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Efeito “Amnésia”: um fundo imobiliário com rendimento anual de 9,65%

Além do rendimento com os aluguéis, acredito haver um potencial para valorização de 10% nas cotas no médio prazo, com um risco baixo de a coisa ficar pior

30 de julho de 2020
9:51 - atualizado às 9:16
Amnésia iflme
Cena de Amnésia, filme de ‎Christopher Nolan -

Antes dos orçamentos astronômicos da trilogia do Cavaleiro das Trevas e de filmes bilionários de ficção, como Inception e Interstellar, Christopher Nolan teve que ser virar para fazer seu nome em Hollywood.

O primeiro grande sucesso do cineasta foi um de meus favoritos – “Memento”, de 2000, que chegou por aqui com o nome de “Amnésia”. O filme conta a trágica história de um investigador de seguros que sofre de uma condição rara, mas real, de perda de memória recente, síndrome que impede a pessoa de formar novas memórias.

Leonard lembra-se de tudo que viveu antes da invasão de sua casa, quando foi atacado e sua esposa assassinada. O filme relata sua busca pelos assassinos da esposa e as dificuldades em conduzir uma investigação sem se lembrar das novas descobertas.

Nolan, com um orçamento reduzido, recorre a sacadas inteligentes de edição para te colocar na mesma posição do “herói” que, enquanto busca por vingança, teme não conseguir satisfação porque, bem, não vai se lembrar de ter concluído sua saga.

Dada sua condição, Leonard passa a questionar o impacto de seus atos. Será que suas ações têm significado sem lembrança? “Eu preciso acreditar que, quando meus olhos estão fechados, o mundo continua lá fora.”

Spoilers à parte, lembre-se você ou não, seus atos têm significado – não adianta jogar a culpa das besteiras que fez ou disse para cima da vodca. Mesmo que Leonard não se lembre do que fez ao longo do filme, mesmo que feche os olhos para o que acontece a seu redor, o mundo continua ali e as pessoas, queira ele ou não, seguem afetadas por tudo o que ele faz.

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Com investimentos a brincadeira é a mesma. Mesmo que você não enxergue os riscos, eles estão lá. Não adianta fechar os olhos e parar de olhar para os resultados. Você engorda ou emagrece independentemente de subir ou não na balança do banheiro.

Um dos erros mais comuns que observo nessa minha andança de finanças é a crença de que investimentos em imóveis são livres de riscos. “Imóvel não desvaloriza e te protege da inflação” dizem os mais conservadores.

É bom falar isso para quem comprou um apartamento na Rua Amaral Gurgel alguns anos antes da construção do famigerado Minhocão. Qual o risco de um apartamento residencial bem no centro da cidade mais dinâmica da América Latina?

Mesmo como classe de ativos, os imóveis apresentam riscos muitas vezes invisíveis aos olhos, mas que podem machucar o bolso. Em relatório recente, o Credit Suisse afirmou que, desde 2014, os valores de imóveis residenciais estão estáveis. Olhando assim, parece que não caíram nem subiram, então até que tá bom. Mas a verdade é que, em termos reais, perderam 25% do valor – para ter uma ideia, o IPCA (principal índice de inflação) tem 32% acumulado no período.

Em dólares, a coisa fica ainda mais dramática: em dezembro de 2014, um apartamento de R$ 500 mil equivalia a US$ 185 mil. Hoje, o mesmo apartamento não compra nem US$ 100 mil.

Investimentos imobiliários, como praticamente todos os outros investimentos que você vai fazer na sua vida, possuem uma série de riscos. E, por mais que a flutuação de preços da sua casa seja invisível aos seus olhos, uma vez que não há cotações online piscando no meio da rua, todo dia o valor da sua casa sobe e desde ao sabor dos ventos do mercado.

Dito isso, a próxima vez que um amigo, analista, familiar ou assessor de investimento te falar que um fundo imobiliário é livre de risco, pare de falar com essa pessoa, ao menos no que diz respeito ao seu suado dinheirinho.

O caso Santander

Recentemente tivemos dois casos bem ilustrativos.

Há umas duas semanas, abri minha caixa de entrada e lá estava um fato relevante do Rio Bravo Renda Varejo (RBVA11) – o Santander estava entrando na Justiça para reduzir o valor do aluguel das 28 agências bancárias de propriedade do fundo.

Os imóveis foram comprados diretamente do banco, em um movimento de redução do balanço, na modalidade de “sale and lease back”, na qual o proprietário de um imóvel o vende já com um contrato de locação de longo prazo amarrado. Ou seja, as agências foram vendidas ao fundo já com o compromisso de locação por um valor pré-estabelecido (a ser corrigido anualmente pela inflação) e um prazo de duração de dez anos.

Note que o preço de venda dos imóveis já levava em consideração o valor do aluguel do contrato e que a natureza desse tipo de transação é justamente proteger as duas partes envolvidas (locador e locatário) contra flutuações de preços ao longo da vigência do contrato. Como dizem no interior “o combinado nunca é caro”.

Pois bem, o Santander resolveu questionar o valor dos aluguéis porque quando o acordo foi fechado não se previa a pandemia do novo coronavírus. Olha só, há dez anos eu também não tinha ideia de muita coisa (quem poderia dizer que o Brasil ia tomar sete da Alemanha em casa ou que o final de Game of Thrones seria a vergonha que foi?), mas isso não justifica sairmos por aí rasgando os contratos que assinei.

Contratos atípicos de locação são firmados justamente para que o aluguel se mantenha estável mesmo diante da ocorrência de eventos extraordinários. É para isso que eles existem. Se o Brasil tivesse se tornado uma potência mundial, tivesse ganhado a Copa e o Ibovespa estivesse aí nos 200 mil pontos, será que o Santander estaria disposto a pagar mais caro pelo aluguel das agências?

Isso sem contar que as agências bancárias não fecharam durante a pandemia e que, quando do lançamento do fundo, o banco recebeu gordas comissões pela distribuição das cotas.

Para completar, o banco abriu 28 processos diferentes, um para cada agência – como o fundo não conta com uma equipe de advogados, os custos para responder a todos esses processos são relevantes.

De qualquer forma, as primeiras liminares foram quase todas indeferidas e o banco só teve sucesso em uma agência. As chances de que a redução efetivamente ocorra são baixas, mas é um caso que pode se arrastar por anos e quem sabe um dia veremos o Gilmar Mendes julgando os contratos do RBVA11.

Queira ou não, os riscos estão aí.

O caso Banco do Brasil

Mais ou menos na mesma época, o Banco do Brasil fez um movimento praticamente idêntico ao Santander e colocou um fundo no mercado com 64 imóveis, entre eles sedes administrativas e regionais e agências bancárias. No fim de 2012, nasceu o BB Progressivo II (BBPO11).

O BB não fez nenhuma sacanagem, nem pediu redução dos contratos de aluguel, mas, no dia 7 de julho, o Estadão soltou matéria “com home office, BB vai devolver 19 de 35 edifícios de escritórios no País”. Resultado: 7% de queda no dia seguinte e quase 20% de recuo acumulado no período.

Os contratos seguem valendo: vencem apenas em novembro de 2022 e, se o banco quiser devolver algum imóvel, tem que pagar o valor remanescente dos aluguéis até o fim do contrato. Mesmo assim a notícia preocupou e mudou a percepção de muitos investidores sobre o fundo.

Curioso que o maior risco do BBPO11 tem pouca relação com a declaração recente de um dos diretores do BB.

Explico: a maior sede administrativa do fundo é o Ed. Sede III, que representa cerca de 20% das receitas do fundo e, em 2018, teve seu contrato aditado. Novo vencimento em novembro de 2027 e valor a ser negociado de acordo com as condições de mercado em novembro de 2022 (vencimento original). Porém, já ficou estabelecido um mínimo de R$ 2,4 milhões ao mês (pouco menos de 30% abaixo dos R$ 3,4 milhões atuais).

Tirando isso, temos algumas outras sedes menores, alguns centros de logística e 56 agências espalhadas pelo Brasil inteiro.

Se o banco desocupar mesmo 19 dos 35 edifícios prometidos na manchete do Estadão, nada muda para o fundo. Nada.

Pode-se argumentar que aumentou o risco de devolução de alguns imóveis no vencimento dos contratos no fim de 2022 (e acho que ficou maior mesmo), mas nada que justifique uma queda de 20% no preço da cota.

Eu fiz um exercício simples e projetei o seguinte:

Se o banco devolver 20% dos imóveis em novembro de 2022 (lembrando que o Sede III não pode ser devolvido sem o devido pagamento de multa), se o restante da carteira for renovado com um aluguel 30% abaixo do valor atual (bastante conservador) e se, em novembro de 2027, o fundo vender todos os imóveis pelo valor do último laudo de avaliação, o preço justo por cota, já considerando as características de risco, é de R$ 132,49 (pouca coisa acima dos R$ 131,49 de fechamento).

Em outras palavras, o preço de tela já está considerando uma catástrofe. Vale destacar que, em novembro de 2022, espera-se que estejamos em um momento mais favorável do ciclo imobiliário e, fazendo uma pesquisa da oferta de imóveis comerciais próximos às agências do fundo, concluí que o aluguel atual não está tão fora da realidade de mercado, o que me leva a pensar que uma redução de 30% no valor do aluguel para a média da carteira é, de fato, o pior cenário.

Tem retorno (mas tem risco)

Assim, o que proponho hoje é a compra das cotas do BBPO11 ao preço atual – mensalmente, o fundo paga R$ 1,06 de proventos, o que dá um yield anual de 9,65%. Muito atraente dada a realidade do mercado. É um bom carrego para aguardarmos novidades sobre o fundo.

Acredito haver aí um potencial para valorização de 10% nas cotas no médio prazo, com um risco baixo de a coisa ficar pior. Porém, como disse lá comecinho do texto: risco tem de sobra, desde uma devolução em massa dos imóveis até de negociações desfavoráveis para o fundo quando da renovação do aluguel. E, como fez o Santander, nada impede que o BB resolva entrar com um processo contra o fundo.

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