.
Leia Também
Rodolfo Amstalden: Escute as feras
Felipe Miranda: Do excepcionalismo ao repúdio
Em relatório recente, a QQR resumiu em cinco tópicos sua prescrição top-down para o momento, sendo o primeiro deles uma espécie de obrigatoriedade: buy cash flows; ou seja, compre fluxos de caixa no presente.
O que me vem imediatamente à cabeça? Vale é o primeiro nome, oferecendo um fluxo de caixa livre ao acionista superior a 20% neste ano. Negociando a pouco mais de 3 vezes EV/Ebitda e sem dívida, isso é uma aberração de fluxo de caixa para o acionista. Já é uma paixão antiga. Uma namorada arisca que nos entrega bons lucros acumulados. Oferece um susto ou outro, como no final da semana passada, a partir da forte correção do minério de ferro na China em dois dias. Mas, melhor assim: “Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível”.
E como sabemos que “perfeição é coisa de menininha tocadora de piano”, tenho me atraído também por Petrobras. De maneira pragmática, as preocupações recentes (todas elas pertinentes) vão sendo superadas, uma a uma. E, então, muito desconto frente a uma cesta global de petrolíferas e uma monstruosidade de 25% de fluxo de caixa livre para o acionista em 2021.
Uma boa ação não é aquela que não tem defeitos. Essa já está precificada à perfeição. Então, seu risco é enorme, porque a realidade objetiva vai nos mostrar, cedo ou tarde, a ilusão. O risco onde não há risco é enorme, porque seu preço é caro. Quero olhar justamente para os defeitos baratos, os mais baratos. “O ser humano é cego para os próprios defeitos. Jamais o vilão do cinema mudo proclamou-se vilão. Nem o idiota se diz idiota.”
Sejamos sinceros: o consenso atual consegue enxergar valor e mérito em empresas com muitos fluxos de caixa no presente e receitas em dólar, produtoras de commodities e exportadoras. Mas e os nossos próprios defeitos, os domésticos largados em Bolsa? Somos capazes de enxergar?
Há uma cartilha bem tradicional, talvez até um pouco clichê, do velho e bom Benjamin Graham: procure por empresas abaixo de 7 vezes lucros, abaixo de 1,2 vez na relação Preço/Valor Patrimonial e, se possível, pagadoras de dividendos. Pode parecer ultrapassado, mas, por incrível que pareça, existem coisas assim por aí.
Sanepar pode ser complicada e, literalmente, exigir a dança da chuva, mas atende aos critérios.
Direcional cometeu o grave pecado de ser uma incorporadora — e isso parece realmente imperdoável, como uma traição imperdoável aos supostos sábios (na verdade, preconceituosos) do value investing. “Tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhoras que traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém.” De fato, parece que o sucesso de Direcional a poucos interessa. Isso está a 6 vezes lucros 2022, abaixo do NAV e pagando 13% de yield em sete meses.
Se isso não é value investing, então o que é?
Como uma pequena condolência ao comedimento e à moderação de Bruno Covas, raros em épocas de polarização, encerro da mesma forma que comecei, recorrendo a Nelson Rodrigues: “Como são parecidos os radicais da esquerda e da direita. Dirá alguém que as intenções são dessemelhantes. Não. Mil vezes não. Um canalha é exatamente igual a outro canalha.”
Rodolfo Amstalden: As expectativas de conflação estão desancoradas
A principal dificuldade epistemológica de se tentar adiantar os próximos passos do mercado financeiro não se limita à já (quase impossível) tarefa de adivinhar o que está por vir
Felipe Miranda: Vale a pena investir em ações no Brasil?
Dado que a renda variável carrega, ao menos a princípio, mais risco do que a renda fixa, para se justificar o investimento em ações, elas precisariam pagar mais nessa comparação
Rodolfo Amstalden: Para um período de transição, até que está durando bastante
Ainda que a maior parte de Wall Street continue sendo pró Trump, há um problema de ordem semântica no “período de transição”: seu falsacionismo não é nada trivial
Tony Volpon: As três surpresas de Donald Trump
Quem estudou seu primeiro governo ou analisou seu discurso de campanha não foi muito eficiente em prever o que ele faria no cargo, em pelo menos três dimensões relevantes
Dinheiro é assunto de mulher? A independência feminina depende disso
O primeiro passo para investir com inteligência é justamente buscar informação. Nesse sentido, é essencial quebrar paradigmas sociais e colocar na cabeça de mulheres de todas as idades, casadas, solteiras, viúvas ou divorciadas, que dinheiro é assunto delas.
Rodolfo Amstalden: Na esperança de marcar o 2º gol antes do 1º
Se você abre os jornais, encontra manchetes diárias sobre os ataques de Donald Trump contra a China e contra a Europa, seja por meio de tarifas ou de afrontas a acordos prévios de cooperação
Rodolfo Amstalden: Um Brasil na mira de Trump
Temos razões para crer que o Governo brasileiro está prestes a receber um recado mais contundente de Donald Trump
Rodolfo Amstalden: Eu gostaria de arriscar um palpite irresponsável
Vai demorar para termos certeza de que o último período de mazelas foi superado; quando soubermos, porém, não restará mais tanto dinheiro bom na mesa
Rodolfo Amstalden: Tenha muito do óbvio, e um pouco do não óbvio
Em um histórico dos últimos cinco anos, estamos simplesmente no patamar mais barato da relação entre preço e valor patrimonial para fundos imobiliários com mandatos de FoFs e Multiestratégias
Felipe Miranda: Isso não é 2015, nem 1808
A economia brasileira cresce acima de seu potencial. Se a procura por camisetas sobe e a oferta não acompanha, o preço das camisetas se eleva ou passamos a importar mais. Não há milagre da multiplicação das camisetas.
Tony Volpon: O paradoxo DeepSeek
Se uma relativamente pequena empresa chinesa pode desafiar as grandes empresas do setor, isso será muito bom para todos – mesmo se isso acabar impactando negativamente a precificação das atuais gigantes do setor
Rodolfo Amstalden: IPCA 2025 — tem gosto de catch up ou de ketchup mais caro?
Se Lula estivesse universalmente preocupado com os gastos fiscais e o descontrole do IPCA desde o início do seu mandato, provavelmente não teria que gastar tanta energia agora com essas crises particulares
Rodolfo Amstalden: Um ano mais fácil (de analisar) à frente
Não restam esperanças domésticas para 2025 – e é justamente essa ausência que o torna um ano bem mais fácil de analisar
Rodolfo Amstalden: Às vésperas da dominância fiscal
Até mesmo os principais especialistas em macro brasileira são incapazes de chegar a um consenso sobre se estamos ou não em dominância fiscal, embora praticamente todos concordem que a política monetária perdeu eficácia, na margem
Rodolfo Amstalden: Precisamos sobre viver o “modo sobrevivência”
Não me parece que o modo sobrevivência seja a melhor postura a se adotar agora, já que ela pode assumir contornos excessivamente conservadores
Rodolfo Amstalden: Banda fiscal no centro do palco é sinal de que o show começou
Sequestrada pela política fiscal, nossa política monetária desenvolveu laços emocionais profundos com seus captores, e acabou por assimilar e reproduzir alguns de seus traços mais viciosos
Felipe Miranda: O Brasil (ainda não) voltou — mas isso vai acontecer
Depois de anos alijados do interesse da comunidade internacional, voltamos a ser destaque na imprensa especializada. Para o lado negativo, claro
Felipe Miranda: Não estamos no México, nem no Dilma 2
Embora algumas analogias de fato possam ser feitas, sobretudo porque a direção guarda alguma semelhança, a comparação parece bastante imprecisa
Rodolfo Amstalden: Brasil com grau de investimento: falta apenas um passo, mas não qualquer passo
A Moody’s deixa bem claro qual é o passo que precisamos satisfazer para o Brasil retomar o grau de investimento: responsabilidade fiscal
Tony Volpon: O improvável milagre do pouso suave americano
Powell vendeu ao mercado um belo sonho de um pouso suave perfeito. Temos que estar cientes que é isso que os mercados hoje precificam, sem muito espaço para errar.