Quem somos nós?
Para tentar selecionar esses ativos que podem subir muito, usamos a abordagem buffettiana clássica, ao que somamos as noções de ciclos econômicos, psicológicos e de lucros corporativos tão bem desenvolvida por Howard Marks
Hoje temos uma recomendação de exposição líquida comprada de 11% em ações na Carteira Empiricus. Mais precisamente, 10,75%. Falo em “exposição líquida” porque temos a sugestão de compra com maior percentual numa cesta de ações preferidas, protegida parcialmente com uma posição short (vendida) em índice (BOVA11), resultando, em termos líquidos, nos tais 10,75%.
Se fôssemos um fundo multimercado brasileiro típico, essa seria tipificada como uma posição relevante, talvez considerada grande até. Os hedge funds locais, talvez pela origem mais recorrente nos mercados de juro e câmbio, talvez pelo histórico paraíso do CDI (o que inclusive nos rende, paradoxalmente, prêmios de risco negativos para a Bolsa em muitas situações), guardam menor tradição em renda variável — embora devam-se reconhecer exceções que comprovam a regra e também uma dinâmica mais em favor de Bolsa nos últimos tempos.
Para nosso caso e histórico, porém, essa é uma posição historicamente baixa — em especial se considerarmos que ela vem acompanhada de exposição grande comprada em dólar e em ouro, cuja correlação com a Bolsa tende a ser negativa. Alguns até poderiam argumentar que essas três coisas poderiam andar juntas agora, num cenário semelhante àquele de 1999, em que se compram moeda forte e ativos reais para se proteger e, então, o trio subiria junto, mas essa é outra história. Breve parêntese: Stanley Druckenmiller acaba de dizer que nunca viu uma combinação risco-retorno tão desfavorável para a Bolsa americana; você vai mesmo encher o carrinho de ações agora? Você pode ter uma ideia da grandeza do sujeito lendo “George Soros: Definitivo”, disponível em nosso Clube do Livro.
A Carteira Empiricus encontra, na essência, mais similaridade a um hedge fund americano, cuja matriz estrutural se apoia na abordagem clássica de 60/40 (60% destinado às ações, 40% destinado a bonds). Não quero dizer que essa seja uma proporção a ser perseguida. Faço apenas uma autoanálise da abordagem, porque, principalmente em momentos como este, você precisa entender com exatidão qual a sua abordagem, para que possa se mover à frente em linha com sua filosofia e com o que você acredita. E é fundamental fazê-lo, porque se mover fora de seus princípios estará alheio ao seu círculo de competências e sem muita convicção em seus movimentos. A chance de dar certo é baixa.
Então, qual a nossa abordagem na Carteira Empiricus?
Começamos da forma mais clássica possível, com a tal Moderna Teoria de Portfólio, o que nos remete a Harry Markowitz. A ideia aqui é que, a partir dos ganhos da diversificação, da introdução, com os pesos certos, de ativos negativamente ou pouco correlacionados podemos encontrar portfólios otimizados. Em outras palavras, poderíamos maximizar o retorno esperado da carteira, para um dado nível de risco; ou minimizar o risco do portfólio, para um dado nível de retorno esperado.
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A diversificação é o último almoço grátis disponível, nas palavras do próprio Markowitz. Ou o Santo Graal dos investimentos, na terminologia de Ray Dalio. Talvez esse seja o conceito mais caro para nós, mas isso é só o princípio.
Podemos avançar um pouco mais. A partir das contribuições de Markowitz, Jack Treynor, William Sharpe, John Lintner e Jan Mossin caminharam para a determinação da sensibilidade de um ativo ao chamado risco não diversificado (sistêmico ou de mercado), chegando no tal CAPM, que você talvez já tenha encontrado por aí em algum relatório em que ele é usado no meio de um modelo de Fluxo de Caixa Descontado para determinação do valor justo de uma ação. Pelo CAPM, o retorno esperado de um ativo é determinado pela taxa livre de risco, mais um parâmetro que mede a sensibilidade do ativo ao risco de mercado, multiplicado pelo retorno esperado para mercado menos a taxa de juro livre de risco.
Esqueça um pouco a fórmula. Só a trago aqui porque ela ajuda a entender o próximo passo. O CAPM é um modelo unifatorial. Tem como fator explicativo apenas o prêmio de risco de mercado. A partir dele, você pode estender o modelo para infinitos novos fatores, no que viria a ser comumente chamado de APT (só uma extensão do CAPM para um modelo multifatorial). O caso particular mais famoso de APT talvez seja o batizado “Fama-French model” ou modelo de três fatores, em que se adicionam ao CAPM um fator para capturar um elemento de value investir (normalmente desconto sobre o valor patrimonial) e tamanho. O resultado clássico desse modelo indica que ações menores e descontadas frente ao book costumam ter desempenho melhor na média e no longo prazo.
Dessa abordagem do APT, podemos dar um passo adicional, para o que a indústria chama hoje de Smart Beta ou fundos sistemáticos. Nada mais é do que a montagem de vários fatores de risco, de acordo com a cabeça do responsável pelo modelo, tradicionalmente construído a partir de muito backtesting. A ideia aqui é capturar uma série de prêmios de risco que existam ao longo do tempo, de forma diversificada. O investidor, ao espalhar por ativos que carregam prêmios de risco e, portanto, na média, pagam mais, vai ter, também na média, bons retornos.
Deixe-me explicar a ideia de forma mais intuitiva. Você compraria Bolsa se ela pagasse o mesmo que o CDI? Provavelmente, não. Em tese, a Bolsa tem mais risco e, portanto, para alguém comprá-la, deve haver um excesso de retorno esperado sobre a renda fixa. Isso não significa, de forma alguma, que a Bolsa sempre vai pagar melhor do que a renda fixa (se fosse o caso, não haveria mais risco na Bolsa). Apenas diz que, na média, a Bolsa paga melhor que a renda fixa. Então, se o investidor diversifica em vários ativos de prêmio de risco positivo, o que tende a acontecer? De novo, na média eles vão pagar bem, sob a hipótese de baixa correlação entre eles, garantindo um resultado agregado favorável.
Essa também é uma noção muito presente na Carteira Empiricus: a diversificação entre vários ativos com prêmio de risco positivo, de baixa correlação.
Mas há um problema nessa história — ou, ao menos, um problema. Toda essa história está apoiada no desenvolvimento original da Teoria Moderna de Portfólio e, como vimos, ela está assentada na ideia de ativos negativamente ou pouco correlacionados. O diabo é que essas correlações são altamente instáveis e, nos momentos de crise, todas caminham para 1. Tudo se move na mesma direção quando você menos espera.
Além disso, e potencialmente ainda mais importante, o arcabouço de Markowitz é construído considerando apenas os dois primeiros momentos de uma distribuição de probabilidade, ou seja, média e variância, sendo esta última tomada como proxy de risco. Areia movediça. Como tento falar aqui dia sim, dia sim, risco e variação são coisas bem diferentes. As torres gêmeas estavam bem estáticas até o dia 10 de setembro de 2001. Um único evento súbito, imprevisível e de alto impacto pode vir e acabar com toda essa brincadeira. Em linguagem mais técnica, precisamos extrapolar a modelagem média e variância para contemplar também as noções de assimetria e curtose (eventos raros). Aqui talvez o leitor mais perspicaz talvez tenha já se atentado para um grande problema: qualquer modelagem razoável exige uma amostra minimamente grade para podermos entender o comportamento da população. Mas, ora, como ter uma amostra de eventos raros se eles são… raros?
E aí entra, claro, Nassim Taleb, com a importância dada a variâncias infinitas, eventos raros, aleatoriedade, etc. Como desdobramento de suas ideias, saímos um pouco do Markowitz mais canônico para adentrar o que ele chama de Barbell Strategy, em que a maior parte do dinheiro é colocada em ativos de baixíssimo risco e uma menor fatia se destina a aplicar, de maneira diversificada, em ativos de altíssimo risco, com potencial de multiplicação. Isso também está presente na Carteira Empiricus, filosoficamente.
Para tentar selecionar esses ativos que podem subir muito, usamos a abordagem buffettiana clássica, ao que somamos as noções de ciclos econômicos, psicológicos e de lucros corporativos tão bem desenvolvida por Howard Marks. No caso da América Latina, esses ciclos são magnificados pela flutuação do pêndulo político, com consequências brutais sobre o ciclo econômico.
Esses somos nós. Juntando as peças, você consegue entender o posicionamento da Carteira Empiricus em qualquer período de tempo, por conta própria. De todo modo, na próxima segunda-feira eu trarei a continuação deste texto. Como tudo isso se insere no cenário atual? Por que temos uma posição líquida comprada menor do que nosso histórico neste momento? Cenas dos próximos capítulos.
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