Como Napoleão perdeu a guerra

“Do sublime ao ridículo é só um passo.” Dizem que a frase é de Napoleão. Bom, segundo a internet, ele disse tanta coisa que talvez essa daí não seja mesmo dele.
Não importa tanto, tampouco devemos nos preocupar com essa transposição súbita entre a glória e a dor. Não há o que temer. “Somos todos um grande escândalo”, como resumiu James Hillman (essa é dele mesmo!). O ridículo é parte de nosso valor intrínseco. Desvantagens competitivas do homem. Ou seriam vantagens? Sei lá…
A parte interessante dessa história, por vezes negligenciada talvez por conta do fim trágico do conhecido imperador, é que a volta também vale. Podemos ir rapidamente do ridículo ao sublime.
Os cisnes negros são sujeitos de mente aberta, não discriminam entre o negativo e o positivo. É quase uma lei física — afinal, para um evento aleatório não pode haver um único padrão; se houvesse padrão, não seria randômico.
E nada como a lembrança de Schopenhauer para nos lembrar da via de mão dupla dessa dinâmica: “Toda verdade passa por três estágios. No primeiro, ela é ridicularizada. No segundo, é rejeitada com violência. No terceiro, é aceita como evidente por si própria.” A verdade ridicularizada vira sublime pouco tempo depois.
Como já dito aqui, o mercado está muito temático. Até a semana passada, só se falava em reflation trade. Com o pacote de estímulos fiscais vigoroso recém-aprovado nos EUA, a demanda reprimida da pandemia e a aceleração da vacinação, veríamos um superaquecimento da economia norte-americana. Os juros de mercado subiriam rapidamente, com o yield dos Treasuries de dez anos batendo 2%. Era para comprar commodity e banco. Nada mais andava.
Leia Também
Rodolfo Amstalden: Escute as feras
Felipe Miranda: Do excepcionalismo ao repúdio
Então, a China, ao mesmo retoricamente, voltou a se preocupar com a poluição em Tangshan; a Nova Zelândia resolveu barrar a especulação imobiliária; Jerome Powell escreveu um editorial manso no WSJ; a vacina da AstraZeneca não se mostrou efetiva contra a nova cepa da África do Sul; e a Europa passou a enfrentar uma nova onda (seria a terceira? Receio ter perdido a conta, desculpe) de Covid-19, com medidas adicionais de isolamento social e lockdown pesado na Alemanha na Páscoa. E lá vai o barril de petróleo abaixo de US$ 60… Back to tech! Vejo só os contratos futuros da Nasdaq em alta contra uma proliferação da tonalidade vermelho-sangue para os demais índices nesta manhã, dando basicamente continuidade ao movimento de ontem, de liderança das ações de tecnologia e alto crescimento.
Como transitar por um mercado tão ciclotímico, que alterna euforia e depressão entre setores do dia para a noite?
Gestores espertos trouxeram solução interessante: montemos um Barbell Strategy, uma estratégia com dois polos muito bem definidos, pesada em dois extremos. De um lado, as melhores ações de commodities — Vale e Suzano aparecem bem representadas. Do outro, vamos de tech (ou, ao menos, coisas percebidas como tech e de alto crescimento) — a moda sugere Magalu, B3, BTG Pactual, com uma pitadinha de uma cesta composta por coisas tipo Sequoia, Méliuz, Enjoei, Neogrid, Mosaico; alguns arriscam adicionar XP e Stone.
Acho interessante, confesso. De um lado, a velha economia. Do outro, a nova. Difícil errar, porque estamos com um pé em cada tempo. Mas, me pergunto: onde estão os cíclicos domésticos? Por que ninguém fala deles? Suspeito terem decretado sua morte de maneira um pouco precipitada.
Talvez não seja tanto para agora. O timing é sempre capcioso. As próximas semanas de abril devem ser duríssimas na frente da pandemia. Contudo, a partir de maio as coisas podem melhorar de forma vertiginosa. E tudo que sobe de maneira exponencial, cai da mesma maneira. Com a vacinação penetrando densamente a população acima de 60 anos, hospitalizações e óbitos devem cair bem. Assim, as coisas melhorariam.
No mercado, as reações não acontecem de maneira bem comportada, lineares, bonitinhas. Vale pra cima e pra baixo. O GIC resolve fritar sua posição de Brasil e muita coisa cai 25% em duas semanas. A Capital vende B3 e a ação desaba por dias. Do dia pra noite, evapora 20% do valor de mercado da companhia. Do outro lado, não precisamos ir tão longe. Recupere a performance de alguns shoppings e educacionais no mês de novembro. Teve coisa subindo 60% em três semanas.
Por favor, não me entenda mal. Não estou dizendo que vai subir amanhã. Ninguém sabe exatamente quando vai começar a subir. Mas o mercado antecipa as coisas e, então, temos a manifestação concreta da prescrição de Hemingway: “gradually, then suddenly”. As coisas demoram a acontecer, até que acontecem depressa.
Chegamos àquela situação em que a única coisa que nos cabe sob a ótica do value investing clássico é esperar. Arbitrar temporalmente a perspectiva de que uma situação de curto prazo vai durar para sempre, quando sabemos que não é assim. Como muito bem lembrou José Galló na gravação do RadioCash desta semana (recomendação cultural e de investimentos: não perca este episódio, que vai ao ar hoje!), veja o que está acontecendo em Miami. As pessoas estão loucas para ir para uma loja, consumir, viajar, se reunir, ir para bares e restaurantes. Está tudo lotado por lá.
Sinto-me como se houvesse um elefante voando na nossa frente e estivéssemos enterrando nossas cabeças em filigranas contratuais, perdendo uma grande oportunidade.
Relatório de ontem do Credit Suisse me pareceu preciso em identificar uma oportunidade com os shoppings brasileiros. Na média, os shoppings europeus e norte-americanos sobem 85% desde que a reabertura da economia começou em novembro, superando os benchmarks em cerca de 50%. No mesmo período, os shoppings brasileiros perdem cerca de 15% versus o Ibovespa — é a maior discrepância negativa para o índice em dez anos. Pela primeira vez em três anos, os shoppings brasileiros negociam com desconto frente àqueles dos países desenvolvidos.
Há incorporadoras negociando abaixo de 5 vezes lucros projetados para 2022 (caso de Mitre) e outras que vão pagar 10% de dividendo talvez já neste ano (caso de Direcional). Pão de Açúcar vale menos do que a participação em Cnova e em Êxito.
No pânico, aberrações acontecem. Quando elas se revertem, sobe 30-40% em um mês. Não dá tempo de comprar. O negócio rasga na sua cabeça antes de você sequer pensar em entrar.
No buy and hold, às vezes o mais difícil é saber esperar. É ali que você ganha dinheiro. Voltando a Napoleão, há uma corrente entre os historiadores defensora de que sua derrota na fatídica Batalha de Waterloo se deu pela hesitação em atacar. Quando estiver claro que a pandemia está sendo domada internamente, talvez seja tarde demais para sair da posição defensiva. Parece-me mais razoável sofrer por um mês de volatilidade do que perder uma oportunidade de 50% de lucro.
Rodolfo Amstalden: As expectativas de conflação estão desancoradas
A principal dificuldade epistemológica de se tentar adiantar os próximos passos do mercado financeiro não se limita à já (quase impossível) tarefa de adivinhar o que está por vir
Felipe Miranda: Vale a pena investir em ações no Brasil?
Dado que a renda variável carrega, ao menos a princípio, mais risco do que a renda fixa, para se justificar o investimento em ações, elas precisariam pagar mais nessa comparação
Rodolfo Amstalden: Para um período de transição, até que está durando bastante
Ainda que a maior parte de Wall Street continue sendo pró Trump, há um problema de ordem semântica no “período de transição”: seu falsacionismo não é nada trivial
Tony Volpon: As três surpresas de Donald Trump
Quem estudou seu primeiro governo ou analisou seu discurso de campanha não foi muito eficiente em prever o que ele faria no cargo, em pelo menos três dimensões relevantes
Dinheiro é assunto de mulher? A independência feminina depende disso
O primeiro passo para investir com inteligência é justamente buscar informação. Nesse sentido, é essencial quebrar paradigmas sociais e colocar na cabeça de mulheres de todas as idades, casadas, solteiras, viúvas ou divorciadas, que dinheiro é assunto delas.
Rodolfo Amstalden: Na esperança de marcar o 2º gol antes do 1º
Se você abre os jornais, encontra manchetes diárias sobre os ataques de Donald Trump contra a China e contra a Europa, seja por meio de tarifas ou de afrontas a acordos prévios de cooperação
Rodolfo Amstalden: Um Brasil na mira de Trump
Temos razões para crer que o Governo brasileiro está prestes a receber um recado mais contundente de Donald Trump
Rodolfo Amstalden: Eu gostaria de arriscar um palpite irresponsável
Vai demorar para termos certeza de que o último período de mazelas foi superado; quando soubermos, porém, não restará mais tanto dinheiro bom na mesa
Rodolfo Amstalden: Tenha muito do óbvio, e um pouco do não óbvio
Em um histórico dos últimos cinco anos, estamos simplesmente no patamar mais barato da relação entre preço e valor patrimonial para fundos imobiliários com mandatos de FoFs e Multiestratégias
Felipe Miranda: Isso não é 2015, nem 1808
A economia brasileira cresce acima de seu potencial. Se a procura por camisetas sobe e a oferta não acompanha, o preço das camisetas se eleva ou passamos a importar mais. Não há milagre da multiplicação das camisetas.
Tony Volpon: O paradoxo DeepSeek
Se uma relativamente pequena empresa chinesa pode desafiar as grandes empresas do setor, isso será muito bom para todos – mesmo se isso acabar impactando negativamente a precificação das atuais gigantes do setor
Rodolfo Amstalden: IPCA 2025 — tem gosto de catch up ou de ketchup mais caro?
Se Lula estivesse universalmente preocupado com os gastos fiscais e o descontrole do IPCA desde o início do seu mandato, provavelmente não teria que gastar tanta energia agora com essas crises particulares
Rodolfo Amstalden: Um ano mais fácil (de analisar) à frente
Não restam esperanças domésticas para 2025 – e é justamente essa ausência que o torna um ano bem mais fácil de analisar
Rodolfo Amstalden: Às vésperas da dominância fiscal
Até mesmo os principais especialistas em macro brasileira são incapazes de chegar a um consenso sobre se estamos ou não em dominância fiscal, embora praticamente todos concordem que a política monetária perdeu eficácia, na margem
Rodolfo Amstalden: Precisamos sobre viver o “modo sobrevivência”
Não me parece que o modo sobrevivência seja a melhor postura a se adotar agora, já que ela pode assumir contornos excessivamente conservadores
Rodolfo Amstalden: Banda fiscal no centro do palco é sinal de que o show começou
Sequestrada pela política fiscal, nossa política monetária desenvolveu laços emocionais profundos com seus captores, e acabou por assimilar e reproduzir alguns de seus traços mais viciosos
Felipe Miranda: O Brasil (ainda não) voltou — mas isso vai acontecer
Depois de anos alijados do interesse da comunidade internacional, voltamos a ser destaque na imprensa especializada. Para o lado negativo, claro
Felipe Miranda: Não estamos no México, nem no Dilma 2
Embora algumas analogias de fato possam ser feitas, sobretudo porque a direção guarda alguma semelhança, a comparação parece bastante imprecisa
Rodolfo Amstalden: Brasil com grau de investimento: falta apenas um passo, mas não qualquer passo
A Moody’s deixa bem claro qual é o passo que precisamos satisfazer para o Brasil retomar o grau de investimento: responsabilidade fiscal
Tony Volpon: O improvável milagre do pouso suave americano
Powell vendeu ao mercado um belo sonho de um pouso suave perfeito. Temos que estar cientes que é isso que os mercados hoje precificam, sem muito espaço para errar.