Procure por lucros crescendo
Procurar por lucros que crescem, na maior parte das vezes, implica bater de frente com a ideia de comprar barganhas clássicas apuradas sob os critérios de múltiplos baixos

Se eu tivesse de apontar uma única coisa a se procurar numa empresa, seria: lucros por ação em alta. Há boa dose de evidência empírica sugerindo correlação positiva entre a evolução dos lucros corporativos e as respectivas ações.
Não é propriamente uma novidade. Philip Fisher sintetizou os benefícios do “growth investing” (o investimento em crescimento) no mais do que clássico “Common Stocks and Uncommon Profits”. O próprio Warren Buffett trouxe ideia semelhante ao proferir que “se um negócio vai bem, as ações acabam seguindo” — e claro, “ir bem” raramente pode ser representado por lucros caindo.
O ponto central aqui é que procurar por lucros que crescem, na maior parte das vezes, implica bater de frente com a ideia de comprar barganhas clássicas apuradas sob os critérios de múltiplos baixos. Num mercado informacionalmente muito eficiente, uma relação Preço/Lucro baixa está daquela forma não porque o mercado não percebeu a suposta barganha — com Bloombergs, Broadcasts, Valor Pros e o próprio Google, nada tão simples passa despercebido. Um baixo P/L significa a interpretação do mercado de que os lucros devem cair à frente e, por isso, seu múltiplo deve ser baixo agora.
Não é à toa que Cielo negocia com múltiplos de resultados históricos tão baixos, enquanto Stone os tem em níveis bem maiores — óbvio que todos perceberam a distorção, mas também é igualmente óbvia a expectativa por lucros aumentando mais para Stone do que para Cielo. XP está 70x lucros e os bancos tradicionais estão a 9x por razão semelhante — enquanto se espera resultados crescendo rápido para a primeira, projeta-se estabilidade ou queda de resultados para os últimos. Carros elétricos de um lado, motor a combustão de outro.
As dicotomias do mercado são amplas. Talvez a melhor categorização para elas seja: de um lado, aquelas com possibilidades de disruptar o status quo e se beneficiar de grandes tendências estruturais de longo prazo; frente a outras a serem disruptadas e em desarmonia com o curso da História.
Se é verdade que as ações acompanham lucros e múltiplos baixos indicam lucros caindo à frente, decorre daí que devemos comprar múltiplos altos, não baixos. Contraria-se, portanto, a intuição original de se perseguir relações comprimidas de Preço/Lucro ou Valor da Empresa/Ebitda.
Haveria quem pudesse dizer que isso decorre de um erro de mercado. Múltiplos muito altos significam, na verdade, uma estimativa muito otimista sobre o futuro. Ora, se o mercado virou Poliana e ingenuamente projeta um céu de brigadeiro à frente, então pode ser qualquer coisa. Os 100x lucros podem ser 150x ou 200x. Chute por chute, valeria qualquer um.
Não desprezo o ponto, mas aqui falo em outra direção. Não me refiro necessariamente a múltiplos fora da realidade. Apenas a múltiplos moderadamente altos, um pouco acima da média do mercado ou de sua indústria particular. Aquilo é uma sinalização da visão de resultados crescentes, que, muito provavelmente, se apoia num track record já entregue de lucros aumentando no passado recente. Um mercado informacionalmente eficiente não vai acreditar com facilidade em lucros crescendo muito no futuro se não houve execução semelhante no passado.
Leia Também
Rodolfo Amstalden: Escute as feras
Felipe Miranda: Do excepcionalismo ao repúdio
Abordagem semelhante foi documentada por William O’Neil, no Investor’s Business Daily. O’Neil estava insatisfeito com a qualidade das informações financeiras disponíveis em jornais, revistas e newsletters do ramo. Então, vendo a eficácia do seu próprio método, resolveu torná-lo público. Sintetizou a abordagem no acrônimo “CANSLIM”, cada letra representando um atributo a se perseguir numa ação.
C: current earnings per share. Ou seja, o lucro atual por ação. Segundo ele, as melhores ações são aquelas cujo lucro corrente mostra um crescimento de pelo menos 70% na média no trimestre frente ao mesmo período do ano anterior. “Ainda fico surpreso em como investidores compram ações com lucros parados ou menores frente aos trimestres anteriores”, afirmou uma vez.
A: annual earnings per share. Lucro anual por ação. Nos seus estudos, o crescimento compostos anual de cinco anos das melhores ações era de pelo menos 24%. Idealmente, cada ano deve trazer um avanço dos lucros frente ao exercício anterior.
N: new. Precisa haver algo novo naquele negócio, um produto ou um serviço. De acordo com O’Neil, 95% dos vencedores tinham algo novo em suas categorias. E esse novo pode ser, inclusive, uma nova máxima histórica para a respectiva ação. “O que parece alto costuma ficar mais alto ainda e é surpreendente a resistência das pessoas em comprar uma ação na máxima.”
S: shares outstanding, número de ações disponíveis. Em termos literais, é algo que vale mais para os EUA, mas a intuição está preservada. Nos estudos, 95% das melhores performances tinham menos de 25 milhões de ações no período de seu melhor desempenho. Em outras palavras, papéis de menor capitalização de mercado tendem a estar no topo dos rankings. Aqui é bastante intuitivo. O Itaú não vai poder se multiplicar por 10x. Caso contrário, vai superar o PIB mundial. Somente uma empresa pequena pode crescer tanto. Uma pequena ressalva de minha parte: esse dado, embora verdadeiro, esconde um outro. Os piores retornos também muito possivelmente estejam representados por ações de pequena capitalização. Mais risco, mais retorno. Não há muito como fugir. De todo modo, a ideia é válida: se você quer capturar as maiores valorizações, procure por small e microcaps (sabendo do risco associado, claro).
L: leader or laggard. Resumindo, procure pelos líderes e deixe os retardatários. É uma espécie de estratégia de seguir a tendência ou de momentum trade. De acordo com O’Neil, as ações de melhores performances são aquelas de maior índice de força relativa — uma forma de medir esse indicador é por meio da comparação do desempenho daquela ação nos últimos 12 meses com as demais ações; entre várias formas de se medir, uma forma pode apontar que um índice de força relativa de 80 significa que a respectiva ação superou 80% de todas as demais durante um ano.
I: institutional sponsorship. Temos de procurar por investidores institucionais que também compram aquela ação. Eu imagino que você seja um gênio. Realmente acredito nisso. Mas não sei se você é o único gênio por aí. Temos equipes de análise altamente capacitadas nos fundos de ações no Brasil e, se nenhuma delas descobriu aquela bela ação, talvez seja improvável que você o tenha feito antes de todo mundo. Não custa lembrar: investidores institucionais são a maior fonte de demanda pelas ações. Ao mesmo tempo, tome cuidado para evitar o excesso deles. Se o call virou excessivamente óbvio e todo mundo já tem a respectiva ação, não há mais comprador marginal e o risco de uma pressão vendedora futura é grande. A virtude está no meio.
M: market. A correlação com o mercado importa. Segundo O’Neil, três quartos das ações andam na mesma direção de um movimento significativo do mercado. Um bom ativo num mercado ruim ainda pode ser um ativo ruim.
Tudo isso foi sintetizado em 1984 e ainda é esquecido por boa parte das pessoas. Em investimentos, o grande engano oficial orwelliano talvez não seja o autoritarismo descrito no famoso livro, mas a perseguição por ativos aparentemente baratos, que ficam cada vez mais baratos.
Você ainda não tem Magazine Luiza e B3?
Rodolfo Amstalden: As expectativas de conflação estão desancoradas
A principal dificuldade epistemológica de se tentar adiantar os próximos passos do mercado financeiro não se limita à já (quase impossível) tarefa de adivinhar o que está por vir
Felipe Miranda: Vale a pena investir em ações no Brasil?
Dado que a renda variável carrega, ao menos a princípio, mais risco do que a renda fixa, para se justificar o investimento em ações, elas precisariam pagar mais nessa comparação
Rodolfo Amstalden: Para um período de transição, até que está durando bastante
Ainda que a maior parte de Wall Street continue sendo pró Trump, há um problema de ordem semântica no “período de transição”: seu falsacionismo não é nada trivial
Tony Volpon: As três surpresas de Donald Trump
Quem estudou seu primeiro governo ou analisou seu discurso de campanha não foi muito eficiente em prever o que ele faria no cargo, em pelo menos três dimensões relevantes
Dinheiro é assunto de mulher? A independência feminina depende disso
O primeiro passo para investir com inteligência é justamente buscar informação. Nesse sentido, é essencial quebrar paradigmas sociais e colocar na cabeça de mulheres de todas as idades, casadas, solteiras, viúvas ou divorciadas, que dinheiro é assunto delas.
Rodolfo Amstalden: Na esperança de marcar o 2º gol antes do 1º
Se você abre os jornais, encontra manchetes diárias sobre os ataques de Donald Trump contra a China e contra a Europa, seja por meio de tarifas ou de afrontas a acordos prévios de cooperação
Rodolfo Amstalden: Um Brasil na mira de Trump
Temos razões para crer que o Governo brasileiro está prestes a receber um recado mais contundente de Donald Trump
Rodolfo Amstalden: Eu gostaria de arriscar um palpite irresponsável
Vai demorar para termos certeza de que o último período de mazelas foi superado; quando soubermos, porém, não restará mais tanto dinheiro bom na mesa
Rodolfo Amstalden: Tenha muito do óbvio, e um pouco do não óbvio
Em um histórico dos últimos cinco anos, estamos simplesmente no patamar mais barato da relação entre preço e valor patrimonial para fundos imobiliários com mandatos de FoFs e Multiestratégias
Felipe Miranda: Isso não é 2015, nem 1808
A economia brasileira cresce acima de seu potencial. Se a procura por camisetas sobe e a oferta não acompanha, o preço das camisetas se eleva ou passamos a importar mais. Não há milagre da multiplicação das camisetas.
Tony Volpon: O paradoxo DeepSeek
Se uma relativamente pequena empresa chinesa pode desafiar as grandes empresas do setor, isso será muito bom para todos – mesmo se isso acabar impactando negativamente a precificação das atuais gigantes do setor
Rodolfo Amstalden: IPCA 2025 — tem gosto de catch up ou de ketchup mais caro?
Se Lula estivesse universalmente preocupado com os gastos fiscais e o descontrole do IPCA desde o início do seu mandato, provavelmente não teria que gastar tanta energia agora com essas crises particulares
Rodolfo Amstalden: Um ano mais fácil (de analisar) à frente
Não restam esperanças domésticas para 2025 – e é justamente essa ausência que o torna um ano bem mais fácil de analisar
Rodolfo Amstalden: Às vésperas da dominância fiscal
Até mesmo os principais especialistas em macro brasileira são incapazes de chegar a um consenso sobre se estamos ou não em dominância fiscal, embora praticamente todos concordem que a política monetária perdeu eficácia, na margem
Rodolfo Amstalden: Precisamos sobre viver o “modo sobrevivência”
Não me parece que o modo sobrevivência seja a melhor postura a se adotar agora, já que ela pode assumir contornos excessivamente conservadores
Rodolfo Amstalden: Banda fiscal no centro do palco é sinal de que o show começou
Sequestrada pela política fiscal, nossa política monetária desenvolveu laços emocionais profundos com seus captores, e acabou por assimilar e reproduzir alguns de seus traços mais viciosos
Felipe Miranda: O Brasil (ainda não) voltou — mas isso vai acontecer
Depois de anos alijados do interesse da comunidade internacional, voltamos a ser destaque na imprensa especializada. Para o lado negativo, claro
Felipe Miranda: Não estamos no México, nem no Dilma 2
Embora algumas analogias de fato possam ser feitas, sobretudo porque a direção guarda alguma semelhança, a comparação parece bastante imprecisa
Rodolfo Amstalden: Brasil com grau de investimento: falta apenas um passo, mas não qualquer passo
A Moody’s deixa bem claro qual é o passo que precisamos satisfazer para o Brasil retomar o grau de investimento: responsabilidade fiscal
Tony Volpon: O improvável milagre do pouso suave americano
Powell vendeu ao mercado um belo sonho de um pouso suave perfeito. Temos que estar cientes que é isso que os mercados hoje precificam, sem muito espaço para errar.