Felipe Miranda: a única certeza no momento é que não se pode ter certeza de nada
“O fundo não está posicionado para esse cenário de ‘volta ao passado’. Não temos convicção de que isso vai acontecer, embora nossas dúvidas sejam crescentes. Mas essa transição, ou incerteza entre os dois modelos, tem tornado o processo de gestão muito mais complexo.”
Assim termina a última carta do fundo Verde. O mito Luis Stuhlberger está assumidamente em dúvida. Ele vem a público dizer que há muita incerteza no horizonte e que o processo de gestão está difícil.
As incertezas são de toda a sorte.
Poder-se-ia argumentar que a variante delta vai atrasar a reabertura total das economias, impactando negativamente as estimativas para o PIB global e atrasando a retirada dos estímulos fiscais e monetários. Mas também poderíamos dizer que o Relatório de Emprego norte-americano divulgado na sexta-feira atesta o vigor da recuperação e isso é particularmente importante às vésperas do simpósio de Jackson Hole, onde tradicionalmente ocorrem sinalizações prospectivas para o futuro da política monetária norte-americana. Lembrando 2013, o “taper tantrum” seria iminente, com as consequências clássicas (e negativas) para os preços dos ativos de risco.
Para uns, as ações de commodities estariam muito baratas, em especial quando ponderamos o prognóstico de abertura das economias. Outros consideram um “value trap”, uma armadilha de valor, dado que os múltiplos baixos apenas esconderiam um fim de ciclo — conforme as cadeias produtivas se estabilizem, os preços das matérias-primas cairão, e os múltiplos voltarão a ficar altos. O barato ficando caro rapidamente — e não é pela alta do preço da ação.
Segundo os otimistas, apesar dos problemas brasileiros, o país avança. Há muito barulho, mas, em termos práticos, fizemos a reforma da Previdência, a privatização da Eletrobras, a dos Correios estaria a caminho e poderíamos ainda ter algum tipo de reforma tributária e administrativa. O teto de gastos continua lá e temos sido positivamente surpreendidos pelos dados de arrecadação. Não precisaríamos ficar tão preocupados com a eleição. Bolsonaro é a continuidade e, portanto, não impõe tanto medo. Além disso, uma postura muito populista agora poderia fazer disparar o câmbio, a inflação e os juros, jogando-nos numa recessão às vésperas da eleição. Como políticos são racionais e querem se reeleger, esse caminho seria evitado. Lula, por sua vez, sabendo da necessidade de atrair o centro, adotaria uma postura mais moderada e, em nova demonstração macunaímica e amoral, reconstruiria as pontes com o empresariado, a Faria Lima e o Leblon. Ele mesmo encamparia a pauta da terceira via.
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Enquanto isso, os pessimistas percebem uma aglomeração física e virtual de “fura-tetos”. O posto Ipiranga, que já decidiu 100% dos assuntos de economia, passou a 99%, depois a 60%. A perda de importância relativa de Paulo Guedes representa, ao mesmo tempo, o ganho de espaço da ala ideológica, dos militares e dos populistas. Entraríamos em 2022 com o teto de gastos, na prática, sem funcionar, sob vários remendos fora dele. Até lá, nada é aprovado e seguimos sob a espada de Dâmocles, flertando com a perda da âncora fiscal. Bolsonaro estaria cada vez menos comprometido com o ajuste fiscal. Lula viria como o salvador preocupado com os pobres, prometendo abandonar o teto de gastos, rever a privatização da Petrobras e resgatar qualquer coisa parecida com a velha “nova matriz econômica”. De volta aos fantasmas do passado, ético, morais e desenvolvimentistas. “O Fim do Brasil - A missão, parte-sei-lá-qual…”
A única certeza no momento é que não se pode ter certeza de nada. Cada lado da argumentação dialética tem seu valor. A proposição clássica do ceticismo pirrônico de Sextus Empiricus em sua manifestação concreta: o surgimento de um argumento é acompanhado da emergência de um contra-argumento de igual intensidade e dimensão.
Não é exclusividade de Luis Stuhlberger a dúvida neste momento. Coloco aqui seus apontamentos apenas como uma metonímia da representação da opinião dos melhores técnicos. Se as demais cartas dos fundos multimercados não explicitam a incerteza com que se defrontam seus gestores de maneira tão contundente, podemos capturá-la pela própria performance das cotas. Os grandes multimercados brasileiros, gente extremamente competente e com equipes grandes, inteligentes e habilidosas, entregam, no geral, pouca geração de alfa neste ano.
Os melhores profissionais estão em dúvida. Mas, quando eu caminho por aí, analógica ou digitalmente, só vejo certezas. Todo mundo, na rua e na internet, sabe o que vai acontecer. Só vejo príncipes na vida.
Todos estão investidos no melhor ativo do mundo, sem riscos e com alto potencial de valorização, “o novo foguete da Bolsa”. Investidores iniciantes querendo ensinar os gestores. “Unskilled and unaware of it.” O caminho para a destruição em Bolsa é a convicção exagerada.
Há uma completa inversão de valores.
O banco que não dá lucro e não tem carteira de crédito reescreveu a história do capitalismo brasileiro. Gurus de investimento não ganham dinheiro investindo. Dicas de empreendedorismo são dadas por quem nunca teve empresa grande.
Agora, todo mundo se preocupa com ESG, dorme 8 horas por dia, pratica esportes e tem uma alimentação saudável. Para onde eu olho, todo mundo é sua melhor versão, consegue ser 1% melhor todos os dias, tornam-se bons exemplos e moram dentro de si mesmos.
Enquanto isso, eu estou aqui tentando comprar uma janta. Eu tive uma conta universitária. Assim que pude, migrei pro private. Se, naquela época, já existisse cartão roxo, eu teria adotado um — e migraria para o preto à primeira oportunidade.
Tem alguém aí do outro lado que ainda está buscando ganhar dinheiro no mercado? Ou será que já perdemos a guerra para a hipocrisia e a demagogia? Sejamos sinceros: desde “Sunday Bloody Sunday”, ninguém aguenta mais o Bono Vox.
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