🔴 QUER INVESTIR NAS MELHORES CRIPTOMOEDAS DO MOMENTO? SAIBA COMO CLICANDO AQUI

Carta a um jovem analista

5 de abril de 2021
11:14 - atualizado às 18:45
A arte de analisar uma ação
A arte de analisar uma ação - Imagem: Shutterstock

Meu jovem amigo,

Imagino que você ainda não tenha decidido qual será sua profissão. Você estaria procurando neste texto alguma indicação para descobrir se quer mesmo se tornar analista de investimentos. E estaria perguntando: será que há como saber se tenho o que é preciso para dar certo?

É uma ótima pergunta. Para ser bom analista, é útil que a gente possua alguns traços de caráter ou de personalidade que, dito aqui entre nós, dificilmente podem ser adquiridos no decorrer da formação: melhor mesmo que eles estejam com você desde o começo.

A esta altura, talvez você já tenha percebido: eu me correspondo com esta newsletter usando como referência o livro “Cartas a um jovem terapeuta”, do Contardo Calligaris, me apropriando do título e de seu começo para nossa conversa.

Primeiro para servir de uma espécie de pequena homenagem e demonstração de minha gratidão ao Contardo. Aprendi muito com ele, em seus textos, palestras e cursos. Até mesmo suas ideias sobre imanência e transcendência me são úteis nas escolhas intertemporais de investimento. Falei mais de minha admiração no último episódio do podcast Empiricus Puro Malte. 

Também gostaria de agradecê-lo pela generosidade com que nos atendeu em um dos eventos de aniversário da Empiricus. Almoçamos juntos naquele dia e conversamos sobre várias coisas, de ideias para o Brasil a passeios de moto, preferências musicais e jeitos de cuidar do dinheiro.

Leia Também

Por mais que tenhamos estado juntos presencialmente só uma vez, eu o tinha como um amigo, dada sua influência intelectual sobre mim, ainda que ele jamais tenha sabido da nossa rica amizade unilateral. Foi também nesse dia que, de algum modo, sem que isso também possa expressar uma proximidade além daquela que temos de fato, estabeleci uma relação com a Maria Homem, que muito admiro — tenho a esperança de que ela possa ser revisora do meu próximo livro, uma adaptação para crianças do “Princípios do Estrategista”. Para minha alegria, já houve um aceite informal e eu espero que ela possa ser acalentada neste difícil momento da partida. Para mim, educação infantil — e incluo, claro, a educação financeira como parte importante disso — é coisa séria, de modo que fiz questão de que o livro fosse submetido a um(a) psicoterapeuta antes de sua publicação. 

O segundo motivo de me referir explícita e tacitamente a “Cartas a um jovem terapeuta” é que entendo que a própria leitura do livro poderia lhe ser útil para sua formação como analista e investidor. 

Explico. 

Há características recomendáveis a um terapeuta que se estendem também a um analista de investimento. Sejamos sinceros: empresas, em última instância, são pessoas. Este será o grande diferencial, em especial num mundo que muda tão depressa: a capacidade humana de reagir e se adaptar a um novo cenário. Portanto, o analista — seja ele de pessoas ou de empresas, que no fundo é a mesma coisa — terá de ter uma sensibilidade desenvolvida, dispondo, ele mesmo, de elementos de observação e empatia social.

Claro que você também vai precisar do conhecimento do instrumental teórico clássico das finanças, do domínio das técnicas de valuation, da capacidade de operar planilhas, do rigor formal do cálculo matemático e da disciplina estoica para atualizar modelos quantitativos razoavelmente pesados. Mas, sejamos sinceros, depois da Wikipédia e do Excel, isso virou ciclo básico. Quaisquer poucas horas à frente do Google e do YouTube perfazem esse escopo. O diferencial mesmo não virá daí. Conta e tabela todo mundo sabe fazer. O preenchimento de planilhas não gera inteligência. 

Recorro a algumas ideias do próprio Contardo sobre características desejáveis para um terapeuta. Eu as adapto para o contexto dos investimentos.

Contardo faz um primeiro alerta importante: o psicoterapeuta não encontra nada parecido com a espécie de gratidão que, em geral, é reservada ao médico. Talvez essa seja uma dinâmica mais geral. Lembro-me de Kafka: “Você conhece a gratidão dos filhos…”. Essa é mesmo uma virtude rara. O analista não deve esperar gratidão de seus leitores. Se o investidor seguir sua recomendação e der certo, o mérito será sempre do investidor. Já se der errado, culpa do analista, claro. E lembre-se: muitas vezes, vai dar errado. Todos nós erramos, todos os dias. Freud dizia que há três tarefas impossíveis: educar, governar e analisar — aqui, ele fala de analisar no sentido psicanalítico, mas bem que poderia transpor-se também para o contexto dos investimentos. Teria sido um ato falho de seu inconsciente, antevendo o “financial deepening” em mais de um século?

Haveria, segundo Contardo, quatro traços de caráter a serem procurados em quem quisesse se tornar psicoterapeuta:

1. “Um gosto pronunciado pela palavra e um carinho espontâneo pelas pessoas, por mais diferentes que sejam de você.” No nosso contexto, vale para pessoas e para empresas. Até Warren Buffett já manifestou a importância do apreço pela palavra, dizendo que saber escrever costuma ser um diferencial importante do bom investidor (ou analista/gestor). Mais do que isso, há uma coisa fundamental: capacidade de interlocução. Você só terá acesso à informação de qualidade, que é a fonte primeira de geração de retornos extraordinários, a partir da conexão com as pessoas certas, seja dentro das empresas, seja com outros gestores, analistas, políticos. Essa capacidade de criar laços é relevante. E ela precisa ser genuína, com pessoas e com as companhias. Não há espaço para atitudes do tipo “essa empresa do setor elétrico é muito diferente da Empiricus; não gosto dela e, portanto, não vou recomendar”. Não se permite o narcisismo das pequenas diferenças em Bolsa. Você precisa manter uma perspectiva aberta e aproximar-se das empresas, de qualquer setor ou ramo de atividade, de forma empática e até mesmo carinhosa.

2. “Uma extrema curiosidade pela variedade da experiência humana com o mínimo possível de preconceito. Você pode ter crenças e convicções. Aliás, é ótimo que você as tenha, mas, se essas convicções acarretam aprovação ou desaprovação morais preconcebidas das condutas humanas, sua chance de ser um bom psicoterapeuta é muito reduzida, para não dizer nula.” Você precisa ser profundamente curioso para descobrir algo que o mercado ainda não colocou no preço do respectivo ativo. E deve aplicar essa curiosidade sem nenhum tipo de preconceito. Você pode ser um liberal convicto — como é o meu caso. Mas não deveria impedir que sua descrença no Estado como gestor contaminasse eventuais decisões sobre investir em estatais, quando os preços se mostram especialmente convidativos. Você pode ter perdido muito dinheiro com telecom no passado, mas não deve permitir que isso seja um bloqueio para novas investidas no setor — ao contrário, a experiência pregressa pode servir de guia para evitar novos percalços e identificar o que faltou daquela vez e pode estar presente agora.

3. “Além de uma grande e indulgente curiosidade pela variedade da experiência humana, eu gostaria que o futuro terapeuta tivesse, nessa variedade, uma certa quilometragem rodada.” Dificilmente você vai conseguir separar uma real boa oportunidade de uma ruim se não tiver certa vivência. Do sublime ao ridículo é só um passo. Do “value” ao “value trap” também. Da persistência à teimosia, idem. Inteligência de rua conta. Pode parecer ridículo mas, embora não possa provar isso cientificamente, carrego uma suspeita forte de que experiências sexuais, etílicas (ou qualquer outra substância de sua preferência, sem preconceitos), coletivas, esportivas e de liderança compõem um rico repertório para a formação de um grande investidor. Desenvolve-se intuição, que é a capacidade de reconhecer padrões — ora, como identificar um padrão se você nunca viveu aquilo? Quanto mais experiências, em profundidade e amplitude, melhor… Como resume Contardo, “gostaria que a capacidade de considerar a variedade das vidas e das condutas com carinho e indulgência viesse ao terapeuta da variedade animada da sua própria vida”. Meninos de apartamento, criados à base de leite com pera, herdeiros, cintos combinando com o sapato… essas coisas podem dar certo, claro, mas a chance é menor. Uma mente aberta, estimulada por uma experiência humana plural, ajuda. Street smartness não se aprende na Wikipédia.

4. “O quarto e último traço que gostaria de encontrar no futuro psicoterapeuta é uma boa dose de sofrimento psíquico. Desaconselho a profissão a quem está ‘muito bem, obrigado’.” Aqui vale literal e metaforicamente. Sob a ótica literal, a sensibilidade, já demonstrada como importante para identificar boas oportunidades de investimento nas linhas acima, dificilmente será desenvolvida sem alguma dose de sofrimento psíquico. Como metáfora, o sofrimento para o investidor é o prejuízo financeiro. É improvável ser um grande investidor se você não acumula uma série de prejuízos. Só há um analista/gestor/investidor imaculado: o iniciante, aquele que nunca fez nada. Os erros, as cicatrizes, as costas marcadas de tanto apanhar são demonstrações de anos na estrada, do acúmulo de experiência que o prepara para a situação posterior. São os equívocos pretéritos que pavimentam a via para o acerto futuro. No pain, no gain.

Se você preenche os pontos de 1 a 4, então, bem-vindo ao clube: talvez a análise de investimentos seja uma profissão para você.

COMPARTILHAR

Whatsapp Linkedin Telegram
EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: As expectativas de conflação estão desancoradas

19 de março de 2025 - 20:00

A principal dificuldade epistemológica de se tentar adiantar os próximos passos do mercado financeiro não se limita à já (quase impossível) tarefa de adivinhar o que está por vir

EXILE ON WALL STREET

Felipe Miranda: Vale a pena investir em ações no Brasil?

17 de março de 2025 - 20:00

Dado que a renda variável carrega, ao menos a princípio, mais risco do que a renda fixa, para se justificar o investimento em ações, elas precisariam pagar mais nessa comparação

EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: Para um período de transição, até que está durando bastante

12 de março de 2025 - 19:58

Ainda que a maior parte de Wall Street continue sendo pró Trump, há um problema de ordem semântica no “período de transição”: seu falsacionismo não é nada trivial

EXILE ON WALL STREET

Tony Volpon: As três surpresas de Donald Trump

10 de março de 2025 - 20:00

Quem estudou seu primeiro governo ou analisou seu discurso de campanha não foi muito eficiente em prever o que ele faria no cargo, em pelo menos três dimensões relevantes

VISÃO 360

Dinheiro é assunto de mulher? A independência feminina depende disso

9 de março de 2025 - 7:50

O primeiro passo para investir com inteligência é justamente buscar informação. Nesse sentido, é essencial quebrar paradigmas sociais e colocar na cabeça de mulheres de todas as idades, casadas, solteiras, viúvas ou divorciadas, que dinheiro é assunto delas.

EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: Na esperança de marcar o 2º gol antes do 1º

5 de março de 2025 - 20:01

Se você abre os jornais, encontra manchetes diárias sobre os ataques de Donald Trump contra a China e contra a Europa, seja por meio de tarifas ou de afrontas a acordos prévios de cooperação

EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: Um Brasil na mira de Trump

26 de fevereiro de 2025 - 20:00

Temos razões para crer que o Governo brasileiro está prestes a receber um recado mais contundente de Donald Trump

EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: Eu gostaria de arriscar um palpite irresponsável

19 de fevereiro de 2025 - 20:01

Vai demorar para termos certeza de que o último período de mazelas foi superado; quando soubermos, porém, não restará mais tanto dinheiro bom na mesa

EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: Tenha muito do óbvio, e um pouco do não óbvio

12 de fevereiro de 2025 - 20:00

Em um histórico dos últimos cinco anos, estamos simplesmente no patamar mais barato da relação entre preço e valor patrimonial para fundos imobiliários com mandatos de FoFs e Multiestratégias

EXILE ON WALL STREET

Felipe Miranda: Isso não é 2015, nem 1808

10 de fevereiro de 2025 - 20:00

A economia brasileira cresce acima de seu potencial. Se a procura por camisetas sobe e a oferta não acompanha, o preço das camisetas se eleva ou passamos a importar mais. Não há milagre da multiplicação das camisetas.

EXILE ON WALL STREET

Tony Volpon: O paradoxo DeepSeek

3 de fevereiro de 2025 - 20:01

Se uma relativamente pequena empresa chinesa pode desafiar as grandes empresas do setor, isso será muito bom para todos – mesmo se isso acabar impactando negativamente a precificação das atuais gigantes do setor

EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: IPCA 2025 — tem gosto de catch up ou de ketchup mais caro?

29 de janeiro de 2025 - 20:31

Se Lula estivesse universalmente preocupado com os gastos fiscais e o descontrole do IPCA desde o início do seu mandato, provavelmente não teria que gastar tanta energia agora com essas crises particulares

EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: Um ano mais fácil (de analisar) à frente

18 de dezembro de 2024 - 20:00

Não restam esperanças domésticas para 2025 – e é justamente essa ausência que o torna um ano bem mais fácil de analisar

EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: Às vésperas da dominância fiscal

11 de dezembro de 2024 - 15:00

Até mesmo os principais especialistas em macro brasileira são incapazes de chegar a um consenso sobre se estamos ou não em dominância fiscal, embora praticamente todos concordem que a política monetária perdeu eficácia, na margem

EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: Precisamos sobre viver o “modo sobrevivência”

4 de dezembro de 2024 - 20:00

Não me parece que o modo sobrevivência seja a melhor postura a se adotar agora, já que ela pode assumir contornos excessivamente conservadores

EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: Banda fiscal no centro do palco é sinal de que o show começou

27 de novembro de 2024 - 16:01

Sequestrada pela política fiscal, nossa política monetária desenvolveu laços emocionais profundos com seus captores, e acabou por assimilar e reproduzir alguns de seus traços mais viciosos

EXILE ON WALL STREET

Felipe Miranda: O Brasil (ainda não) voltou — mas isso vai acontecer

18 de novembro de 2024 - 20:00

Depois de anos alijados do interesse da comunidade internacional, voltamos a ser destaque na imprensa especializada. Para o lado negativo, claro

EXILE ON WALL STREET

Felipe Miranda: Não estamos no México, nem no Dilma 2

7 de outubro de 2024 - 20:00

Embora algumas analogias de fato possam ser feitas, sobretudo porque a direção guarda alguma semelhança, a comparação parece bastante imprecisa

EXILE ON WALL STREET

Rodolfo Amstalden: Brasil com grau de investimento: falta apenas um passo, mas não qualquer passo

2 de outubro de 2024 - 14:40

A Moody’s deixa bem claro qual é o passo que precisamos satisfazer para o Brasil retomar o grau de investimento: responsabilidade fiscal

EXILE ON WALL STREET

Tony Volpon: O improvável milagre do pouso suave americano

30 de setembro de 2024 - 20:03

Powell vendeu ao mercado um belo sonho de um pouso suave perfeito. Temos que estar cientes que é isso que os mercados hoje precificam, sem muito espaço para errar.

Menu

Usamos cookies para guardar estatísticas de visitas, personalizar anúncios e melhorar sua experiência de navegação. Ao continuar, você concorda com nossas políticas de cookies

Fechar