Descoberta a cura das dores nas costas: banho de petróleo
Cláudio é meu psicoterapeuta. Alguns diriam que ele era meu psicoterapeuta, dado que interrompi a prática formal há cerca de seis meses. Seria um erro. O que construímos ali permanece comigo. Cláudio é uma presença ausente, a prosopopeia da reserva interna edificada após seis anos de tratamento. Como quando nos referimos aos filósofos. Mesmo morto, Nietzsche nos diz algo, no tempo verbal presente. Se, além de recomendações financeiras, você precisar de uma indicação de psicanalista, posso indicá-lo ao senhor Waks.
Como um bom provocador, sempre que percebia uma voz mais nasal, tosse, nariz escorrendo e um olhar caído, o que não acontecia muito — só às terças e quintas — gostava de perguntar: “O que foi agora, hein, meu?”. Eu, mais literal do que normalmente o divã gostaria de permitir, alternava entre um dos três: faringite, sinusite ou gripe — isso era antes da Covid-19, que, por respeito à tradição hipocondríaca, também peguei.
“Não, imbecil. Não sou otorrino. Quero saber o que originou sua doença física. Qual fator psíquico que está desencadeando essa somatização? Os bichinhos estão sempre aí. Por que seu inconsciente permitiu-os entrar justamente agora?”
Nem sempre pude encontrar relação direta entre o psiquismo e os sinus inflamados, mas em todas as vezes foi, no mínimo, um exercício útil de reflexão. Entendo que a alma — aqui no sentido do daimon de James Hillman — fala através do corpo.
Eu já contei aqui esta história. Sei que você pode perdoar esta repetição. No artigo já clássico “How George Soros Knows What He Knows”, Flavia Cymbalista cita algumas palavras de Robert Soros, filho do famoso. No original, é assim:
“My father will sit down and give you theories to explain why he does this or that. But I remember seeing it as a kid and thinking, Jesus Christ, at least half of this is bullshit. I mean, you know the reason he changes his position on the market or whatever is because his back starts killing him. It has nothing to do with reason. He literally goes into a spasm, and it's this early warning sign.”
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Na minha tradução meio porca: “Meu pai vai sentar aí e contar teorias pra você de modo a explicar porque ele faz isso ou aquilo. Mas eu me lembro de vê-lo quando criança e pensar, Jesus Cristo, ao menos metade disso é bobagem. Digo, você sabe que a real razão para mudanças de suas posições no mercado ou qualquer coisa parecida é porque suas costas começam a matá-lo de dor. Não tem nada a ver com a razão. Ele literalmente começa a ter espasmos, e isso é um sinal antecedente de alerta.”
Não há nada de sobrenatural em George Soros — ainda que seu histórico junto a Druckenmiller possa parecer meio surreal. A somatização das dores nas costas é a manifestação concreta de um processo intuitivo, que se materializa denotando a insatisfação física com alguma de suas posições. Intuição não é bruxaria, nem deve ser confundida com opinião sem embasamento ou comentários desprovidos de fundamento. “O cheiro é que vai cair…” Não é por aí.
Intuição requer profundidade, conhecimento e anos de estrada, porque significa capacidade de reconhecimento de padrões, muitas vezes de maneira não suficientemente estruturada a ponto de ser formulada com uma equação ou um racional lógico-dedutivo.
Malcolm Gladwell fala muito do processo no livro “Blink”, em como pessoas verdadeiramente treinadas podem ter conclusões precisas sem serem capazes de explicar racionalmente porque tomaram a respectiva decisão. Bombeiros são capazes de gritar para sair de uma casa em chamas segundos antes de elas desabarem. Por que o grito? Difícil justificar. Há algo na temperatura, na fumaça, na textura… que algo é esse? Faltam palavras. Críticos de arte podem discernir entre uma obra falsa e outra verdadeira também sem necessariamente conseguir explicar a razão de seu saber. Reitero: esse tipo de habilidade só seria adquirido depois de muito tempo de treino, anos de estrada. No excelente “Outliers”, Gladwell fala em suas famigeradas 10 mil horas.
Até mesmo o supostamente mais cartesiano Warren Buffett já afirmou que nada supera uma conversa olho no olho com o controlador antes de comprar uma empresa.
Para mim, intuição se liga fortemente ao conhecimento tácito do polímata Karl Polanyi, aquele conhecimento que você tem, mas que não sabe explicar direito. Ele é intransmissível e talvez até por isso mais rico, porque é justamente o que pode diferenciá-lo dos demais. Se você não o transmite, ele é só seu. Você pode ler todos os livros sobre Warren Buffett, inclusive os autobiográficos. Nunca seremos o Warren Buffett, porque somente a pessoa pode ser ela mesma.
Confesso caminhar nas últimas semanas com dor nas costas.
Explico.
Tenho defendido uma carteira de ações ideal para o momento sustentada em três pilares.
O primeiro seria um braço ligado à Nova Economia. Tecnologia, e-commerce, financial deepening. Bom, isso deveria prescindir de explicações. A Nova Economia está superando a velha. É bem mais fácil estar com a tendência do que nadar contra a corrente. Há um trend secular em favor desses nomes, que inclusive foi acelerado na pandemia. É esse pessoal que está crescendo. Queremos crescer junto com eles. Além disso, com a correção recente catalisada pela alta dos yields norte-americanos, muitas ações desse segmento acabaram penalizadas excessivamente, afetadas por um movimento sem qualquer diferenciação. No pânico, ninguém separa o joio do trigo. A diferenciação vem no pós-pânico.
O segundo representaria uma espécie de contraponto ao primeiro. Com a pandemia, alguns setores foram dizimados em Bolsa. Parece que não haverá mais shopping centers no Brasil, que as compras físicas acabaram para sempre, que as universidades já eram. Há uma tendência natural em expandir situações de curto prazo para a frente, como se elas fossem durar eternamente. Não vão. Podemos olhar para os EUA e ver o que aconteceu com as ações do que eu chamo de “kit aglomeração”. Elas voaram conforme a pandemia arrefeceu a partir da vacinação. Mais lento ou mais rápido, vai acontecer no Brasil também e precisamos capturar. São altas de três dígitos em curto intervalo de tempo. Há que se ter consumo físico, shoppings, educacionais (pouco), varejo de moda, incorporadoras, e por aí vai.
Por fim, precisamos ter commodities também, porque há ações bem baratas no setor e vivemos um ciclo importante das matérias-primas com a retomada da economia mundial. Nem acho que seja um superciclo. Mas há uma rotação setorial em direção às commodities.
Ocorre que, olhando para minha carteira recomendada de ações, tínhamos pouco percentual alocado em commodity. Carregamos Vale como uma de nossas principais posições, mas era basicamente isso desde que vendemos Suzano. Precisávamos balancear isso melhor. Estou feliz de que encontramos esse nome, dentro do setor petróleo. Além do racional top-down, há ali um management competente, valuation atrativo e balanço capaz de permitir ciclo de crescimento à frente.
Detalhamos o case no relatório Palavra do Estrategista de hoje, com sua inserção na carteira Oportunidades de Uma Vida. O portfólio sobe 6,06% em 2021, contra uma queda de 1,28% do Ibovespa. Desde sua criação ao final de 2015, a alta acumulada é de 476,60%, frente a uma valorização de 148,07% do índice. Depois de anos de performance muito positiva e destacadamente acima do Ibovespa, essa carteira não teve um bom 2020. Isso é responsabilidade integralmente minha e eu a assumo aqui. Sofro e comemoro junto, descendo às trincheiras a cada batalha.
Acima da satisfação e do alívio pessoal em ver o portfólio retomando sua trajetória histórica positiva, há algo muito maior aqui: a felicidade em olhar para a carteira e não sentir dor nas costas, identificar uma combinação risco-retorno muito favorável. Estou animado como há muito não me via. O passado não se muda. Mas o futuro está sendo construído agora.
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