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Julia Wiltgen
Julia Wiltgen
Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com pós-graduação em Finanças Corporativas e Investment Banking pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Trabalhou com produção de reportagem na TV Globo e foi editora de finanças pessoais de Exame.com, na Editora Abril.
A renda fixa que varia

Com Tesouro Selic negativo, é o caso de rever a sua reserva de emergência?

Título público mais conservador tem apresentado retorno negativo desde meados de setembro; será que vale a pena migrar a reserva de emergência para outro investimento, ou pelo menos diversificá-la?

Julia Wiltgen
Julia Wiltgen
5 de outubro de 2020
5:30 - atualizado às 18:11
Bote com sacos de dinheiro representa reserva de emergência
Imagem: Montagem Andrei Morais / Shutterstock

Se você deixa os recursos da sua reserva de emergência aplicados em Tesouro Selic (LFT) ou fundos que invistam nesse tipo de papel, deve ter reparado que, em setembro, esses investimentos começaram a ter um comportamento atípico, apresentando retorno negativo.

Mas como pode? Tesouro Selic não é o investimento de menor risco do mercado brasileiro? Bem, do ponto de vista do risco de crédito, sim. A garantia do governo de fato é a melhor que pode haver no Brasil.

Do ponto de vista do risco de mercado, também. Eventos como a desvalorização atual são bastante raros, e a volatilidade desses papéis costuma ser bem baixa. Risco de liquidez, idem. Você resgata esses investimentos a qualquer momento, com facilidade.

Só que não existe investimento totalmente sem risco. Aliás, nem deixar o dinheiro debaixo do colchão é livre de risco. E o que está ocorrendo no mercado de LFT, embora difícil, não é impossível. Nem é a primeira vez que esses títulos dão retorno negativo. Tal fenômeno ocorreu pela última vez em 2002, na chamada “crise da marcação a mercado”.

A questão é que, além de ficar apreensivo, você pode também estar pê da vida de ter tirado a sua reserva de emergência da poupança ou de um CDB, porque pelo menos nessas aplicações ela rendia pouco, mas rendia alguma coisa. Pelo menos não estava perdendo dinheiro.

É possível que até esteja mentalmente xingando o seu assessor de investimentos, ou mesmo nós aqui no Seu Dinheiro, por termos defendido que a melhor aplicação para a reserva de emergência atualmente são os fundos Tesouro Selic de taxa zero.

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Diante dessa situação, a questão que se levanta é: o Tesouro Selic e os fundos que nele aplicam perderam sua atratividade como ativos para a reserva de emergência? Se sim, é o caso de trocá-los por outra coisa?

Se não, é o caso de diversificar também a reserva de emergência, dado que o risco de desempenho negativo não só existe como está aí, comprovado, para todo mundo ver?

Bem, vou resumir e já adiantar as respostas: não, Tesouro Selic não perdeu a atratividade para reserva de emergência. De fato, ainda deve ser a preferência do investidor para este fim.

Quanto a diversificar a reserva de emergência em outros produtos, entre os especialistas que eu ouvi, não houve consenso.

Pessoalmente, eu acho que, se o investidor estiver muito incomodado com o atual retorno negativo (ou com a mera possibilidade de haver um retorno negativo eventual, dependendo das condições do mercado), então sim, já existem hoje instrumentos para ele diversificar até a reserva de emergência, embora a preferência deva continuar com o Tesouro Selic e fundos que nele investem.

A seguir, explico.

O que está acontecendo com o Tesouro Selic

O Tesouro Selic (LFT) é um título público que se propõe a pagar a variação da Selic no seu vencimento. Para quem o vende antes do fim do prazo, o retorno costuma ser positivo e também acompanhar a taxa básica de juros.

Diferentemente do que ocorre com os títulos prefixados e atrelados à inflação, que têm volatilidade bem mais alta, o Tesouro Selic não costuma dar retorno negativo, podendo ser vendido antes do fim do prazo sem perdas.

Em geral, esse título é negociado com certo deságio, o que faz com que, no vencimento, ele acabe pagando Selic mais alguma coisa. Essa taxa a mais estava em um patamar bem modesto. O Tesouro Selic 2025, por exemplo, única LFT vendida no Tesouro Direto atualmente, estava pagando, até o começo de setembro, Selic + 0,03%.

Porém, do dia 10 de setembro para cá, esse deságio passou a aumentar e as taxas acima da Selic pagas pelas LFT negociadas começaram a aumentar. Na sexta-feira, por exemplo, quem comprasse o Tesouro Selic 2025 contrataria uma remuneração equivalente à Selic + 0,2542% no vencimento.

Os preços dos títulos, por sua vez, recuaram, e isto pôde ser notado tanto no Tesouro Direto quanto no mercado secundário, bem como no desempenho dos fundos DI e Tesouro Selic.

O deságio mostrou-se maior nos títulos mais longos, machucando mais, também, aqueles fundos mais expostos a esses papéis.

O Tesouro Selic 2025, por exemplo, recuou 0,46% em setembro. Nas imagens a seguir, retiradas do site do próprio Tesouro Direto, você pode verificar, nos gráficos, o desempenho negativo e a alta nas taxas pagas além da Selic. Na terceira imagem, você pode ver o desempenho de um fundo Tesouro Selic de taxa zero nos últimos 90 dias:

Por que a LFT está com retorno negativo

O desempenho recente do Tesouro Selic (LFT) tem muito a ver com três fatores: a taxa Selic extremamente baixa, a deterioração das contas públicas e um fator mais técnico, relacionado a um leilão de títulos realizado pelo Tesouro no dia 10 de setembro.

Com o aumento de gastos para combater os efeitos econômicos da pandemia de coronavírus, a situação fiscal brasileira, que já era frágil, se deteriorou ainda mais. Esperamos um aumento da dívida e do déficit públicos, ao mesmo tempo em que a economia vive um período de contração.

Isso elevou o risco-país e fez com que os juros de médio e longo prazo disparassem, deixando a curva de juros mais inclinada. Em outras palavras, os juros mais curtos permaneceram muito baixos, uma vez que o momento de recessão exige estímulos monetários, enquanto os juros mais longos se elevaram.

Soma-se a isso a pressão recente sobre alguns índices de inflação, ao mesmo tempo em que não parece haver muita definição do governo quanto ao que será feito para aliviar a questão fiscal. Ainda há muitas dúvidas quanto ao andamento das reformas, manutenção do teto de gastos, fora os embates entre o presidente e sua equipe econômica.

Essa conjuntura, portanto, fez com que a o mercado passasse a perceber o governo brasileiro como mais arriscado, e essa Selic de 2% talvez não esteja refletindo muito bem esse risco.

Apesar de o mercado não prever uma alta de juros tão cedo - e o Banco Central já sinalizou que de fato a Selic deve se manter no patamar atual por algum tempo -, os investidores já começam a achar que uma remuneração de apenas 2% ao ano para financiar um governo com tanto risco fiscal talvez seja muito pouco.

Temos aí um cenário dado para o mercado começar a pedir mais taxa nas LFT, aumentando o deságio desses títulos.

Pois bem, no dia 10 de setembro, o Tesouro fez um leilão de LFT e de títulos prefixados (LTN), colocando mais LFT do que o mercado era capaz de absorver - até porque, neste momento de curva inclinada, os prefixados exibem taxas bem mais atrativas que a parca Selic.

Com excesso de oferta de Tesouro Selic - mais vendedores do que compradores - os vendedores topam deságios cada vez maiores para se desfazerem dos seus papéis. Os compradores, por sua vez, querem uma taxa maior que a Selic para topar uma LFT.

Note que o deságio do Tesouro Selic atualmente não é enorme, mas em um cenário de Selic a 2%, é o bastante para machucar o retorno do investidor.

Tem risco de calote para o Tesouro Selic?

Ora, mas se o mercado acha que o juro deveria ser mais alto - tanto que está precificando juros bastante elevados no médio e no longo prazo -, o Tesouro Selic não deveria ter ficado mais atrativo? Afinal, sendo uma aplicação pós-fixada, seu retorno aumenta junto com a Selic. A LFT costuma ser a aposta quando se acredita que o juro vai subir.

“Em condições normais sim”, responde Luís Barone, sócio-diretor da Ativa Wealth Management. “Mas o Tesouro inundou o mercado de LFT”.

E risco de calote, existe? Afinal, o risco fiscal aumentou, e os investidores estão “punindo” as LFT. É para ficar preocupado?

“Não, estamos bem longe disso, é mais circunstancial”, diz Barone. “Em última instância, o governo é capaz de emitir moeda para pagar a dívida interna. O Tesouro apenas fez uma gestão ruim de rolagem da dívida, mas acredito que até o fim do ano deva estar normalizado.”

Esta é também a opinião de Marcos De Callis, estrategista da Hieron Patrimônio Familiar e Investimento. “O governo sempre tem a possibilidade de imprimir reais e pagar a dívida. Então calote a gente não acredita. Isso não aconteceu nem nos nossos piores momentos. Tivemos inflação, mas o governo deixar de pagar nunca aconteceu, e provavelmente não vai acontecer”, diz.

“Não vejo o governo brasileiro deixando de pagar um ativo como a LFT. Ou qualquer outro ativo, na verdade. Mas não seria esse tipo de título, que compõe a carteira de fundos e a poupança das pessoas, que viria a sofrer”, diz Marcelo Flora, sócio responsável pelo BTG Pactual Digital.

“Dado o problema fiscal do governo, o leilão de 10 de setembro acendeu a luz amarela do mercado. O que vem acontecendo com as LFT não precifica um calote, mas sim uma deterioração das contas públicas, que precisa ser endereçada”, diz Daniel Januzzi, economista da Magnetis.

De fato, o maior problema em relação a essa questão do desempenho negativo da LFT é uma possível contaminação do restante do mercado de títulos públicos, que poderia ficar, portanto, disfuncional.

Reserva de emergência: diversificar ou não?

Chegamos então à questão crucial desta matéria. Dado que nem o Tesouro Selic é “à prova de balas”, não seria o caso de diversificar também a reserva de emergência, lançando mão de aplicações que não estejam sujeitas a esse risco de marcação a mercado, mas sim a outros tipos de risco?

É o caso da caderneta de poupança e dos CDBs com liquidez diária, que estão expostos ao risco da instituição financeira, ainda que com cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) para aplicações de até R$ 250 mil por CPF.

O problema é que, mesmo com a garantia, se a instituição financeira quebrar, o recurso do investidor ainda pode ficar preso por algum tempo. Pode levar de alguns dias a alguns meses para o FGC pagar as garantias. E, nesse meio tempo, o investidor também fica sem rentabilidade.

No caso da poupança, é possível mitigar esse risco aplicando-se apenas em grandes bancos, cuja probabilidade de quebra, no cenário atual, é remota. Restarão apenas os problemas de rentabilidade, mas é melhor render alguma coisa do que ter desempenho negativo, certo?

Já no caso dos CDBs, a maioria daqueles que pagam 100% do CDI ou mais com liquidez diária são oferecidos justamente pelos bancos médios, que são os que têm maior risco de quebra. Nos bancões, em geral, os CDBs pagam muito pouco.

Porém, há exceções. O Itaú, por exemplo, oferece um CDB com liquidez diária e remuneração de 100% do CDI a seus clientes Personnalité, segmento de alta renda do banco, mas que não chega a ser exclusivo para milionários.

Finalmente, temos as opções das contas de pagamento, como a NuConta, que aplicam os recursos do cliente em títulos emitidos pela própria instituição ou em Tesouro Selic.

No caso da NuConta, mesmo aqueles recursos aplicados em Tesouro Selic têm pago o valor prometido pela instituição, que é de 100% do CDI, apesar do retorno negativo do papel.

Mas embora haja garantia do governo para esses títulos, caso a instituição vá à lona, o cliente estaria sujeito ao mesmo problema dos CDBs: ficar sem acesso aos seus recursos por algum tempo, até que a sua carteira de títulos seja transferida a outra instituição e fique acessível novamente.

Como você pode ver, em todas essas alternativas nós temos ou um problema de rentabilidade (poupança e CDBs de grandes bancos) ou um risco de falta de acesso temporário às reservas em caso de quebra da instituição financeira (CDBs de bancos médios e contas de pagamento).

Então, de cara, já dá para perceber que não é o caso de substituir completamente o Tesouro Selic ou os fundos que nele investem por um desses outros ativos que eu citei.

Mas e quanto a uma diversificação? Bem, entre os especialistas que eu ouvi, não houve unanimidade. E tudo também depende muito dos ativos aos quais você, como investidor, tem acesso.

Luís Barone, sócio da Ativa WM, acredita que o pequeno investidor, que não tem acesso a CDBs de grandes bancos que remunerem 100% do CDI com liquidez diária, deve manter sua reserva de emergência no Tesouro Selic ou nos fundos que nele investem.

“Esse rendimento negativo foi pequeno e circunstancial. Não há muito para onde correr, nesse caso”, diz.

Ele lembra, ainda, que quando o mercado de títulos voltar a normalidade, o que hoje é resultado negativo se tornará resultado positivo, recuperando-se as perdas.

“O investidor não perdeu nada de fato, a menos que tenha resgatado nesse momento negativo”, diz Marcelo Flora, do BTG Pactual Digital.

Daniel Januzzi, da Magnetis, também não acha que uma diversificação da reserva de emergência seja necessária. Afinal, a reserva de emergência é diferente do capital de giro, aquele recurso destinado a pagar as contas no fim do mês. Assim, essa perda pontual não seria tão problemática.

Porém, para os investidores com mais recursos, diz Barone, valeria a pena sim deixar uma parcela da reserva de emergência em um CDB de grande banco que pague 100% do CDI com liquidez diária, pois o risco de um bancão é, na prática, similar ao do governo.

Essa também é a visão da Hieron Patrimônio Familiar e Investimento, e com a qual eu tendo a concordar.

No início do ano, a gestora de fortunas trocou os fundos DI dos clientes por CDBs de grandes bancos que pagassem 100% do CDI, uma vez que os fundos em questão cobravam taxa de administração e a Selic já estava muito baixa.

“Pretendemos continuar com essa estratégia, porque no cenário atual, ter um instrumento de liquidez que não sofre marcação a mercado parece ser o mais vantajoso”, diz Marcos De Callis, estrategista da Hieron.

Para ele, vale a pena diversificar a reserva de emergência sim, dando preferência aos CDBs de grandes bancos que paguem 100% do CDI com liquidez diária, se o investidor tiver acesso a eles.

Mas mesmo para o investidor de menor porte, optar por CDBs de bancos médios com essas características não é uma má ideia, acredita De Callis, desde que a reserva de emergência não fique totalmente concentrada nesses títulos, e que sejam respeitados os limites do FGC. “Para o pequeno investidor, até a poupança, nesse caso, pode resolver”, diz.

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