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Ricardo Mioto
Ricardo Mioto
CONTEÚDO PATROCINADO

Mark Zuckerberg está tenso

O crescimento do TikTok, a rede social da China, pode ser um problema para o Facebook e para a relação dos EUA e China

Ricardo Mioto
Ricardo Mioto
19 de julho de 2020
13:25 - atualizado às 23:25
mark zuckerberg
Mark Zuckerberg - Imagem: Shutterstock

Mark Zuckerberg, o dono do Facebook, está preocupado. Especificamente por causa de um tal de TikTok e mais amplamente por causa da China.

Veja esta manchete do New York Times de junho: “TikTok (sim, o TikTok) é o futuro”.

Talvez você nunca tenha ouvido falar dele. Não perdeu nada. O que você precisa saber é que se trata de uma rede social chinesa baseada em vídeos curtos (e toscos).

O app se tornou nos últimos meses o segundo mais baixado no Brasil -- perdendo apenas para o Zoom, de reuniões virtuais.

Mais: ele está em vias de ser proibido pelo governo americano, no contexto de uma nova Guerra Fria que envolve também impedir a chinesa Huawei de fornecer equipamentos para a rede de 5G no Ocidente.

A Índia, que tem seus próprios problemas de fronteira com a China, já proibiu o TikTok e outros aplicativos chineses, com amplo apoio americano.

Isso não está se encaminhando para acabar bem.

“Por mais de uma década empresas americanas de tecnologia foram banidas na China. A motivação da China não era protecionismo, mas sim manter o controle sobre a informação. De qualquer forma, isso sempre limitou o acesso das empresas americanas ao mercado chinês muito mais do que os EUA limitavam o acesso das empresas chinesas”, escreveu Ben Thompson, editor da newsletter Stratechery. Parece que agora isso vai mudar.

Pela lei chinesa, o governo comunista do país tem total acesso aos dados do TikTok -- ou seja, dos celulares de centenas de milhões de ocidentais. Da Amazon ao Exército americano, várias instituições se anteciparam ao governo e já pediram aos seus funcionários ou integrantes que não baixem o aplicativo.

Mas esse nem é o maior problema.

Caso tenhamos um rede social majoritária controlada pela China, o que deveria realmente nos preocupar no ocidente é o algoritmo, escreve  Ben Thompson.

“Não apenas pela censura, mas principalmente pelo inverso: propaganda. O algoritmo do TikTok pode promover os vídeos que quiser. Isso inclui, por exemplo, um determinado candidato, sem que ninguém saiba -- exceto talvez pelo próprio candidato”, escreve ele.

“Você pode ser cético sobre isso, mas a China já mais do que demonstrou disposição de controlar a informação. O Partido Comunista abriria mão de uma rota direta para o coração e as mentes de milhões de americanos? Incontáveis discursos, inclusive de Xi Jinping [líder chinês], já deixaram explícita a crença em uma guerra ideológica a ser travada.”

Os chineses não são gente confiável no campo apreço à liberdade. A destruição da democracia em Hong Kong é apenas um exemplo.

Bill Clinton pode ter sonhado com a China que se abriria ao Ocidente e abraçava o liberalismo, mas foi inocência.

A China não vai deixar de ser uma ditadura autoritária. O problema é que será uma ditadura autoritária com 1,4 bilhão de habitantes e, em breve, com o PIB maior do que o americano.

*

Zuckerberg sempre se preocupou muito com a China.

Inclusive aprendeu chinês -- consta que fala com proficiência.

O roteirista Aaron Sorkin, talvez o melhor da atualidade, tentou traduzir isso em uma fala do filme “A Rede Social”, que escreveu.

“Você sabia que tem mais pessoas com QI de gênio vivendo na China do que a população inteira dos Estados Unidos?”, diz o personagem de Zuckerberg.

A China, junto com a Índia, foi por muitos séculos a maior potência econômica do mundo.

Como escreve o inquestionável Henry Kissinger no seu “Sobre a China”, ainda em 1820 a China produziu mais de 30% do PIB mundial -- mais do que todos os países da Europa e Estados Unidos juntos.

Este gráfico diz tudo. Veja como a fatia da China era muito maior do que a de qualquer nação ocidental por quase 2000 anos. (Em um mundo rural, população conta muito.)

A China teve barcos capazes de atravessar oceanos séculos antes das nações europeias. Só não dominou o mundo porque… não quis, como aponta Kissinger. O Império do Meio era tão autossuficiente que não via razão para fazer comércio com povos inferiores.

A Revolução Industrial mudou o jogo. Kissinger conta de chineses assistindo embasbacados o poder de fogo naval britânico, com “navios [a vapor] que deslizam sem o menor vento ou mesmo contra a corrente”.

Se, no século 21, a China voltar a ser a maior potência global, não estará inovando na ordem das coisas, mas apenas retomando o seu lugar após um breve desvio de 200 anos.

Para Zuckerberg, é lindo que os Estados Unidos proíbam TikTok e de modo mais geral a concorrência chinesa na tecnologia.

“O TikTok é um grande desafio para o Facebook em termos de tempo de atenção dos usuários e, no longo prazo, de receita com publicidade. Proibir o TikTok vai simplesmente deixar o mercado para o Instagram Reels, o clone do TikTok criado pelo Facebook”, escreveu Ben Thompson.

Eu tenho minhas resistências à ideia de que a China vai se tornar a hegemonia dominante. Ciência, tecnologia e empreendedorismo combinam com livre circulação de ideias. Um Richard Feynman -- genial porém transgressor, não hierárquico -- não é possível em um regime como o chinês. Nem um Steve Jobs ou Elon Musk. Mas são Feynmans, Jobs e Musks que fazem os Estados Unidos serem o que são.

É mais do que consolidado também na literatura de desenvolvimento econômico que o catch up, ou seja, o processo de alcançar a fronteira tecnológica, é muito mais fácil do que o passo seguinte, que é criar a fronteira tecnológica. Até que ponto eles vão ter sucesso nisso?

Claro que, com esforço governamental, chega-se em algum lugar -- os soviéticos tiveram lá seus sucessos, ainda que daquele jeito.

Mas o progresso não é só aquilo que é centralmente organizado, mas principalmente os avanços pulverizados e inesperados. Nenhum governo disse “agora vamos fazer sistemas operacionais para computadores pessoais” ou “agora vamos fazer celulares inteligentes”, mas Bill Gates e Steve Jobs estavam lá e mudaram o mundo.

O que não significa que a China não possa incomodar como a União Soviética incomodou no passado, tentando tornar seu modelo hegemônico.

Se houver uma nova Guerra Fria, o que será do Brasil?

A China é de longe nosso maior parceiro comercial. Mais de 28% das nossas exportações vão para lá -- os Estados Unidos ficam em segundo lugar, com 13%. Não há como abrir mão da China.

Mas, se houver uma necessidade maior de alinhamento, de que lado ficaremos? Não digo, claro, cessar relações com um país ou outro, mas veja o caso bastante concreto e atual da participação da Huawei no nosso 5G.

O 5G inclui a chamada internet das coisas: a conectividade do carro, da geladeira, dos sensores industriais, do varejo automatizado… Controlá-lo é potencialmente controlar muita informação.

“No último ano, tanto Washington quanto Pequim aumentaram a pressão a Bolsonaro sobre o 5G. Bolsonaro é provavelmente o presidente mais pró-americano da história do Brasil, mas o governo sabe bem que a economia brasileira é profundamente dependente da China”, escreveu o professor Oliver Stuenkel na Americas Quarterly há duas semanas.

“Os diplomatas chineses têm atuado nos bastidores, mas não é segredo que não escolher a Huawei, cujos equipamentos são inclusive mais baratos, seria visto por Pequim como um ato hostil”, segue o pesquisador.

(Há poucos dias, os embaixadores dos Estados Unidos e da China no Brasil arrumaram briga no Twitter. O clima não está bom.)

Mourão, Tereza Cristina e Rodrigo Maia são contra banir a Huawei, assim como CEOs das principais telecoms, como a Vivo. A Huawei opera no Brasil há mais de 20 anos e forneceu equipamento para o 3G e o 4G. Há risco de espionagem pelos chineses? Há, mas os próprios americanos espionaram até o telefone de presidente da República do Brasil no passado, quando Dilma estava no cargo…

Mas vamos ficar do lado dos chineses contra o mundo ocidental? O Reino Unido anunciou recentemente que também vai banir a Huawei do 5G -- os britânicos estão irritados com a situação de Hong Kong. Austrália e Canadá também não querem a empresa chinesa. Fala-se que a Alemanha pode ser a próxima.

Bolsonaro vai ter que fazer uma escolha em breve sobre o assunto.

É uma decisão muito difícil. As duas maiores potências globais brigam, e nós ficamos apertados no meio, sem ter para onde correr. E isso é muito importante: um passo em falso aí pode implicar a perda de muitos pontos no PIB ao longo da próxima década.

Em guerra de elefante, quem sofre é a grama.

*

Isso tudo sem falar em eleição americana, em coronavírus, em eleição brasileira, na aprovação ou não de mais reformas no Congresso...

Como um brasileiro pode investir em um cenário nebuloso como este?

Tendo em mente que é preciso estar preparado para qualquer cenário.

QUERO UMA CARTEIRA COMPLETA PARA TEMPOS DE INCERTEZA

Uma boa semana para você,

Mioto

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